20 de maio de 2011

Fim da Religião ou do irracionalismo religioso?

Se a religião, apropriada em começo aos conhecimentos limitados do homem, tivesse acompanhado sempre o movimento progressivo do espírito humano, não haveria incrédulos, porque está na própria natureza do homem a necessidade de crer, e ele crerá desde que se lhe dê o pábulo espiritual de harmonia com as suas necessidades intelectuais.  A. Kardec (4) ('O Céu e o Inferno', Parte I, Capítulo, 1: 'O Porvir e o Nada', parágrafo 13).

Recentemente uma reportagem publicada na 'Folha de S. Paulo' (Maio de 2011) (1) trouxe afirmação de líderes da Igreja Católica de que a ascensão social reduzirá a quantidade de pessoas nas fileiras do protestantismo ou outras denominações religiosas que surgiram como religiões reformadas. Deixando a polêmica de lado, o mais correto seria dizer que a ascensão social, que resulta em maior acesso ao conhecimento, não só reduz o número  de adeptos das igrejas reformadas, mas de todas as religiões que fundamentam sua teologia ou crença em tradições difíceis de serem defendidas, diante da nova imagem do mundo revelada pelo conhecimento científico. Tal observação tem consequências particulares. Para o Ocidente (onde se encontram a maior quantidade de pessoas consideradas cristãs - lê-se - que fundamentam sua crença em interpretações tradicionais da Bíblia) haveria um aumento no número de não cristãos. Essa previsão, em verdade, foi plenamente confirmada por pesquisas de opinião.
Fig. 1. Gráfico do percentual de pessoas na população que se dizem cristãs (azul), agnósticas (verde) e não cristãs (laranja) em uma pesquisa britânica. Há uma clara tendência para o 'desaparecimento' das religiões cristãs. 
Avaliações recentes feitas em pesquisas de atitudes sociais britânicas  (2) demonstraram que, na Inglaterra, o número dos que se dizem 'cristãos' está se reduzindo a uma taxa bastante grande, que se pode considerar 'alarmante' para os líderes das religiões tradicionais (Fig. 1). A época que vivemos é, assim, uma época muito especial, pois parece representar o fim de uma era. Não acreditamos que seja o fim das religiões, mas certamente o fim do dogmatismo religioso, da intransigência e do irracionalismo implicado por determinadas crenças. Para que tenha alguma utilidade, as religiões tradicionais deverão aprender a conviver juntas, de certa forma relativizando as implicações de seus dogmas que, de outra forma, já demonstraram levar a sua recíproca destruição.
A pesquisa britânica demonstra uma tendência em países mais 'desenvolvidos' ou em lugares onde as pessoas tem acesso à educação de qualidade - principalmente científica para o desaparecimento das religiões cristãs. Se nada for feito (e não parece que o será), a curva cinza da Fig. 1 encontrará a origem em duas vezes o intervalo amostrado da pesquisa, que é de 26 anos. Ou seja, em meio século, grupos cristãos serão minoria semelhante aos 'não cristãos' em países mais desenvolvidos.
Fig. 2 Mapa da Europa na pesquisa da Eurobarômetro (2005), Ref. 3, do percentual de pessoas que responderam 'sim'  à questão: 'você acredita em Deus?'
Isso claramente ocorre por conta do efeito 'anti-religão' provocado pelo ensino (Fig. 2). Ao se educar as crianças a compreender que a imagem moderna do Universo não corresponde àquela ensinada pelas antigas crenças, deixa-se de justificar outras crenças como o juízo final, céu, inferno, julgamentos terminais ou a existência de Deus feito à imagem e semelhança dos homens. Isso certamente está na origem para o declínio das religiões tradicionais. Basta que analisemos também, o que recente pesquisa demonstrou na Suécia, reconhecidamente o país o terceiro mais ateu país da Europa. Segundo a Wikipedia: Demographics of Atheism:
'Vários estudos mostraram que a Suécia é um dos países mais ateus do mundo. 23% dos cidadãos Suecos responderam que 'acreditam em um Deus', enquanto que 53% responderam que 'acreditam que existe algum tipo de espírito ou força vital'. Os outros 23% restantes não acreditam nem em Deus ou na existência de um tipo de espírito ou força superior.
Portanto, a conclusão da autoridade católica que analisamos no começo deste texto e que afirmou ser a ascensão social motor para a redução de protestantes, também vale para outros tipos de crenças, inclusive a católica. E, não é o enriquecimento que causa o esmorecimento da fé nas antigas crenças, mas o acesso à educação (de qualidade). Não obstante o enfraquecimento da crença na existência de Deus (conforme a imagem ensinada pelas religiões tradicionais), a maior parte da população ainda crê na existência de algo superior. A pesquisa 'Eurobarômetro' (3) de 2005 resultou no gráfico da Fig. 3. 

Fig. 3 Percentual da população que responderam 'sim' à questão: 'você acredita na existência de um Espírito ou força superior?'  Fonte: Pesquisa Eurobarômetro 2005, Ref. 3.
A Fig. 3 traz o percentual dos que responderam positivamente à questão sobre a crença em um Espírito ou força superior. Curiosamente, os países onde mais se acredita em Deus (Fig. 2), tem o menor percentual de crença no Espírito ou 'força superior'. Tais resultados demonstram positivamente a influência de fatores culturais (através da educação) sobre a crença e demonstram que, por trás dessa 'geografia do ateísmo' o que se vê é o desaparecimento de antigos modelos de crença religiosa. Conforme o parágrafo de Kardec que citamos na introdução deste artigo, a educação científica não fará desaparecer a religião - entendida como movimento que nasce a partir da necessidade de se crer inata no ser humano - como pretenderiam alguns ateus mais duros. O que se está a observar é uma ampla validação do que foi previsto por Kardec  em várias de suas obras (4):
A crença na eternidade das penas perde terreno dia a dia, de modo que, sem ser profeta, pode prever-se-lhe o fim próximo. ('O Céu e o Inferno', Cap. 6, parágrafo 1); 
É isso que se dá hoje com a Humanidade, saindo da infância e abandonando, por assim dizer, os cueiros. O homem não é mais passivo instrumento vergado à força material, nem o ente crédulo de outrora que tudo aceitava de olhos fechados. ('O Céu e o Inferno, Cap.6, parágrafo 22); 
Por muito tempo essa fórmulas lhes satisfizeram a razão; porém, mais tarde, porque se fizesse a luz em seu espírito, sentindo o vácuo dessas fórmulas, uma vez que a religião não o preenchia, abandonaram-na e tornaram-se filósofos.('O Céu e o Inferno, Cap.1, parágrafo 12)
Nenhuma crença religiosa, por lhes ser contrária, pode infirmar os fatos que a Ciência comprova de modo peremptório. Não pode a religião deixar de ganhar em autoridade acompanhando o progresso dos conhecimentos científicos, como não pode deixar de perder, se se conservar retardatária, ou a protestar contra esses mesmos conhecimentos em nome de seus dogmas, visto que nenhum dogma poderá prevalecer contra as leis da Natureza, ou anulá-las. Um dogma que se funde na negação de uma Lei da Natureza não pode exprimir a verdade. ('Obras Póstumas', Manifestação dos Espíritos, parágrafo 7). 
Assim, longe de estarmos vivendo o 'final dos tempos', amanhece um novo dia para a Humanidade.

Referências

(1) http://www1.folha.uol.com.br/poder/915670-ascensao-social-reduz-evangelicos-diz-lider-da-cnbb.shtml
(2) http://en.wikipedia.org/wiki/Demographics_of_atheism
(3) http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_225_report_en.pdf
(4) A. Kardec: 'O Céu e o Inferno', 23a. Ed. FEB,  'Obras Póstumas', 15a Ed. FEB.

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