19 de fevereiro de 2011

Anomalias nos sinais elétricos do Cérebro com a morte do corpo

"...O Espírito é, se quiserdes, uma chama, um clarão, ou uma centelha elétrica." (Resposta a questão 88 de 'O Livro dos Espíritos', A. Kardec)

Para monitorar a atividade do cérebro é bastante conhecida e empregada a técnica da eletroencefalografia (EEG). Potenciais elétricos variáveis que surgem no crânio como resultado da intensa atividade neuronal podem ser investigados de uma forma limitada e mostram amplitude decrescente, que se correlaciona com a diminuição da atividade cerebral conforme o metabolismo do cérebro é atuado por diversos fatores tais como: efeitos de drogas, lesões ou 'isquemia' (do grego ισχαιμία, isch- restrição, aima , sangue).

Mais recentemente, algoritmos sofisticados de análise 'multivariável' de EEGs tornaram possível desenvolver equipamentos e escalas de consciência ('awareness') visando determinar, em tempo real, o grau de sedação em que se encontram pacientes em tratamento intensivo (as chamadas 'UTIs'). Isso é importante para se garantir 'inconsciência' durante intervenções cirúrgicas e em outros processos de tratamento. Duas escalas foram criadas, uma chamada 'índice biespectral' (chamado BIS) que é saída do monitor de índice biespectral e outra dos monitores SEDLine da empresa Masimo. O índice Sedline, por exemplo, considera o grau de sensibilidade à sedação que vai de 0 a 100. Acima de 80, o indivíduo é considerado plenamente consciente. Níveis seguros de sedação ocorrem entre 40 e 60. Abaixo de 40 a sedação é severa. Com a morte chamada 'cerebral', o índice biespectral vai a zero. 

Em um artigo recente e muito interessante ("Picos de atividade eletroencefalográfica na hora da morte: estudo de casos", Chawla, 2009), foram descobertos padrões anômalos no comportamento elétrico do cérebro no momento da morte do corpo.

No artigo que analisamos, o Dr. Chawla e sua equipe (Departamento de Anestesiologia e Medicina  de Tratamentos Críticos do Centro Médico da Universidade George Washington, EUA) monitorou um grupo de 7 pacientes em estado terminal em que tratamentos de apoio à vida foram progressivamente retirados. Com isso, eles entram em um novo 'protocolo' visando dar conforto ao processo que segue, que é a parada cardíaca seguida da morte do corpo. Durante esse processo, o comportamento elétrico do cérebro foi analisado usando as escalas que discutimos acima, o que resultou na descoberta de uma anomalia no comportamento da escala. A figura abaixo é um gráfico do índice Sedline para um paciente (chamado #01) durante o processo de parada cardíaca (monitorada conjuntamente com um ECG - eletrocardiograma).

Curva de nível BIS  no instante da morte, paciente #01 (segundo Chawla, 2009).
A parada cardíaca ocorre pouco depois das 6:35. Antes, a escala demonstra um nível normal de consciência, por volta de 80. Com a parada, oxigênio deixa de ser enviado ao cérebro (assim como a todo o corpo). O nível de 'consciência' representado na escala BIS começa, então, a cair. O nível da escala chega a zero pouco antes das 6:50 (cerca de 15 minutos após a parada), quando então algo acontece: um pico surge que dura vários minutos, o que sugere - por causa da maneira com que a escala é interpretada - que um 'clarão de consciência' final ocorre. Esse pico de 'awareness' foi observado em todos os pacientes e pode durar alguns minutos com uma média entre 30 e 180 segundos. A posição do pico também ocorre entre 15 a 25 minutos após a parada. De acordo com o artigo citado:

Pudemos observar vários desses picos de BIS (mais de 20) em outros pacientes que estavam na fase anterior à morte, e a temporização desses picos foi consistente, embora nem todos os pacientes demonstrassem a atividade. Apenas reportamos aqui pacientes para os quais fomos capazes de registrar o aparecimento do pico no monitor. Em nossa revisão bibliográfica, encontramos um reporte de pico de BIS em um cenário clínico semelhante (Grambrell, 2005). O formato e temporização deste pico reportado é consistente com a dos 7 pacientes examinados neste artigo.

Os picos podem ser considerados anomalias, pois não se prevê aumento da consciência tanto tempo decorrido após a parada cardíaca. Os tecidos neurais ingressam em estágio de 'isquemia' e a depleção de oxigênio impede qualquer atividade. De acordo com a explicação mais aceita sobre a base e fundamentação da consciência, não pode haver consciência na massa celular que não dispõe sequer de energia para alimentar a si mesma.

Curva de nível BIS  no instante da morte, paciente #02 (segundo Chawla, 2009).
Neste caso, o pico final durou mais de 5 minutos.
A análise dos gráficos de evolução temporal da escala BIS com a morte do corpo exibe claramente a existência de dois fenômenos concorrentes: uma curva assintótica (entremeada por picos menores), mostrando um regime associado ao novo processo bioquímico em andamento com a isquemia (depleção de energia) e uma explosão de atividade que antecede a 'morte definitiva' (depois desse pico, não há mais nenhuma atividade e o paciente é declarado clinicamente morto).

Duas explicações especulativas são fornecidas pelos autores: a primeira associada a algum efeito de 'interferência' gerado no algoritmo (o que é descartado) e a disruptura de potencial elétrico por grandes conjuntos de neurônios, o que causa uma cascata de atividade elétrica. Entretanto, essa atividade está associada a 'ondas de alta frequência' (as chamadas 'ondas gama') que também já se mostrou estarem ligadas a certas práticas meditativas. Os autores associam diretamente os picos anômalos de consciência como uma possível 'explicação' (obviamente empírica, ou seja, um fenômeno é considerado causa de outro) para as ocorrências ou experiências de quase-morte (near-death experiences, NDE):

Oferecemos esta como uma explicação potencial para a clareza com que muitos pacientes reportam 'experiências fora do corpo' quando ressuscitados com sucesso de um evento de quase-morte.

A parte do fato de que é difícil explicar como é possível que o indivíduo retorne ileso em suas funções cognitivas depois de experimentarem falta severa de oxigênio, essa explicação desconsidera totalmente outros detalhes das experiências, que é o das lembranças verificáveis de eventos externos ao paciente que ele adquire por ingressar em uma realidade diferente mas paralela a da vigília - com um cérebro considerado clinicamente morto. Assim, a sugestão da correlação entre o pico na escala de consciência e as experiências de quase-morte é algo precipitada, mas, não obstante, verificável. Para isso, é necessário monitorar a mesma escala com vários pacientes que sofrem NDE, até que se consiga um evento onde esses picos sejam de fato confirmados e correlacionados com os tempos da experiência.

Entretanto, a cautela dos autores demonstra uma prudência bastante profissional: 

A natureza dessas experiências invoca uma explicação espiritual ou divina, um tópico que está além do escopo deste artigo. Não obstante isso, o final da vida é uma área pouco estudada na medicina clínica e merece mais atenção. Se essas observações serão importantes, isso será determinado por investigações futuras. Para o profissional de tratamentos paliativos, esperamos que tais observações sejam úteis. Em nossa prática de cuidados, permanecemos bastante tempo em contato com famílias em luto. Nesse contato, pudemos constatar que a ideia de que 'algo' acontece no momento da morte é bastante reconfortante. Dado que sabemos tão pouco sobre essas observações, somos cuidadosos em não fazer afirmações definitivas. Mas, essa noção de um sinal elétrico que pode ser objetivamente medido próximo ao momento da morte é uma fonte de conforto para muitas famílias com pacientes que não resistiram ao tratamento em UTIs.

Para complementar nossa discussão, oferecemos ao leitor um texto para sua reflexão e comparação com os achados do artigo que aqui analisamos. Trata-se da descrição feita por André Luiz no livro "Obreiros da Vida Eterna" da morte de Dimas (Capítulo 13, 'Companheiro Libertado'; Xavier, 1988), sob auxílio do instrutor Jerônimo. Os grifos são nossos.

Dimas gemeu em voz alta, semi-inconsciente.

Acorreram amigos, assustados. Sacos de água quente foram-lhe apostos nos pés. Mas, antes que os familiares entrassem em cena, Jerônimo, com passes concentrados sobre o tórax, relaxou os elos que mantinham a coesão celular no centro emotivo, operando sobre determinado ponto do coração, que passou a funcionar como bomba mecânica, desreguladamente. Nova cota de substância desprendia-se do corpo, do epigastro à garganta, mas reparei que todos os músculos trabalhavam fortemente contra a partida da alma, opondose à libertação das forças motrizes, em esforço desesperado, ocasionando angustiosa aflição ao paciente. O campo físico oferecia-nos resistência, insistindo pela retenção do senhor espiritual.


Com a fuga do pulso, foram chamados os parentes e o médico, que acorreram, pressurosos. No regaço maternal, todavia, e sob nossa influenciação direta, Dimas não conseguiu articular palavras ou concatenar raciocínios. Alcançáramos o coma, em boas condições. O Assistente estabeleceu reduzido tempo de descanso, mas volveu a intervir no cérebro. Era a última etapa. Concentrando todo o seu potencial de energia na fossa romboidal, Jerônimo quebrou alguma coisa que não pude perceber com minúcias, e brilhante chama violeta-dourada desligou-se da região craniana, absorvendo, instantâneamente, a vasta porção de substância leitosa já exteriorizada. Quis fitar a brilhante luz, mas confesso que era difícil fixá-la, com rigor. Em breves instantes, porém, notei que as forças em exame eram dotadas de movimento plasticizante. A chama mencionada transformouse em maravilhosa cabeça, em tudo idêntica à do nosso amigo em desencarnação, constituindo-se, após ela, todo o corpo perispiritual de Dimas, membro a membro, traço a traço. E, àmedida que o novo organismo ressurgia ao nosso olhar, a luz violeta-dourada, fulgurante no cérebro, empalidecia gradualmente, até desaparecer, de todo, como se representasse o conjunto dos princípios superiores da personalidade, momentaneamente recolhidos a um único ponto, espraiando-se, em seguida, através de todos os escaninhos do organismo perispirítico, assegurando, desse modo, a coesão dos diferentes átomos, das novas dimensões vibratórias.


Referências

Gambrell M. Using the BIS monitor in palliative care: A casestudy. J Neurosci Nurs 2005;37:140–143

Lakhmir S. Chawla, Seth Akst, Christopher Junker, Barbara Jacobs, Michael G. Seneff. Surges of Electroencephalogram Activity at the Time of Death: A Case Series. Journal of Palliative Medicine. Dezembro 2009, 12(12): 1095-1100. doi:10.1089/jpm.2009.0159. O artigo pode ser lido em: http://www.liebertonline.com/doi/pdfplus/10.1089/jpm.2009.0159

Xavier F. C. Obreiros da Vida Eterna. 17a edição. 1988.  Ed. FEB.  ISBN: 8573283157.


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