25 de março de 2011

Entrevista I-1/2 - Yvonne Limoges da Sociedade Espírita da Flórida (EU)


"Uma pessoa pode compreender os princípios do Espiritismo ou mesmo acreditar neles completamente. Entretanto, buscar ser fiel a tais princípios e os colocar em prática é coisa para uma pequena minoria. É necessário ter um certo nível moral para pertencer a essa minoria." (Y. Limoges)

Neste post, apresentamos uma entrevista que fizemos em Fevereiro de 2011 com Yvonne Limoges diretora da Sociedade Espírita da Flórida desde 1982. A Yvonne é uma companheira de ideal espírita que já conhecemos faz certo tempo (desde 1997 com o GEAE) e que realiza um trabalho de impacto junto à comunidade espírita nos Estados Unidos. Ela edita um boletim em inglês e é bastante conhecida nos meios espiritualistas americanos. De seu boletim mensagens foram publicadas em vários outros órgãos tais como: a revista da Federação Espiritualista Nacional, a Associação Nacional de Igrejas Espiritualistas, e a Aliança Nacional Espiritualista. Também participa da Academia de Espiritualidade e Estudos Paranormais onde escreve 'book reviews'. Seu boletim é bastante conhecido entre espíritas por todos os EUA que enviam a ela notícia sobre atividades de seus centros por lá. 

Recentemente (2009) ela conseguiu publicar um artigo sobre reencarnação na principal revista da NSAC (Aliança Nacional de Igrejas Espiritualistas), contrariando a tradição do movimento espiritualista que ainda não aceita esse importante postulado da Vida Maior.

Dentre as várias realizações em prol do movimento espírita realizadas pelo grupo da Yvonne está a tradução para o inglês do livro histórico 'Memórias do Padre Germano' de Miguel Vives em 2006. Esta obra foi traduzida por Edgar Crespo. Ela é membra de várias academias como o Instituto Windbridge (que estuda mediunidade), a Federação Espiritualista Nacional (com participação majoritária de espiritualistas da Grã-Bretanha, Europa, Austrália, Islândia, Suécia e Nova Zelândia, além de espíritas das Filipinas). Yvonne expôs suas idéias em um encontro dessa federação em Rochester, NY.

Nesta oportunidade, aproveitamos também para questioná-la sobre uma visita recente que fez à Espanha (para um congresso espírita em Terremolinos pela CEPA), quando teve a chance de entrar em contato com o movimento espírita daquele país onde ela também tem raízes familiares. Uma outra entevista com a Yvonne pode ser lida (em inglês) no site da ASPSI. A entrevista que segue será apresentada em 2 partes.

EE 1 - Que lembranças você tem sobre práticas espíritas na sua família?

YL - Desde pequena, lembro-me de ir ao centro espírita de meu pai em Nova Iorque várias vezes. Fazíamos isso quando íamos para a cidade de Nova Iorque nas férias de verão porque, então, já morávamos na Flórida. Embora tenha nascido na cidade de Nova Iorque, mudei-me para St. Petersburg quando tinha 6 anos de idade. Não havia centros espíritas lá. A maioria dos centros é em Miami que fica 6 horas de distância. 

Meu pai e seus parentes iam a este centro (estabelecido em 1933 e que durou até 1980) em Nova Iorque. Minha avó era médium. Meu pai participou de aulas sobre mediunidade quando mais velho e ainda vivia em Nova Iorque. Então ele já era casado e isso foi 5 anos antes de eu nascer. 

Na Flórida, meu pai nos ensinou muito sobre o amor a Deus, sobre os Espíritos, sobre ser uma boa pessoa e, à medida que crescíamos e compreendíamos mais, sobre a Doutrina Espírita. 

Pertenço a uma família na 4ª geração de americanos com origem na Espanha, Itália e França e já 5ª geração  espírita do lado paterno. Minha mãe veio das Ilhas Canárias para os Estados Unidos via Cuba. Do lado paterno vieram de Porto Rico onde os homens eram proprietários de terra e trabalhavam junto a prefeituras e as mulheres professoras. 

Meus pais falavam inglês em casa quando éramos criança e, as vezes, espanhol com seus parentes. Meu irmão e irmã só conhecem inglês. Entretanto, tive aulas de espanhol por 5 anos e também francês por 1 ano na escola. Os livros de Kardec que meu pai usava eram todos em espanhol na época, exceto pelo ‘Livro dos Espíritos’ de Anna Blackwell. Li e estudei todos eles (em espanhol e inglês). Eu e meu pai eram os que mais conversavam sobre a doutrina em casa. Ele desencarnou em maio de 2008. 

Na Flórida, porquanto não existisse nenhum centro espírita perto, mantínhamos reuniões domésticas regulares quando meu pai recebia comunicações em transe mediúnico. Ele via Espíritos e tinha visões. Dava passes sob assistência de uma entidade chamada ‘Lula’, que também já se manifestara no centro que minha família participava quando eu era criança. Meu pai mantinha contato com a diretoria do centro de Nova Iorque. 

Com o tempo, frequentei vários centros em Miami, na Flórida, com meus pais, mesmo de sessões mediúnicas. Entretanto, íamos lá mais para comprar livros espíritas que eram bastante raros onde morávamos. Mantínhamos uma pequena biblioteca desses livros. 

Naturalmente, com os anos, participei de vários centros espíritas (além de grupos espiritualistas, de parapsicologia e estudos paranormais), conferências e congressos onde tive a oportunidade de proferir palestras.

EE 2 - Como foi o seu primeiro contato com as realidades imortais (como médium)? 

YL - Lembro-me que sempre senti a presença de Espíritos desde a idade de 4 anos (mas não tinha noção do que se tratava então). Eu os sentia e ouvia barulhos, tal como passos e vozes de Espíritos. Era bem intuitiva e sabia das coisas antes que elas ocorressem. Tinha sonhos ‘proféticos’ e experiências fora do corpo. 

Mais tarde, comecei a receber o que chamei de ‘composições inspiradas’, logo no início da minha adolescência, o que continuou mais tarde até comunicações espíritas completas. As palavras eram ditadas a mim à medida que escrevia. Depois houve uma mudança na maneira que recebia os escritos. Recebia um impulso, começava a escrever e as palavras estavam lá. Nunca sei o que estou escrevendo quando psicografo, o que vem a ocorrer apenas após finalizar a mensagem. 

No começo da fase de maior produção mediúnica, meu pai me disse que eu tinha um Espírito protetor chamado ‘El Anciano’. Seus escritos eram de conteúdo mais moral e espiritual. Ele se parecia com um ‘ancião’, com uma barba. Soube que também tinha um grupo de outros Espíritos que me ajudavam nas composições. Quando El Anciano se comunica, é sempre sobre questões de natureza séria. Sei que ele assiste ao meu trabalho e sou muito grata a ele. Procuro me esforçar para merecer sua assistência contínua. 

Além disso, escrevi dois livrinhos em tempos distintos pelo que chamo de ‘escrita semi-automática’. Para tanto, disseram-me que deveria usar uma caneta (sempre digito minhas mensagens) e, durante esses dois episódios, meu braço direito foi puxado e senti como se ele tivesse sido colocado no fogo, mas sem queimar. Senti fluidos fortes de magnetização. Escrevi então muito rapidamente, sem saber o que estava escrevendo e terminei os dois livros em uma única sessão. São eles: ‘A jornada espiritual da alma’ e ‘Princípios Espíritas para Crianças’ e podem ser acessados no site de nossa sociedade. 

Finalmente, minha faculdade se desenvolveu até o transe mediúnico completo e trabalho como médium na prática espírita já há 35 anos. Administro aulas de iniciação mediúnica no nosso centro.

EE 3 – Quais foram suas impressões sobre o movimento espírita na Espanha? 

YL - Embora tenha participado de apenas uma conferência na Espanha, recebo freqüentemente muita literatura de vários grupos e centros daquele país (assim como do Brasil) já há muitos anos. Acredito que o Espiritismo na Espanha esteja se desenvolvendo e crescendo bastante. 

Há duas orientações de pensamento (como sempre encontro em muitos países onde existem muitos espíritas, incluindo nos Estados Unidos). Alguns grupos são mais religiosos ou orientados de forma cristã, enfatizando aspectos evangélicos da Doutrina Espírita. Outros grupos (embora aceitando absolutamente a existência de Deus) enfatizam aspectos mais ‘científicos’ do Espiritismo e, suas práticas são na direção de educar os outros moralmente e nos princípios da doutrina de um ponto de vista mais universal. 

Fico bastante desapontada em ver que não existe incentivos à tradução livros espíritas em espanhol para o inglês. Para a Espanha e muitos países Latino-americanos isso não parece ser prioritário, mas muitos espíritas nesses países não conhecem o inglês, pelo que não poderiam ajudar mesmo. Espíritas de Porto Rico provavelmente poderiam ajudar, pois são bilíngues, mas não manifestaram interesse ainda. 

Felizmente, os brasileiros tem se esforçado ativamente na tradução de livros espíritas para o inglês.

Capa do Livro 'Memórias do Padre Germano' de A. D. Soler
 recentemente traduzido para o inglês por Edgar Crespo.

Fico contente ao menos em saber que conseguimos disponibilizar, para pessoas que conhecem o inglês, traduções feitas por meu pai de dois clássicos da literatura espanhola: ‘Memórias de Padre Germano’ (Memoirs of Father German) de Amália Domingo Soler e ‘Guia Prático para o Espírita’ (A Practical Guide for the Spiritist: handbook on personal conduct) de Miguel Vives. 

EE 4 - Como você encara a recente onda de interesse crescente por ideias e princípios espiritualistas em filmes tal como ‘Hereafter’ de C. Eastwood e outras séries televisivas? 

YL - Desde pequena (meados da década de 1950), lembro-me de shows televisivos sobre ‘fantasmas’ como eram chamados na época. Uma dessas séries chamava-se ‘Topper’ e era sobre um milionário que podia ‘ver e se comunicar’ com um casal rico que havia morrido em um acidente de carro. Esse programa foi muito popular. 

Outras shows e filmes vieram com as mesmas ideias. Religiões orientais tornaram-se então populares na década de 1960 e 1970. Mais tarde, livros sobre experiências fora do corpo e ‘canalizações’ – como eram chamadas - tornaram-se populares. A partir de 1980 e em diante aconteceu o que considero a grande virada com o filme ‘Ghost’ (que ilustrava basicamente a interação entre o mundo espiritual com o mundo material na função básica da mediunidade). 

Foram os meios de comunicação, por meio da televisão, livros, e mesmo vídeo games, que tem influenciado o público Norte Americano na direção do conhecimento básico dos fenômenos espíritas, aproximando-os, a cada ano que passa, dos princípios da Doutrina Espírita. Tais meios tem divulgado ideias como: a existência da alma no mundo espiritual, a realidade e a diferença entre mediunidade e habilidades ‘psíquicas’, a idéia de que a maneira como vivemos nossa vida material determinará nossa condição no futuro, a realidade da influência dos Espíritos em nós no mundo material, a idéia da obsessão espiritual e como se deve tratar o problema e, agora ainda mais, a crença na reencarnação. 

Uma pesquisa em 2009 conduzida pelo Centro de Pesquisas Pew determinou que 24% do público geral e 22% dos cristãos acreditam em reencarnação nos Estados Unidos. Tal pesquisa foi bastante divulgada pela mídia nacional, o que acho muito relevante pois mostra a muitos reencarnacionistas que eles não estão sozinhos. 

Deixe-me ser clara aqui, estou falando mais sobre aceitação do público em geral de princípios naturais e autênticos da Doutrina Espírita no que diz respeito ao básico dos fenômenos. Aspectos filosóficos ou mais específicos da Doutrina Espírita (como o de que devemos ser uma boa pessoa ou sofrer alguma consequência adversa seja aqui ou no mundo espiritual) são aceitos conforme são compreendidos pelo público.

EE 5 – Na sua opinião, quais são os maiores obstáculos para as crenças espíritas nos Estados Unidos? 

YL - Para a maioria dos americanos, é fácil dizer que são membros de alguma religião tradicional e, se questionados, podem ao mesmo tempo dizer que acreditam em algo que o Espiritismo ensine, mas somente o básico. 

Um parcela grande da população está envelhecendo, os chamados ‘Baby boomers’. Desesperadamente eles estão agora a procura de maneiras de prolongarem suas vidas, de 'rejuvenescerem' e querem também saber o que vai ser deles depois da morte do corpo. Estão em busca de um objetivo ou sentido à vida. 

Os tempos estão difíceis hoje nos Estados Unidos, com muito desemprego e gastos excessivos. Tais dificuldades obrigam as pessoas a buscar algo que as console. Sentem uma necessidade, o que chamaria de necessidade de alimento para a alma. 

Tal situação torna mais fácil falar a tais pessoas sobre o Espiritismo. 

Não obstante isso, é necessário ter maturidade espiritual para aceitar a contraparte moral e filosófica da Doutrina Espírita. Pode ser muito difícil compreender e aceitar essa parte. Aprendi nos últimos 35 anos que a maioria mais nova, que frequenta centros espíritas e aprende quão importante é a responsabilidade pessoal, acaba se assustando com esses aspectos. Eles ou não podem ou não querem aceitar essa parte, por não desejarem mudar seu comportamento pessoal. 

Uma pessoa pode compreender os princípios do Espiritismo ou mesmo acreditar neles completamente. Entretanto, buscar ser fiel a tais princípios e os colocar em prática é coisa para uma pequena minoria. É necessário ter um certo nível moral para pertencer a essa minoria.

No próximo e último post da entrevista: Yvonne Limoges fala sobre o Movimento Espiritualista Americano, a crescente aceitação da reencarnação e de como seus líderes estão lidando com isso. Ela também dá uma mensagem especial aos espíritas brasileiros.










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