9 de novembro de 2011

Crenças Céticas XVII - Teoria das evidências fotográficas e de outros tipos.


Não há dúvida que vivemos numa época de grandes inovações tecnológicas. A começar pelo uso de recursos de imagem e som e de manipulações de elementos desse tipo, o que é hoje parte da grande indústria cinematográfica. Mas, poderiam imagens serem usadas como evidência da realidade de fenômenos insólitos?

Nossa principal tese neste texto é demonstrar que a alegação cética que rejeita a proposição de fotos ou imagens para demonstrar a existência de fenômenos paranormais (transporte de objetos, telecinese, materializações etc) também pode ser usada com objetivo oposto: a de negar a validade da argumentação cética que consideram tais fenômenos como fraude. Nesse assunto, a solução não é tão simples como proponentes ou críticos frequentemente imaginam. A base ou fundamento de nossa tese é uma concepção apropriada de imagens, filmes e sons  no contexto em que são muitas vezes apresentados. 

Veja que não estamos a propor que não existem fraudes. Mas, diante da complexidade que a Natureza exibe, com uma diversidade de fenômenos e interações, será que o 'método cético' é realmente eficiente? Será que ele realmente leva a conhecer a verdade? Será que devemos apenas acreditar naquilo que nossos sentidos aprovam? Reiteramos que não é razoável insistir em teorias de fraude com certas evidências para desqualificar fenômenos considerados insólitos, que requerem condições especiais de ocorrência. Justamente por ser muito fácil 'fraudar' uma evidência, esse tipo de prova não pode ser usada para se negar um determinado fenômeno, embora seja possível usá-las para se afirmar dentro de determinadas circunstâncias. 

Do ponto de vista lógico, assim, muitos céticos não percebem que as condições que pregam para 'validar' o que considerariam contra-evidências, extrapola certos aspectos lógicos não explícitos em cada caso, tornando-se uma tentativa condenada desde o princípio. 

Prova fotográfica

Para começar, analisemos o que é uma 'prova' fotográfica. Uma vez que recursos técnicos podem ser usados para múltiplas imagens, as mesmas considerações que fazemos aqui para fotos também valem para filmes. A fig.1 abaixo mostra uma imagem razoavelmente compreensível de um evento singular.

Trata-se da imagem de um avião 'tentando' decolar mas demonstrando certa dificuldade, talvez na iminência de um desastre total. Se nos perguntarmos sobre a 'validade' dessa imagem, uma pesquisa feita com a maioria das pessoas não demonstraria nenhuma dificuldade em aceitar que se trata, realmente, de um avião tentando decolar com dificuldade, com parte de sua asa quebrada etc. Em suma, um flagrante de um acidente.
Fig. 1 Um avião na iminência de um desastre?
Entretanto, essa imagem é uma fotomontagem (isto é, uma fraude). Ela é o produto de alterações feitas por um programa de computador que é capaz de manusear parcelas da imagem e integrá-las de forma a constituir um todo final convincente.  

Uma imagem está assim longe de ser uma evidência autosuficiente. Há algo mais, externo à foto que deve existir para que seja considerada verdadeira. O que é isso? Uma pista para conhecer esse algo mais é se questionar sobre onde esse algo fica. A resposta simples é que ele fica na cabeça de quem vê a imagem. Por causa disso, uma imagem ou reprodução fotográfica de um objeto externo não existe por si mesma:
I) Uma imagem ou filme é, em essência, uma representação de um objeto que só existe na mente de quem o contempla.
É importante que esse 'algo' realmente 'exista', onde por 'existir' entendemos a noção interna de quem observa, que obrigatoriamente teve uma experiência sensorial com o objeto representado. Podemos clamar sobre a existência de outros tipos de entidades não sensoriais, que existem sem nenhuma relação com nossos sentidos. Mas, então, o que seria uma imagem ou foto de uma entidade desse tipo? Quanto mais próximo a representação dessa 'coisa' estiver da experiência sensorial, tanto mais realística será a impressão causada, tanto maior será a 'força' expressiva da representação, tanto maior será a crença na validade da representação. 

Alguns fatos validam essa noção:
  • Uma vez que as crianças - principalmente com menos de 5 anos de idade - ainda não tem experiência sensorial plenamente formada, elas tendem a ver o mundo de forma diferente dos adultos. A 'representação da realidade' para as crianças não precisa ter os mesmos detalhes de um adulto. Desenhos simples ou bonecos já são suficientes para se manipular conceitos e idéias na mente infantil;
  • A busca pelo realismo incentiva o desenvolvimento de novas tecnologias, como a do cinema ou televisão 3D;
  • Ilusões de óptica: a existência de imagens dúbias e mutantes sugere que o que se vê está mais dentro da mente do que fora;
Exemplo de Ilusões de óptica: o que se vê depende do que estamos acostumados a ver. Esta imagem não é um 'gif' animado.
Onde está a verdade então sobre a foto que analisamos? Sendo a representação de um objeto externo, não temos dificuldades em identificar do que se trata. Ainda que não tenhamos contemplados fisicamente decolagem de aviões, já os temos visto muitas vezes em outras ocasiões, seja na tv ou e filmes de cinema ou internet que também são representações assertivamente válidas no contexto em que são apresentadas.

Surge assim o segundo elemento importante em nossa análise:
II) O contexto de uma imagem ou filme é o segundo elemento que determina a escolha que o observador faz internamente sobre a validade da representação (imagem ou vídeo).
Em outras palavras, não é razoável que duvidemos de toda e qualquer foto ou filme de desastre de avião só porque mostramos um exemplo forjado. Nosso princípio I não é suficiente para garantir a validade da representação apresentada como imagem. Desastres de avião são eventos raros e mais rara ainda é a chance de se registrar um evento desse tipo. O fato de ser fácil forjar imagens de desastres de avião utilizando tecnologia de ponta não significa que tais desastres não ocorram ou que seja impossível registrá-los. 

Esse é um exemplo clássico que demonstrar a dificuldade de se utilizar evidências de foto ou filme em determinados casos. Imagine que, se para 'demonstrar' que desastres de aviões existem, tivéssemos que reproduzir essa ocorrência em seus mínimos detalhes para convencer os céticos desses desastres.

Aplicação para fenômenos insólitos

Fig. 2  'Raio verde'. Fenômeno raro que pode
ocorrer durante o ocaso ou nascer do sol. 
No que segue, por 'fenômenos supostamente insólitos' não nos referimos apenas aos fatos registrados na fenomenologia psíquica. Um fenômeno supostamente insólito parece ter as seguintes características:
  1. Uma ocorrência imprevisível (condições de ocorrência desconhecidas);
  2. Uma ocorrência rara (a frequência com que ela ocorre é muito pequena);
  3. De difícil registro fotográfico ou filmagem (no sentido de não serem frequentes as oportunidades de registrá-lo, ou porque ele ocorre sob condições em que não é possível usar com facilidade métodos de registro fotográfico ordinário);
  4. Diz respeito a um objeto ou coisa para o qual não existe uma 'representação local e privada' para a maioria dos observadores;
  5. Não existe um contexto estabelecido que apoie a aceitação de sua ocorrência.
Fig. 3 Raríssimas nuvens do tipo 'mamatus' .
O objetivo de toda evidência parece ser a característica 5, ou seja, reunir 'provas' que ajudem a criar o contexto de aceitação. Uma 'prova fotográfica' é, assim, uma peça ou material que pretende formar uma opinião, um contexto, a respeito de um determinado fato. A tarefa é simples com eventos ordinários. Por exemplo, no caso do uso de uma filmagem como testemunho de um crime: aqui é fácil ver que não obstante se cumpram quase todos os quesitos, um crime de difícil solução não tem a característica 4, ele não se refere a objetos ou coisas para as quais a imensa maioria não dispõe de uma 'representação local e privada'. Um crime é uma ocorrência suficientemente ordinária para que essa característica não se aplique.   

O que distingue um fenômeno supostamente insólito de outras ocorrências raras mas ordinárias é sua causa considerada insólita. A característica 4 implica que não existe um objeto conhecido que possa ser usado como referência. Por causa disso, para os céticos sobre determinados fenômenos, o mais próximo que se chega para cumprir a exigência 4 é imaginar que uma fraude está envolvida. Uma fraude é uma ocorrência ordinária, facilmente concebível que torna nulo o requisito 4 e que, portanto, desqualificá-lo o fenômeno no discurso do cético dogmático.

Entretanto, há uma imensa classe de fenômenos naturais que se enquadram nesse tipo de fenômeno. Com são eles justificados? A partir de teorias ou modelos científicos que permitem prever sua ocorrência. A Fig. 2, por exemplo, traz um registro fotográfico do 'raio verde' ou 'flash verde' provocado pela refração excessiva, assim como absorção de comprimentos de onda longos de raios solares durante o nascer ou ocaso do sol. Trata-se de um fenômeno raro que dura somente alguns instantes. Para alguém que desconheça totalmente o fenômeno, esta imagem pode ser resultado de alguma edição digital, já que é fácil preencher digitalmente com cores variadas determinadas porções de uma imagem. Já a Fig. 3 trás uma foto das núvens tipo 'mamatus'. Para quem nunca contemplou o fenômeno, pode se tratar de uma montagem fotográfica feita com superposição de um fundo de algum líquido ou fumaça sobre uma imagem ordinária de uma paisagem. Mas, a existência dessas nuvens é validada pela fluidodinâmica aplicada a condições meteorológicas especiais (anda que o mecanismo exato de sua formação  seja presentemente desconhecido). 

Nesses casos extraídos das ciências naturais, as imagens apenas fornecem registros de ocorrência de fenômenos que são concebíveis. Portanto, as imagens não constituem 'prova' no sentido de validarem o contexto. Em outras palavras, a ordem com que se apresentam as circunstâncias está invertida: com tais fenômenos, o contexto (a teoria) vem primeiro, as evidências são colhidas depois. 

Conclusões

O que podemos dizer então da negativa sistemática das evidências tão comumente encontrada no ceticismo dogmático? Na análise de toda crítica cética - principalmente se ela se faz em tom agressivo ou debochado - o mais importante é considerar os aspectos não aparentes da crítica, quais suas reais intenções e objetivos. Esse é o contexto ou 'pano de fundo' que irá determinar como uma evidência proposta será considerada. Não importa o quão 'séria' e 'científica' ela pretenda se apresentar, na imensa maioria das vezes isso se dará de forma negativa por razão muito simples.

Por definição, para o ceticismo dogmático qualquer 'prova' será sempre suspeita até que se cumpram determinados requisitos, todos eles frequentemente considerados 'imprescindíveis', mas que fazem parte de uma estratégia maior de desqualificação de fenômenos. Quase sempre o cumprimento de determinadas exigências será virtualmente impossível, o que, para os céticos dogmáticos, facilita a tarefa de desqualificação dos fenômenos. É importante considerar a intenção: para esse tipo de ceticismo, por definição, determinados fenômenos não existem. É preciso entender que o cético dogmático é alguém que acredita que a Natureza não tem segredos para ele. Considera que não há mais nada 'debaixo do sol', o que serve para justificar sua crença. Logo todas as evidências que se apresentem são forjadas. Partindo-se desse princípio, explicações são formuladas para ou invalidar a ocorrência ou a evidência fornecida, o que é muito mais fácil.

Em síntese: se uma imagem é o que está na cabeça de cada um, qualquer 'evidência' fotográfica que se apresente será sempre uma fraude na cabeça do cético, por princípio, porque ele entende que nada pode existir que ele já não conheça.

Os fenômenos psíquicos, por outro lado, não pertencem à classe das ocorrências ordinárias. Portanto, tais como fenômenos físicos de natureza material (raros e contextualizados por uma teoria), eles não podem ser facilmente negados pela invalidação de evidências fotográficas que se apresentem. O que torna os fenômenos psíquicos tão especiais são as condições de ocorrência que são, na sua imensa maioria, desconhecidas e totalmente não aparentes.

A possibilidade de existência de fraude está sempre garantida para todos os fenômenos, inclusive os de natureza material. Como haveremos então de nos posicionar quanto à realidade dos fatos? Se isso não é uma questão de resposta simples, mesmo com os fenômenos naturais que são objeto de pesquisa científica de causas materiais reconhecidas, podemos fazer ideia do grau de dificuldade que encontramos com os fenômenos supostamente 'insólitos' ou 'sobrenaturais'. Eles exigem a aceitação tácita de teorias bem fundamentadas, sem as quais é impossível avançar na compreensão desses fatos.

2 comentários:

  1. Esse tema da fotografia é ótimo. Alguns escritores realistas do século XIX tinham essa mesma ilusão de que você fala. Parabéns pelo post. Ele me fez lembrar do mito da caverna contado por Platão. No caso, os céticos dogmáticos seriam os acorrentados em suas limitadas referências de realidade. Quando puder, comente sobre a alegação dos céticos que identificam o ectoplasma de fotos de materializações como tecidos comuns, panos, afinal, se parecem com tecidos brancos, desses com que nos vestimos.

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  2. Ola Alexandre
    Obrigado por seu comentário.

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