18 de dezembro de 2023

Quantos Espíritos já reencarnaram na Terra?


Será lícito calcular a população de criaturas desencarnadas em idade racional, nos círculos de trabalho, em torno da Terra, para mais de vinte bilhões, observando-se que alta percentagem ainda se encontra nos estágios primários da razão e sendo esse número passível de alterações constantes pelas correntes migratórias de espíritos em trânsito nas regiões do planeta.
A. Luiz (Anuário Espírita, ed. 1964, nº 1)

Uma das dúvidas recorrentes que podem surgir no estudo da reencarnação é de sua relação com a demografia. Conforme a resposta à Questão 166 de "O Livro dos Espíritos", por exemplo, há a declaração de que "todos nós temos muitas existências" e mais, que "os que dizem o contrário querem manter-vos na ignorância em que eles mesmos se encontram".

O problema que surge é de como acomodar a ideia de "muitas vidas" em uma população mundial que apenas muito recentemente atingiu cifras acima de um bilhão de indivíduos. Na maior parte da história da Humanidade, a população do planeta não excedeu ao montante de indivíduos das nações mais populosas do Ocidente da ordem de vários milhões. Se todos os Espíritos sempre estiveram nas cercanias do orbe terreno, o mais provável é que eles experimentaram apenas uma encarnação no planeta Terra em toda a história da humanidade. E essa vida ocorre justamente no momento presente quando a Terra atingiu a maior população desde então.

Uma solução possível é considerar que a declaração dos Espíritos é de caráter geral: não são encarnações vividas todas elas exclusivamente na Terra. Nosso planeta receberia um fluxo contínuo de novos Espíritos provindos de mundos dispersos no espaço. Sabemos que existem muitos bilhões desses mundos só em nossa galáxia, que é uma entre bilhões de galáxias... Logo isso está de acordo com a Questão 172, cuja resposta explica que as várias vidas podem ser vividas "em diferentes mundos". 

A continuação do estudo na Questão 173 retorna ao ponto anterior. Os Espíritos afirmam que se "pode viver muitas vezes no mesmo globo, se não se adiantou bastante para passar a um mundo superior". E, a resposta da questão 173(a) confirma que se pode "reaparecer muitas vezes na Terra". De qualquer forma, o assunto abre possibilidades de vários estudos em torno de demografia e reencarnação. Tivemos a oportunidade de contribuir nessa direção em um estudo anterior [1].

Quantas pessoas já viveram na Terra?

O problema parece ser uma sutileza, mas não é tão simples resolver. Em um interessante artigo recente, T. Kaneda e C. Haub [2] se propõem a calcular o número total de habitantes que já viveram na superfície da Terra. Esse número é importante pois, se ele for da ordem da população presente, estaríamos de fato em um momento singular de nossa história. 

Acontece que o exercício é um jogo de hipóteses e suposições sobre a curva de crescimento da população antiga, bem como suas condição de vida mas não de sua taxa de mortalidade. Segundo Kaneda & Haub: 

Qualquer estimativa do número total de pessoas que já viveram depende essencialmente de três fatores: o período de tempo que se pensa que os humanos estiveram na Terra, o tamanho médio da população em diferentes períodos e o número de nascimentos por 1.000 habitantes durante cada um desses períodos. A estimativa, no entanto, não depende do número de mortes em qualquer período de tempo. (grifo nosso)

Obviamente, o cálculo também depende da "semente de população inicial", bem como a data inicial assumida para o início da integração. De acordo com Kaneda & Haub:

Determinar quando a humanidade realmente surgiu não é simples. Acredita-se que os hominídeos mais antigos tenham surgido já em 7 milhões de anos a.C. As primeiras espécies do gênero Homo apareceram por volta de 2 milhões a 1,5 milhão a.C. As evidências atuais apoiam o aparecimento do Homo sapiens moderno por volta de 190.000 a.C. O Homo sapiens moderno originou-se na África, embora a localização exata seja debatida há muito tempo. Pensa-se que diversos grupos viveram em diferentes locais de África durante os primeiros dois terços da história humana.

De forma sumária, a população mundial até os últimos séculos sempre cresceu, acredita-se, a uma taxa baixíssima. Em 1. d. C ela atingiu a cifra de 300 milhões de indivíduos (pouco mais do que a população presente do Indonésia). Por volta de 1800 (d. C.) ela atinge 1 bilhão de pessoas e chega em nossa época com 8 bilhões. 

O cálculo da "população dos que já viveram" integra a taxa de natalidade observada ao longo do tempo. O número resultante é admirável, já que a população de crianças era grande, pois supõe-se que a taxa de natalidade na pré-história e antiguidade era elevada. Essa taxa era da ordem de 80 por mil habitantes (!) contra 17 por mil habitantes hoje em dia (ver https://www.macrotrends.net/countries/WLD/world/birth-rate). 

A taxa efetiva de crescimento - de onde se tira a população total "na data" - era baixa, pois a mortalidade era igualmente elevada. Morria-se muito frequentemente até o início da idade fértil, mas nascia-se a uma taxa um pouco maior, logo a população dos que atingiram essa idade fértil e conseguiam criar seus filhos era pequena. 

Dito isso, para resumir, a Fig. 1 ilustra o resultado gráfico do estudo de Kaneda.

Fig. 1 Crescimento populacional integrado no tempo até 2050 d. C. em duas versões segundo [2]: a curva azul é a população "encarnada por certo período" ("presente") na Terra (próxima a 8 bilhões de indivíduos em 2023), enquanto a de cor laranja integra os que já viveram desde então (os que nasceram).

Segundo [2] entre 190 mil a. C. e 50 mil a. C. a população dos que já tinham vivido na Terra equivalia à população presente da Terra, cerca de 7,8 bilhões de indivíduos. 

Em 1. a. C., essa população total "já vivida" atingiria o valor de 55 bilhões. 

Em 2022, a população integral dos que já viveram chegou a 117 bilhões de pessoas. 

Em 2050, Kaneda estima que chegaremos a 120 bilhões de pessoas que já viveram.

Conclusão

O que isso significa? 

Se calcularmos a razão 177 bilhões para 7,9 bilhões em 2022 (ver Tabela 1 do trabalho [2]) estimamos de forma muito grosseira o número possível de existências que qualquer pessoa presentemente encarnada na Terra já poderia ter vivido:  esse número é da ordem de 14,8 ou aproximadamente 15. 

Insistimos na simplicidade desse cálculo cuja conclusão se baseia no estudo demográfico de Kaneda & Haub. Esse é o número médio grosseiramente falando que qualquer pessoa encarnada presentemente poderia ter vivido na Terra considerando que todos os desencarnados presentes nunca aqui viveram (o que claramente não é razoável). 

Evidentemente, também não se pode tratar como lineares as distribuições de datas de reencarnações e, portanto, "tempos de erraticidade", sendo esperado que essa frequência seja maior quanto mais no presente elas ocorreram (mas isso são detalhes para um outro texto ou, quiçá trabalho mais detalhado).

Obviamente,  as condições de existência no passado não permitiam uma existência longeva. Meninas não atingiam a idade fértil e, muito menos, tinham condição de criar seus filhos até que esses atingissem essa mesma idade. O que interessa, porém, para o Espírito imortal é ter a chance, mesmo que breve, de uma existência como encarnado na Terra. 

Portanto, não parecem razoáveis algumas conclusões recentes de confrades espíritas, de que a maior parte da população presente vive sua primeira existência na Terra. Isso é concluído,  p. ex., em [3], onde o autor declara:

Este cenário portanto fortalece a tese de que vivemos num momento singular da história humana em que muitos Espíritos que não tiveram (ainda) oportunidades num largo período de tempo voltaram a reencarnar recentemente.  

Em um vídeo divertido no canal "Paranormal Cortes" [4], Laércio Fonseca afirma "categoriacamete" que "7 bilhões de Espíritos que estão nesse planeta estão na sua primeira encarnação". Ainda segundo Fonseca, eles foram trazidos para cá por "tecnologia alienígena avançadíssima" de outros mundos. 

Isso é possível, porém, há que se estudar com maior cuidado a evolução populacional para se ter uma imagem mais precisa das implicações para a dinâmica da reencarnação gerada pela demografia. 

Referências

[1] A. Xavier (2012). Uma Abordagem Estatística para Calcular o Tempo Médio entre Encarnações Sucessivas, O Espiritismo nas Ciências Contemporâneas, J. R. Sampaio e M. A. Milani Filho (editores), CCDPE-ECM.

[2] T. Kaneda e C. Haub (2022). How Many People Have Ever Lived on Earth? Link: https://www.prb.org/articles/how-many-people-have-ever-lived-on-earth/ (acesso em dezembro de 2023)

[3] A. C. Gonçalves (2019). Aspecto Demográficos da Reencarnação dos Espíritos. Jornal de Estudos Espíritas 7, 010206.

[4] Canal Paranormal Cortes. (2023) Você sabe mesmo sobre Reencarnação? . https://www.youtube.com/watch?v=bVc7KHYd51k (acesso dezembro de 2023)


2 comentários:

  1. A iniciativa do autor e respeitavel, porem, o calculo esta muito simplificado e simplesmente nao dispomos de dados para fazer esta estimativa.Nao sabemos como evoluiu a populacao total do orbe terrestre (encarnados e desencarnados) e tambem nao sabemos como evoluiu o tempo medio de vida no mundo espiritual (intervalo de tempo entre encarnacoes). O numero medio de 15 encarnacoes nao se sustenta - assumindo que o espirito sempre viveria 80 anos encarnado (o que seria absurdo, porem facamos o calculo por hipotese!) com 15 encarnacoes ele estaria encarnado por 1200 anos e desencarnado por mais de 190 mil anos! O que nao parece fazer sentido.

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    1. Isso é um problema que ocorre não só nesse caso, mas em todas as estimativas demográficas. O objetivo do texto foi chamar a atenção para o contraste que existe entre o número total estimado de reencarnações e o número presente dos contados vivos. Eu concordo que não sabemos nada sobre o intervalo de tempo entre encarnações. A estimativa de 80 anos citada não foi feita no texto acima e é uma inferência sua. O mais provável, como citado acima, é que a população espiritual da Terra tenha aumentado no ritmo da população encarnada de forma que ela não é um sistema fechado. Entretanto, essas considerações exigem um tratamento bem mais elaborado e difícil de ser seguido dada a teoria envolvida.

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