18 de novembro de 2010

Crenças Céticas - II Fundamentos do Ceticismo.


"Existem duas maneiras de ser enganado: uma é acreditar no que não é verdade e a outra é recusar-se a acreditar naquilo é."  Søren Kierkegaard

A. Xavier.

O que é ceticismo? Hoje, é comum encontrar argumentos céticos em grupos que discutem ou rebatem a possibilidade de fenômenos anômalos (os eventos psíquicos são apenas um subconjunto desses que engloba também as ocorrências de objetos voadores não identificados ou, simplesmente, OVNIS dentre outros). Segundo esse grupo de pessoas, a Ciência - entendida em uma concepção particular - não sustenta, aprova ou comprova a existência desses fenômenos. Em outras palavras, os céticos das anomalias clamam para si a autoridade da ciência para fundamentar sua opinião.

Mas, enquanto esse movimento cético pode parecer hoje em dia algo bem moderno, isso não é verdade. Os que duvidam sempre seguiram lado a lado com os que creram desde a mais remonta antiguidade. Como a dúvida é a ausência da crença, para se estabelecer como verdade um determinado fato (não importa qual seja ele), é preciso fundamentar a dúvida em princípios e são esses princípios que pretendemos discutir aqui.

Na filosofia estabelecida como disciplina de estudo, conta-se que Pirro de Elis (~ 300 a. C) pregava a postura da ataraxia (paz da mente) ou falta de preocupação com relação ao conhecimento das coisas, pois ele duvidava que pudéssemos em realidade conhecer qualquer coisa. Pirro pregava dessa forma a acatalepsia ou impossibilidade de qualquer conhecimento. O ceticismo filosófico origina-se assim da crença dos Skeptikoi ou escola de filósofos que não afirmavam absolutamente nada, mas apenas davam sua opinião. A atuação dos céticos foi importante para o desenvolvimento da filosofia. No hinduísmo, a escola Karvaka (por volta de 500 a. C) pregava a linha de pensamento materialista ou de oposição a qualquer tipo de crença. Vê-se assim que a argumentação cética que se contrapõe à crença de qualquer tipo ou à possibilidade de conhecimento não é coisa moderna.

Nas ciências - entendida como atividade dos cientistas tendo suas próprias regras e proposições de raciocínio -  o ceticismo é comumente acreditado como tendo um papel importante. É comum - embora incorreto - dizer que os cientistas são céticos. A postura cética, dependendo do momento e da maneira como é feita, pode tanto ajudar como prejudicar o desenvolvimento científico. Há vários exemplos na História da Ciência sobre isso.

Ao se estabelecerem como verdades provisórias, as teorias científicas precisam erger sistemas de proteção que impeçam a modificação não desejada desses princípios. Justamente por não ser necessário 'comprovar' sempre determinadas verdades é que se organizam as ciências na forma de um corpo de princípios ou 'doutrina'. Essa doutrina científica - que é, em essência a teoria, não pode ser modificada ao longo do processo de investigação na medida em que mais fatos a corrorborarem. Existe assim uma orientação (ou heurística) que impede que as ciências sejam modificadas. Muitas vezes, essa heurística orientadora de proteção dos princípios de conhecimento é confundida com o ceticismo. Ela é, na verdade, uma postura de proteção, pois sua tarefa é proteger o conhecimento, sem fechá-lo a novas investigações.

Para que seja genuíno em sua aplicação, essa postura tem que se expressar na forma de uma linguagem ou teoria científica. Qualquer coisa fora disso pode ser  considerado ceticismo ordinário e não guarda qualquer relação com a Ciência. Assim, podemos definir o cético de forma geral (de acordo com o Webster's Revised Unabridged Dictionary) como alguém que:
"Não está decidido quanto ao que é verdadeiro, alguém que está buscando o que é a verdade, um pesquisador de fatos e raciocínios."
Aqui, no ceticismo ordinário, como postura de direito inalienável de cada um diante de fatos do mundo, existem uma infinidade de posicionamentos. Para cada posicionamento, uma virtude ou defeito gerará essa ou aquela consequência para a crença individual. Como o referêncial de verdade é, muitas vezes, a própria individualidade (embora muitos céticos digam que é a Ciência), há que se julgar a postura cética de acordo com as consequências que ela gera.

Nas considerações sobre o ceticismo, é preciso antes discutir onde estão os alicerces para o estabelecimento de afirmações sobre o mundo. De forma muito simples, ao longo da história das ciências e da filosofia foi possível ver que os fundamentos para o conhecimento estão estabelecidos na autoridade - seja de determinados textos considerados sagrados ou na pessoa de cientistas de renome.Veremos com certo detalhe essa questão da autoridade mais adiante, quando estudarmos os verdadeiros alicerces que fundamentam o conhecimento científico genuíno.

Muitas vezes também o ceticismo tem como força motriz a própria individualidade ou personalidade do cético e ai deve-se invocar considerações sobre psicologia, quando paixões humanas mais elementares tais como orgulho ou a inveja entram em cena. Há pessoas que duvidam simplesmente pelo prazer de se duvidar, sendo que a busca pela verdade quase que nenhum papel toma parte. Outras se admiram com a atenção dispensada pela maioria a determinadas pessoas envolvidas com fenômenos anômalos (como é o caso dos eventos psíquicos, os médiums) e passam a atacar de forma sistemática a personalidade do envolvido. Essa admiração gera a raiva que se prende à inveja ou desejo de atrair a mesma atenção para si. Veremos também alguns fundamentos psicológicos para as crenças céticas.

Pseudoceticismo


‘A Ciência ainda não comprovou que existe vida após a morte nem que existem Espíritos’.

No pseudoceticismo parte-se de premissas que invocam a autoridade da ciência para contradizer ou invalidar explicações para muitos eventos psíquicos (mas não a esses restritos) tais como: possibilidade da sobrevivência, comunicação com inteligências incorpóreas, experiências ou vivências variadas anômalas como as de quase morte que afirmam a independência da consciência do funcionamento do cérebro, dentre outras.

Uma simples análise pelos campos bem definidos do conhecimento científico atual mostra que inexistem disciplinas associadas ou criadas para estudar os fenômenos anômalos. Ou seja, temos aqui o problema do objeto de estudo. Como podem céticos dogmáticos invocar a autoridade da Ciência para invalidar explicações ou mesmo negar certos fatos que as ciências comuns não estudam? A única ciência que se pode invocar nesses casos é a que eles criam segundo suas próprias crenças, as crenças céticas.

Com relaçao a anomalias, é importante dizer que existem dois tipos:

1.    Anomalias que ocorrem dentro de um determinado paradigma científico ou teoria;
2.    Anomalias que não se relacionam a qualquer teoria científica, caracterizando eventos de natureza diferente do escopo de aplicação das ciências ordinárias.

As anomalias do primeiro tipo são tratadas de forma específica dentro do desenvolvimento de uma ciência bem estabelecida. Isso porque são descritas em termos de uma linguagem específica, a linguagem da teoria. Elas levam a uma situação de crise dentro do paradigma aceito que é resolvido pela proposição audaciosa de novas explicações. Ao se incorporarem na forma de novos paradigmas, tornam-se fatos que suportam novas teorias.

As anomalias do segundo tipo, sendo órfãs de uma disciplina científica específica, são território selvagem, ou seja, terras novas onde novos objetos de estudo peculiares devem ser reconhecidos. Mas reconhecidos por quem? Pelos cientistas das ciências que não estudam esses fenômenos? Então só podem ser validados e estudados por quem se disponha a aceitá-los primeiramente tais quais se apresentem.

Invocar a autoridade das ciências que se estabeleceram para estudar assuntos específicos para invalidar ou contradizer fatos considerados anômalos  ou que contradigam a experiência ordinária é o mesmo que pretender usar um médico como revisor de um trabalho de física, ou um físico para aprovar certas considerações de um biólogo. Em tudo há a necessidade de se consultar especialistas, mas, no caso dos fenômenos psíquicos e espíritas eles não podem ser encontrados entre os especialistas das ciências ordinárias como querem muitos céticos dogmáticos. Isso é um absurdo lógico que passa despercebido em muitas discussões céticas. 

Mas qual a causa disso? Uma análise simples revela que a causa é a necessidade de invocar sobre si uma autoridade, para que sua argumetação tenha valor. Em suma, a Ciência e sua autoridade são invocadas para validar as crenças céticas.

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