29 de junho de 2013

2/2 - Memória Genética e Reencarnação


Artigo publicado na Revista Espiritismo & Ciência nº. 90, São Paulo: Mythos Editora, nov/2011, páginas 34 a 42. Ir para a primeira parte.

Acesse a parte 1/2 aqui.

3 - Consequências da tese da memória genética para a visão espiritualista do ser humano.

Adotando-se uma visão espiritualista - sem considerar a existência ou não da reencarnação, mas apenas continuidade da personalidade após a morte (o que é aceito por quase todas as religiões), não é difícil ver que se criam problemas insolúveis as diversas teologias ao se misturar a tese da memória genética para refutar a noção da reencarnação: 
  1. Problemas com a noção de Justiça Divina: onde se poderia estabelecer a Justiça Divina se, por exemplo, o comportamento assassino estivesse estabelecido em traços herdados? Qualquer criminoso poderia, em um nível fundamental, culpar seus pais por parte ou toda a culpa de seus crimes;
  2. Se caracteres de personalidade e memórias podem ser herdados geneticamente, não é possível defender qualquer noção de livre-arbítrio que é base para diversos sistemas de recompensas e punições nas mais diferentes religiões: haveria um gene responsável pelo comportamento altruísta ou devocional, que levaria certas pessoas a aceitar os princípios religiosos ligados à salvação, enquanto que outros, desprovidos de tal gene, estariam eternamente condenados ao inferno; haveria genes responsáveis pelos comportamentos pecaminosos etc;
  3. Diante de 1 e 2, a razão de ser das religiões desapareceria, pois os que teriam que ser salvos já o estariam desde o nascimento por uma programação genética. Mas, qual o sentido da existência da alma ou de qualquer 'algo' que deva sobreviver à morte do corpo diante da herança genética colocada dessa forma? Nesse panorama, a alma não existe e, portanto, não existe salvação. Tal é a questão inexorável de se aceitar a tese. Trata-se de verdadeira 'aberração filosófica' defender a tese da memória genética e se dizer espiritualista, independente de se acreditar ou não em reencarnação. 
Ainda assim, não é difícil encontrar manifestações de religiosos a aceitar a ideia da memória genética para refutar a reencarnação.  No blog 'Bíblia Insólita' seu autor escreve:
E além da memória normal de cada individuo, ainda existe a memória genética, que é aquela que programa reações imediatas ao meio ambiente. Uma criança já sabe chorar para pedir alimento, isso é uma reação programada pela memória genética. Muitas coisas que o espiritismo tenta explicar, a ciência já explica através do processo de memória genética. Não existe nada que prove que até coisas mais complexas como um talento para pintura ou algo similar não seja absorvido pela memória genética.
Ao se utilizar argumentos como esse, não se percebe que eles podem ser aplicados de maneira muito mais abrangente do que o crítico pretende fazer.  Pode-se por exemplo, aplicá-lo a própria fé intolerante que teria uma memória específica armazenada em um gene fazendo com que comportamentos de intolerância de todos os tipos sejam possíveis.

Mesmo entre espiritualistas (não cristão), encontra-se a defesa sem discernimento de tal tese (Ver blog Hari-Om, post inacessível em 2013): 
Nós trazemos uma memória genética que tem registrada a experiência de todos os tempos, essa memória independe da cultura, credo, cor, etc…, ela determina características essenciais e comportamentais de uma espécie.
Há vários outros exemplos na Web (em 2011) que mostram que a ideia de memória genética constitui uma fonte rica de inspiração (e confusão) para as mais variadas 'explicações' do ser humano. Sua maior aplicação é, de longe, para refutar a reencarnação ou informação anômala colhida em eventos psíquicos (mediunidade e fatos correlacionados).

4 - Qual é a situação atual?

Obviamente, acadêmicos rejeitam (em sua maioria) qualquer noção de memória extrafísica. Ninguém melhor do que C. Sagan (1980) para sintetizar a visão moderna sobre o assunto: 
Quando nossos cérebros não conseguem armazenar toda a informação necessária para a sobrevivência, lentamente inventamos cérebros. Então veio o tempo, talvez há dez mil anos, quando necessitávamos saber mais do que podia ser convenientemente contido nos cérebros, e aprendemos a estocar quantidades enormes de informação fora de nossos corpos.
Em outras palavras, para o materialismo, 'aquilo que somos', incluindo nossas 'memórias', perde-se nos emaranhados de complexidades das estruturas neurais do cérebro. O último reduto do materialismo é o argumento da complexidade: uma vez que o cérebro é muito complexo, então qualquer coisa pode resultar dele, incluindo nós mesmos.  Segundo a Wiki: 
O mecanismo utilizado para o armazenamento de memórias em seres vivos ainda não é conhecido. Estudos indicam a LTP (long-term potential) ou potencial de longa duração como a principal candidata para tal mecanismo.  A LTP foi descoberta por Tim Bliss e Terje Lomo num estudo sobre a capacidade das sinapses entre os neurônios do hipocampo de armazenarem informações. 
Ainda segundo M. Blanc (1994): 
Na verdade, nenhum estudo demonstrou que existe um determinismo genético de algum traço, mesmo que seja da personalidade humana.
A questão da memória genética foi abandonada por causa das consequências previsíveis gera com gêmeos univitelinos. Esses são indivíduos que contém em si exatamente a mesma 'carga genética', cada um deles é exato clone do outro.  Portanto, eles deveriam apresentar comportamentos semelhantes ainda que fossem separados em idade prematura. Embora se possa defender ou observar muitas similaridades nos traços de comportamento de gêmeos univitelinos (muitas que não podem ser distinguidas de comportamentos semelhantes observados entre irmãos comuns), a ortodoxia presente acredita que ao 'ambiente' determina em nível fundamental o comportamento.  Para saber mais ver: 'O determinismo do comportamento humano existe?' em Blanc (1994), p. 202-205.
Assim, saímos de uma visão de comportamento determinado por entidades microscópicas como os genes, para outra determinada por entidades muito diferentes como o 'ambiente'. Toda essa situação indica que não existem fundamentos seguros para a determinação das causas para os fenômenos psicológicos em uma abordagem materialista do ser humano.

O problema dos gêmeos idênticos; como explicar que, tendo a mesma carga genética e, frequentemente, vivendo no mesmo ambiente, eles tenham personalidades tão diferentes?

5 - Considerações finais

A ideia de 'memória genética' lança mão de dois termos com grande apelo à maioria das pessoas instruídas, independente de suas crenças: o da 'memória', que é algo que temos conhecimento privado (íntimo), e 'genética' que é uma disciplina científica que revolucionou nossa concepção sobre a vida e a Natureza.

A maior aplicação para a ideia de 'memória genética' mesmo é como argumento de refutação à reencarnação.  Na verdade, a 'memória genética' tem pouco valor heurístico já que qualquer tipo de conhecimento, personalidade, lembrança ou comportamento poderia ser 'explicado' por ela. Para ser um pouco mais específico, em todos esses assuntos há frequentemente problemas de linguagem. É bastante certo que o termo 'memória' usado em psicologia não tem o mesmo significado daquele usado em ciência da computação. Ao se analisar argumentos e contra argumentos é preciso estar atento ao significado das palavras.

A verdadeira origem do que somos encontra-se encerrado no princípio espiritual que trazemos conosco. Ao se aceitar a reencarnação, não se está a refutar qualquer influência da parte material sobre nosso comportamento. É mais do que razoável esperar que o homem seja o produto de inúmeros fatores: daquilo que ele herdou de seus pais em seu corpo; de seu ambiente, a partir dos exemplos que contou ao longo de sua existência e que teve a chance de imitar, sejam eles bons ou maus; e de suas tendências interiores, trazidas de séculos de experiências sucessivas, que se fundiram e formaram sua personalidade integral. Como não somos seres 'terminados', temos ainda muito a aprender com o ambiente em que vivemos. Essa é uma das razões da reencarnação. Porém, também não somos seres criados instantaneamente por ato arbitrário no momento da fecundação. Temos sim uma 'memória espiritual', que define aquilo que somos e que constitui nossa bagagem, aquilo que daqui levamos e de lá trazemos, junto com outras inúmeras influências materiais e comportamentais.  Mas, acima de tudo, somos livres para escolher e responsáveis por nossos atos, não estando sujeito a qualquer tipo de determinismo externo ou interno, independente de nossas vontades, embora nos reconheçamos limitados em muitas de nossas capacidades.

Agradecimentos Agradeço ao Paulo Neto (www.paulosnetos.net) por muitas referências a casos de reencarnação na web e sugestões ao texto.

Referências

ATENÇÃO!  muitos dos links abaixo não estão mais disponíveis em 2013, mas estão aqui registrados porque constam no artigo original de 2011.

Andrade, H. G. (2002) Você e a reencarnação.  Bauru, SP: CEAC Editora.  p.  100-101.
Blanc M. (1994) Os Herdeiros de Darwin.  Cap 9.  Ed. Página Aberta.
Côrtes, C. e Morais (2002), R. De volta do passado.  IstoÉ n°. 1710, São Paulo: Editora Três, julho, p.  76-78).
Dawkins R.  (1990) The selfish Gene.  2ª. edição.  Oxford University Press.
Kardec A (1991) O Livro dos Espíritos, Ed. FEB, Capítulo IV.  71ª. edição.
Sagan C. (1980) Cosmos.  Cap. XI.  Ed. Francisco Alves.
Stevenson I.  (2010a) Reencarnação, vinte casos.  São Paulo: Vida e Consciência.
Stevenson, I. (2010b) Reencarnação: estudos científicos de casos reais na Europa.  São Paulo: Vida e Consciência.
Stevenson I (997a).  Where Reincarnation and Biology Intersect.  Ed.  Praeger Publishing.
Stevenson I. (1997b) Reincarnation and Biology: A Contribution to the Etiology of Birthmarks and Birth Defects Volume 1: Birthmarks, Ed.  Praeger Publishing.
Stevenson I. (1997c) Reincarnation and Biology: A Contribution to the Etiology of Birthmarks and Birth Defects Volume 2: Birth Defects and Other Anomalies.  Ed.  Praeger Publishing.
Wiki: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neurofisiologia_da_memória
Wilson E.  (2000) O.  Sociobiology: the new synthesis.  Ed.  Belknap Press da Harvard University Press.  Não obstante ser considerada uma teoria defunta, a prestigiosa Universidade de Harvard recentemente relançou uma edição comemorativa desta obra.

Para pesquisa na Web (Blogs)

Bíblia Insólita:

Di Bernardi R:

Hari-Om:

Paulo Neto.  Artigo: 'Reencarnação e as pesquisas científicas'.

Casos:

20 de junho de 2013

1/2 - Memória Genética e Reencarnação


Artigo publicado na Revista Espiritismo & Ciência nº. 90, São Paulo: Mythos Editora, nov/2011, páginas 34 a 42. Todas as referências estão no segundo post a ser publicado na sequência.

Acesse a parte 2/2 aqui.

1 - Introdução

É comum que, nos grandes debates entre ideias concorrentes, não se dê suficiente atenção para as consequências 'secundárias' (ou colaterais) da adoção de certas posturas, por causa do afã dos debatedores em se ver reconhecido o mais rapidamente possível como do lado da verdade. Tal é o caso das inúmeras explicações que encontramos do lado dos que criticam a reencarnação. O objetivo principal deste texto, entretanto, não é defender a ideia de reencarnação, mas chamar a atenção para a precariedade de um tipo de argumento que é lançado contra essa ideia.

Reencarnação, de forma muito simples, é entendida como o retorno da 'personalidade' à vida corporal. O Espírito é, na verdade, o ser verdadeiro que tem apenas uma vida: a espiritual. Entretanto, para que possa progredir, é preciso que ele se una à matéria, de onde extrai suas experiências e realiza seu aprendizado.  Assim, a reencarnação não é uma lei fundamental, mas uma consequência de um princípio anterior e mais fundamental que ela. Porém, antes de se aceitar a ideia de reencarnação, pressupõe-se um conjunto de outros princípios tais como: a sobrevivência de 'algo' no ser humano além da morte do corpo físico, que esse 'algo' carrega consigo informação a respeito de sua vida pregressa, mas não só isso, que carrega também toda sua personalidade e memórias de sua vida anterior. É natural que muitos rejeitem a reencarnação como princípio, por falta de uma visão inicial de todos esses conceitos auxiliares.

Para se gerar conhecimento científico de qualidade é preciso, antes de tudo, definir termos e esclarecer conceitos. Ora, nada é mais complexo e difícil de ser definido do que a personalidade humana, sua psicologia, seus traços morais, suas inclinações e sua memória. Ninguém conseguiu até hoje criar um 'medidor de personalidade' por uma razão simples: a personalidade humana é um objeto que não se presta a mensurações por equipamentos ou aparelhos, como é o caso da matéria. Portanto, na discussão e tratamento de fenômenos relacionado a memórias profundas e outras anomalias psicológicas, estamos diante de um assunto para o qual não é tão simples defender determinados pontos de vista a partir, única e exclusivamente, de evidências empíricas. Mesmo assim, muitos pretendam lançar mão de provas conclusivas que, segundo eles, resolveriam o debate.

Existem vários caminhos para se conhecer o princípio da reencarnação:
  1. Via 'filosófica': trata-se da via adotada pela Doutrina Espírita (Kardec, 1991). A reencarnação é aceita como um postulado através do qual é possível prever certas consequências para a vida humana e sua relação com noções de Justiça Divina. É bastante claro que essa via não será aquela trilhada por quem sequer aceita a existência de Deus. Entretanto, os maiores opositores deste caminho são, na sua maioria, religiosos que fundamentam suas crenças na autoridade, tanto da tradição quanto em interpretações particulares de livros considerados sagrados; 
  2. Via 'Empírica'. Diante da fragilidade e falta de concordância (universal) entre especialistas sobre definições do que seja a personalidade humana, trata-se da tentativa de se obter evidências comprobatórias para existência ou não de vidas anteriores. Por essa via se estabelece um debate, entre pesquisadores reencarnacionistas e seus opositores, em sua maior parte materialistas. O materialismo não prevê que algo deva sobreviver à morte do corpo físico. Portanto, as evidências clamadas para a reencarnação, segundo eles, devem ser explicadas a partir de uma variedade de hipóteses tais como: fraude, alucinação, coincidência, clarividência, criptomnésia ou 'memória genética' - termo que será objeto de análise neste texto.
  3. Crença pura: é a via religiosas, ancorada na tradição de textos antigos como os do Hinduísmo e no Budismo, com interpretações diversas daquela expressa pela Doutrina Espírita. 
No século 20, o maior expoente do caminho 2 descrito acima foi o Dr. Ian Stevenson. Ele reuniu uma quantidade fabulosa de casos considerados anomalias psicológicas, sobre pessoas que se lembram de vidas anteriores. Em seus quase meio século de pesquisas, conseguiu juntar 2.600 casos de crianças que se lembraram espontaneamente de outras vidas, tendo publicado várias obras, entre elas: 20 Casos sugestivos de Reencarnação (Stevenson, 2010a, 2010b) e os ainda sem tradução para o português (Stevenson,1997a, 1997b, 1997c; Andrade, 2002; Côrtes, 2002). Essas obras de Stevenson em 2 tomos tem 1200 e 1100 páginas, respectivamente, e representam compêndios com muitos dados sobre evidências de reencarnação.  Obviamente, muitos de seus críticos julgam-se no direito de criticar os trabalhos de Stevenson sem dar nenhuma atenção a essa montanha de dados, o que não é uma atitude razoável e, muito menos, científica. Também fazem parte do grupo 2 inúmeros terapeutas de vidas passadas (TVP). Para consultar diversos casos, ver "Casos" em "Web (blogs)" e o artigo de Paulo Neto Reencarnação e as pesquisas científicas. 

Frequentemente, opositores da reencarnação invocam argumentos de grupos de 'mesmo objetivo' para refutar a reencarnação. Assim, vamos encontrar grupos cristãos sectários que fazem uso de ideias materialistas para refutar a reencarnação, sem se dar conta da postura absurda que acabam envergando.

2 - Memória genética e Eugenia

Da mesma forma que existe claramente descendência de caracteres morfológicos e funcionais entre todas as espécies de seres vivos (incluindo plantas), a memória genética é concebida como uma suposta capacidade de se herdar não só memórias dos antepassados, mas também traços de suas personalidades. Afinal, quem herda a memória, também haveria de herdar o resto, segundo a visão puramente material do ser humano. Não há como separar as duas coisas, o ser humano é um todo integral.

Como dissemos, existe uma dificuldade intrínseca no objeto de estudo: a personalidade humana. Por si só, tal fato seria suficiente para eliminar qualquer tentativa de se explicar o comportamento humano com base em equivalentes de laboratório como ratos ou mesmo planárias (Di Bernardi, ver blog 'Portal do Infinito'). Mesmo assim, a tradição de pesquisa em laboratório e o positivismo costuma extrapolar comportamento de ratos e outros animais para os seres humanos. Mesmo diante de tais dificuldades, alguns biólogos e geneticistas acreditam (Dawkins, 1990; Wilson, 2000) que seria possível relacionar tais traços a informação gravada em nível atômico nos genes. Tal postura tem sua razão de ser na crença materialista para a qual o ser humano, assim como todos os animais, é apenas produto da organização genética. Os genes, segundo essa visão, carregariam toda informação necessária para se 'fazer' um ser humano, o que inclui eventuais 'memórias' passadas, que poderiam induzir determinados comportamentos. Obviamente, essa herança genética seria a responsável não só pela perpetuação de supostas memórias armazenadas nos genes como também traços da personalidade e explicaria as evidências encontradas a favor da reencarnação.

É preciso relembrar a história da ciência frequentemente esquecida, que nos instruí a respeito de debates semelhantes ocorridos no passado não muito distante. Na década de 1970 ficou famosa a teoria de E.  Wilson conhecida posteriormente como Darwinismo Social ou Sociobiologia. Ela pregava um determinismo estrito pelos genes e foi acusada de levar ao racismo científico. Não é difícil ver que, se o ser humano é produto de seus genes, então a competição entre populações de espécies leva inexoravelmente à perpetuação dos mais aptos em todos os sentidos. Assim, não só caracteres físicos e funcionais essenciais para a manutenção da vida são perpetuados, mas também caracteres não físicos tais como: traços da personalidade, caráter, inteligência e até cultura.

A Sociobiologia parte do princípio de que deveriam existir genes que programem os seres humanos para tais traços não físicos.  Assim, existiriam genes para a bondade ou maldade, para a perseverança ou falta de caráter, para o espírito ditatorial ou democrático, ou seja, para toda e qualquer tipo de personalidade, nas mais variadas gradações e disposições.  Esses genes seriam herdados dos antepassados e utilizariam o ser humano como um 'recipiente', fazendo valer seus interesses de perpetuação (Dawkins, 1990).

Se caracteres não físicos podem ser herdados, então existem, de fato, 'raças superiores e inferiores' por uma questão de definição: as 'superiores' seriam aquelas que teriam, em seu conteúdo genético, a maior carga de genes considerados superiores. Tais raças seriam as mais aptas por terem maior inteligência e cultura.  Sociobiologia, Darwinismo Social e memória genética são todos conceitos irmãos que levam diretamente à Eugenia e ao racismo científico (Blanc, 1994). Não são teses aceitas hoje no meio acadêmico, embora possam ser encontrados defensores isolados que tentam abrandar as críticas com um discurso de que a evolução 'é cega' para superioridade ou inferioridade entendida como conceitos com raízes culturais. Discutimos a situação atual na Seção 4.

Continua no próximo post.

12 de junho de 2013

Entrevista com Ricardo Monezi (Parte I)


Para acessar a segunda parte da entrevista, clique aqui.
Apresentamos a partir deste post, a primeira parte em áudio de uma entrevista com o Dr. Ricardo Monezi, conhecido pesquisador dos efeitos da imposição de mãos, em particular do uso do Reiki. 

Ricardo defendeu recentemente sua tese de doutorado "Efeitos Psicofisiológicos da Prática do Reiki em Idosos com Sintomas de Estresse: Estudo Placebo e Randomizado" pela Universidade Federal de São Paulo (Escola Paulista de Medicina). Para um resumo do trabalho ver (1).

O trabalho do Ricardo é um divisor de águas no Brasil quanto ao estudo de efeitos de técnicas de imposição e mãos por meio de métodos sistemáticos. Nesta primeira parte da entrevista, ele fala sobre o trabalho de sua tese de doutorado, sobre os seus principais resultados e dificuldades, o que pode ser importante para aqueles que quiserem iniciar nessa área de investigação.

Já tivemos a chance de discutir anteriormente as dificuldades envolvidas na investigação de efeitos do tipo "imposição de mãos" (ver post: "Algumas considerações sobre o passe"). Sem dúvida, elas são enormes e vão desde a própria definição de "doença" até os procedimentos experimentais que devem ser usados para sua investigação, que tem como escopo o elemento humano. Em que pese os estudos com animais, a validação dos efeitos de imposição de mãos em humanos é particularmente delicada, por causa de inúmeros efeitos adversos e particularidades do ambiente de investigação (necessidade de se aplicar repetidamente procedimentos que, muitas vezes, não são de fácil aceitação pelos humanos, dificuldades na análise dos dados, variações incontroláveis no ambiente etc).  

Junte a isso tudo o preconceito generalizado existente no ambiente acadêmico e temos literalmente uma das áreas de pesquisa mais difíceis que existem no campo das ciências médicas. Por isso, consideramos o trabalho do Ricardo Monezi um marco.

Primeira parte da entrevista (áudio).

Alguns trechos da entrevista
"Ambos os grupos tiveram alguns resultados positivos. Mas, a performance do Reiki foi superior, demonstrando que existe uma diferença entre o simples tocar e o tocar com a técnica".
 "Um resultado que chama muito a atenção é o resultado em relação à Espiritualidade, onde a gente viu o comportamento do grupo Reiki extremamente diverso do grupo placebo; mas me chamou bastante a atenção os resultados relativos à temperatura e a eletromiografia do músculo frontal".
 "A dificuldade principal é a dificuldade metodológica...A questão de se fazer um grupo placebo é que é uma coisa complicada....Como, por exemplo, fazer um grupo placebo para meditação? Simplesmente pedir para a pessoa esvaziar a mente, ou focar o seu pensamento em um determinado ponto? Isso é muito complicado...E na questão da imposição de mãos um grande desafio é ajustar a metodologia, o desafio é o controle das variáveis..."
"A questão de você entender que o modelo de cuidado não é unidimensional, ele é multidimensional..., você está lidando com um ser humano que tem dimensões e aspectos biológicos, psicológicos, sociais e espirituais, ele tem os seus próprios paradigmas, os seus dogmas, ele tem um vida e uma estória de vida".

Na segunda parte: recomendações de Ricardo Monezi para futuros investigadores do efeito da imposição de mãos, projetos futuros e espiritualidade na visão do entrevistado. Aguardem!

Nota

(1) Resumo: O estresse é como um desvio da homeostase, podendo contribuir para o desenvolvimento de uma série de sintomas que podem representar um prejuízo à saúde do idoso. Essa crescente parcela da população mundial tem procurado práticas integrativas e complementares como o Reiki, técnica de imposição de mãos, para o controle de doenças crônicas e melhora do bem estar. Com o objetivo de avaliar se a terapêutica Reiki poderia produzir alterações psicofisiológicas em idosos com sintomas de estresse, este estudo, que durou oito semanas, mensurou, em um grupo de voluntários que receberam Reiki e um grupo que recebeu um tratamento Placebo, respostas psicológicas como níveis de estresse, ansiedade, depressão, percepções de tensão, bem estar e qualidade de vida, além de respostas fisiológicas como temperatura periférica, tensão muscular e condutância elétrica da pele. O conjunto dos resultados obtidos sugere que a terapêutica Reiki produz alterações psicofisiológicas em idosos compatíveis com uma redução significativa de estresse. (tese de Doutorado "Efeitos Psicofisiológicos da Prática do Reiki em Idosos com Sintomas de Estresse: Estudo Placebo e Randomizado", UNIFESP, 2013 )

Ver também: