3 de agosto de 2015

Breves comentários sobre o texto "Teosofia e reencarnação"


"Não há religião maior que a verdade". H. Blavatisky. 
Recebi por e-mail o link do texto "A Teosofia e a Reencarnação" (1) por Carlos C. Aveline. Nesse texto, seu autor faz alguns comentários sobre o tema "reencarnação" segundo a visão da Teosofia. De forma geral, considero as ponderações feitas - e que são extraídas das chamadas "Cartas dos Mahatmas" - bastante oportunas porque descrevem os fundamentos da reencarnação segundo o ponto de vista baseado em ideias orientais, que antecederam em muito o conceito de reencarnação popularizado pelo Espiritismo no ocidente. De forma geral, há muitos pontos em comum com a visão espírita.

Porém, fazemos aqui alguns comentários adicionais, ressaltando as diferenças que existem entre as justificativas espírita e teosófica para alguns conceitos que esperamos sirvam para elucidar esses conceitos, sem a pretensão de polemizar. Os textos de (1) estão em verde, enquanto citações de Kardec estão em azul.

Três nascimentos

De forma simbólica, o texto (1) descreve a vida humana como três "nascimentos": (i) O nascimento da reencarnação (saída da placenta), (ii) a morte (libertação da alma do corpo físico) e, (iii) no último deles, a alma "rompe sua casca astral" para poder viver no Devachan, que é chamado de "local dos deuses" e onde ela passa a viver um "descanso abençoado" até sua próxima reencarnação (ver abaixo). 

Do ponto de vista dos princípios, a noção da continuidade da existência é exposta em (1): 
Um dos momentos decisivos ocorre com a passagem definitiva da consciência individual do mundo denso da matéria para o mundo sutil do astral. Este é o momento da morte física, que, na verdade, constitui mais um nascimento.
o que implica na existência de outro "plano" ou "universo" onde a verdadeira alma do homem habita. A Teosofia postula a existência de um complicado sistema de corpos como formando o ser humano encarnado. Por causa disso, ideia do Devachan - pelo que é descrito em (1) - não se assemelha ao "Plano Espiritual" que, fundamentalmente, é o espaço da existência para a condição de erraticidade introduzido por A. Kardec (2):
ERRATICIDADE – estado dos Espíritos errantes, isto é, não encarnados, durante os intervalos de suas diversas existências corpóreas. A erraticidade absolutamente não é símbolo de inferioridade para os Espíritos. Há Espíritos errantes de todas as classes, sal­vo os da primeira ordem, ou puros Espíritos, que, não tendo mais que passar pela reen­carnação, não podem ser considerados errantes. Os Espíritos errantes são felizes ou in­felizes, conforme seu grau de depuração. É nesse estado que o Espírito, então despojado do véu material do corpo, reconhece suas existências anteriores e as faltas que o distan­ciam da perfeição e da felicidade infinita. É ainda nessa condição que ele escolhe novas provas, a fim de progredir mais rapidamente.
Assim, erraticidade nada mais é do que o estado da alma desencarnada. Como ela não depende da matéria para existir, do ponto de vista lógico, não há necessidade de se entrar em um reino especial também para que continue a existir. A condição da existência é determinada pela continuidade do espaço-tempo e por sua independência com o elemento material.

Mesmo considerando o Devachan como um lugar de descanso, não é possível prever que todos indistintamente tenham direito a ele depois da morte. Por isso, em (1) descreve-se as condições necessárias para que se atinja o Devachan (3):
Segundo uma crença amplamente difundida entre todos os hindus, o futuro estado pré-natal e o nascimento de uma pessoa são moldados pelo último desejo que ela pode ter no momento da morte. Mas este último desejo, dizem eles, depende necessariamente da forma que a pessoa tenha dado a seus desejos, paixões, etc., durante a sua vida passada. (grifos meus)
Em outras palavras, conforme o último desejo que o indivíduo teve antes de morrer, assim será sua condição em uma próxima existência e seu estado após a morte. Não poderia haver maior diferença com o que descobriu Kardec (4):
Durante a vida, o Espírito se acha preso ao corpo pelo seu envoltório semimaterial ou perispírito. A morte é a destruição do corpo somente, não a desse outro envoltório, que do corpo se separa quando cessa neste a vida orgânica. A observação demonstra que, no instante da morte, o desprendimento do perispírito não se completa subitamente; que, ao contrário, se opera gradualmente e com uma lentidão muito variável conforme os indivíduos. Em uns é bastante rápido, podendo dizer-se que o momento da morte é mais ou menos o da libertação. Em outros, naqueles sobretudo cuja vida foi toda material e sensual, o desprendimento é muito menos rápido, durando algumas vezes dias, semanas e até meses, o que não implica existir, no corpo, a menor vitalidade, nem a possibilidade de volver à vida, mas uma simples afinidade com o Espírito, afinidade que guarda sempre proporção com a preponderância que, durante a vida, o Espírito deu à matéria. É, com efeito, racional conceber-se que, quanto mais o Espírito se haja identificado com a matéria, tanto mais penoso lhe seja separar-se dela; ao passo que a atividade intelectual e moral, a elevação dos pensamentos operam um começo de desprendimento, mesmo durante a vida do corpo, de modo que, em chegando a morte, ele é quase instantâneo. Tal o resultado dos estudos feitos em todos os indivíduos que se têm podido observar por ocasião da morte. Essas observações ainda provam que a afinidade que, em certos indivíduos, persiste entre a alma e o corpo, é, às vezes, muito penosa, porquanto o Espírito pode experimentar o horror da decomposição. Este caso, porém, é excepcional e peculiar a certos gêneros de vida e a certos gêneros de morte. Verifica-se com alguns suicidas. (grifos meus)
Do ponto de vista lógico, não parece fazer sentido que o estado da alma após a morte deva depender apenas de seu último desejo, ainda que se considere que esse desejo dependa do caráter da pessoa. Afinal, mesmo os maus podem ter eventualmente desejos bons. Muito menos faz sentido imaginar que esse mesmo desejo determine sua condição em toda uma futura existência. 

O que depende a condição do Espírito em seu retorno? O "Livro dos Espíritos" descreve em detalhes as possíveis vias que o Espírito pode tomar em uma futura existência como pode-se ler no Capítulo VI. No Capítulo VII "Da volta do Espírito à vida corporal" podemos ler (5) :
Chegando ao termo que a Providência lhe assinou à vida na erraticidade, o próprio Espírito escolhe as provas a que deseja submeter-se para apressar o seu adiantamento, isto é, escolhe o gênero de existência que acredita ser o mais próprio a lhe fornecer os meios de adiantar-se, e tais provas estão sempre em relação com as faltas que lhe cumpre expiar. Se delas triunfa, eleva-se; se sucumbe, tem que recomeçar. 
O Espírito goza sempre do livre-arbítrio. Em virtude dessa liberdade é que escolhe, quando desencarnado, as provas da vida corporal e que, quando encarnado, decide fazer ou não fazer certas coisas, procedendo à escolha entre o bem e o mal. Negar ao homem o livre-arbítrio seria reduzi-lo à condição de máquina. (grifos meus)
Essa liberdade de escolha parece muito mais lógica e menos sujeita a arbitrariedades do que um eventual "desejo" terminal poderia impor. 

Oposição à mediunidade

Como grifado na citação (3), essa ideia se baseia em uma "crença amplamente difundida entre hindus". Já o conhecimento desenvolvido por Kardec está fundamentado em entrevistas que ele fez a muitos Espíritos que descreveram seus estados após a morte física. Isso obviamente depende da sanção fornecida pelo mecanismo de comunicação, que é a mediunidade.  Por incrível que pareça, a Teosofia iria se colocar contra a mediunidade e seu uso. Na seção 7 de (1), há uma "explicação" sobre porque a mediunidade deve ser evitada: 
A regra é que uma pessoa que tenha uma morte natural permaneça ‘desde algumas horas até uns poucos anos’ dentro da atração da terra, isto é, no Kama-loka. Mas há exceções, no caso dos suicidas e daqueles que têm uma morte violenta em geral. (.......) Felizes, três vezes felizes, em comparação, são aquelas entidades desencarnadas que dormem seu longo sono e vivem em sonhos no seio do Espaço! E pobres daqueles cuja Trishna os atraia para os médiuns, e pobres destes últimos, que os colocam em tentação (...).  Pois ao agarrar-se a eles e satisfazer sua sede de vida, o médium ajuda a desenvolver neles - é de fato a causa de - um novo conjunto de Skandhas, um novo corpo, com tendências e paixões muito piores que as do corpo anterior.  (...) Se pelo menos os médiuns e espíritas soubessem, como eu disse, que cada novo ‘anjo-guia’ a que eles dão as boas-vindas em êxtase é induzido por eles a um Upadana que produzirá uma série de males indescritíveis para o novo Ego (...) - eles seriam, talvez, menos liberais na sua hospitalidade.
A razão exposta acima não é a única já aventada dentro do movimento teosófico. Para sustentar a ideia de Devachan e de outros conceitos que pregam uma espiritualidade ilusória, a mediunidade teve que ser negada, já que a opinião dos Espíritos se opõe aos detalhes dessas explicações teosóficas. Mas, o texto em verde citado acima não nega a possibilidade de comunicação, o que seria ir longe demais para um espiritualista. Apresenta, porém, argumentos poucos convincentes sobre supostas consequências negativas de seu uso como a ideia de Upadanas que, segundo (1) seria o "processo de se adquirir órgãos materiais" e que provocariam "males indescritíveis" no "novo ego". Nada disso foi confirmado pelos próprios Espíritos e não tem fundamentação lógica diante do mecanismo de comunicação descoberto de Kardec. Como é amplamente confirmado por pesquisas em diversas partes do mundo (8), a mediunidade de fato constitui um canal de comunicação com os desencarnados que deve ser bem usado como ferramenta de exploração. 

Chegamos assim a uma diferença substancial entre o Espiritismo e a Teosofia. Kardec descobriu que seria possível, da mesma forma como é nas ciências naturais, chegar ao conhecimento sobre a realidade além-túmulo por meio da "experimentação". Como alguém que explora um novo continente ou mundo, as entrevistas com os desencarnados permitem não só identificar a autoria das comunicações como a do próprio "ego" ou "alma" anterior, como também descobrir as condições e consequências do estado dessa alma desprendida do corpo (7):
As comunicações espíritas têm como resultado mostrar o estado futuro da alma, não mais em teoria, porém na realidade. Põem-nos diante dos olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo. Ao mesmo tempo, entretanto, no-las mostram como conseqüências perfeitamente lógicas da vida terrestre e, embora despojadas do aparato fantástico que a imaginação dos homens criou, não são menos aflitivas, para os que fizeram mau uso de suas faculdades. Infinita é a variedade dessas conseqüências. Mas, em tese geral, pode-se dizer: cada um é punido por aquilo em que pecou. Assim é que uns o são pela visão incessante do mal que fizeram; outros, pelo pesar, pelo temor, pela vergonha, pela dúvida, pelo insulamento, pelas trevas, pela separação dos entes que lhes são caros, etc.
Como tudo evolui, a mediunidade, como técnica ou método de comunicação também evoluirá, servindo à Humanidade como farol a revelar a condição dos homens em sua vida futura.

Um intervalo de 1000 a 4000 mil anos para reencarnar.

A ideia em (1) que mais contrasta com as descobertas espíritas atuais é a noção de que a alma precisa aguardar dezenas de séculos para reencarnar. A razão, segundo (1), está na própria noção de Devachan:
Ali viverá um descanso abençoado até o momento de preparar-se para um novo nascimento no plano físico. Isso ocorrerá quando a individualidade “despertar” do Devachan, em média entre mil e quatro mil anos depois da morte física.
A posição espírita sobre a questão, sobre o intervalo entre encarnações sucessivas, está exposta na questão 224 de "O Livro dos Espíritos" (9):
224. Que é a alma no intervalo das encarnações?
"Espírito errante, que aspira a novo destino; fica esperando."
a) - Quanto podem durar esses intervalos?
"Desde algumas horas até alguns milhares de séculos. Propriamente falando, não há limite máximo estabelecido para o estado de erraticidade, que pode prolongar-se muitíssimo, mas que nunca é perpétuo. Cedo ou tarde, o Espírito terá que volver a uma existência apropriada a purificá-lo das máculas de suas existências precedentes."
b) - Essa duração depende da vontade do Espírito, ou lhe pode ser imposta como expiação?
"É uma conseqüência do livre-arbítrio. Os Espíritos sabem perfeitamente o que fazem. Mas, também, para alguns, constitui uma punição que Deus lhes inflige. Outros pedem que ela se prolongue, a fim de continuarem estudos que só na condição de Espírito livre podem efetuar-se com proveito."
(grifos meus)
Há ainda outros argumentos que inviabilizam essa crença em centenas de séculos para esse intervalo. Como resumo, temos:
  1. Do ponto de vista lógico, uma vez que o Espírito é independente da matéria, não existe razão para que um intervalo dessa duração seja necessário. Esse intervalo obedece às necessidades do Espírito frente as novas condições de existência e são resultado da combinação de sua escolha de provas com as condições oferecidas pelo ambiente terreno (conforme explicado na questão 224 citada acima). Em outras palavras: o livre-arbítrio do Espírito o dispensa de qualquer regra que fixe um período para reencarnar;
  2. O crescimento populacional vertiginoso observado nos últimos séculos, torna inviável que os Espíritos permaneçam tanto tempo sem reencarnar. Em um trabalho recente apresentado no  7o. ENLIHPE chamado "Uma abordagem estatística para a determinação do tempo de vida entre encarnações sucessivas" (10),  discutimos diversas medidas associadas à dinâmica entre reencarnações que são prevista pelos princípios espíritas. Alguns modelos preveem tempos de erraticidade muito diferentes da crença exposta em (1);
  3. Finalmente, as recentes pesquisas com crianças que se lembram de suas vidas anteriores (11), realizadas por I. Stevenson e J. Tucker (12) devem ser lembradas. Em particular, Tucker conseguiu medir intervalos médios entre 6 até 16 meses entre encarnações para crianças que tiveram suas vidas anteriores plenamente identificadas. A existência inconteste desses casos invalida definitivamente a noção de dez a quarenta séculos como intervalo entre encarnações.
Quem pensaria no século XIX que reencarnação pudesse ser pesquisada como um tema de exploração científica? Como ficam crenças assim expostas diante das evidências colhidas na Natureza? Essas descobertas nunca antes imaginadas estão, porém, de acordo com o espírito realmente revolucionário da era do Espírito. 

E as "Experiências fora do corpo" e "visões de leito de morte" ?

A ideia do Devachan, da aparente "incomunicabilidade" da alma ao dar entrada por séculos na "morada dos deuses", a existência de "cascões astrais" etc encontra ainda dificuldades ao se considerar as pesquisas recentes de EQM - ou experiências de quase morte - e de outros fenômenos psíquicos que acontecem no momento da morte (13).  Nas EQMs, por exemplo, há casos em que lembranças do passado (o tal "filme" da vida que seria rememorado no instante do desenlace) ocorrem, porém, não necessariamente em todos os casos. Nelas os sujeitos descrevem lugares e encontros com pessoas falecidas e relatam os eventos como "sonhos lúcidos", que causam impressão mais real do que a vigília (ver 13).

Nas EQMs, quem quase morreu retorna descrevendo em detalhes a possibilidade de existência independente do corpo físico, desde a sala ou ambiente onde seus corpos foram deixados, sensações de desdobramento, de "voo" fora do corpo, de cenas e ambientes próximos etc. Isso contrasta bastante com as teses apresentadas em (1). De fato, em (14) encontramos a seguinte descrição que confirma (1):
A morte para nós, então na forma de nosso mais profundo ser, é uma retirada da vida, mas de uma forma diferente e mais elevada, de ordem espiritual. Não nos lembramos depois do evento de nossa morte ou do momento em que estamos 'mortos', porque perdemos nosso veículos normais de consciência e não desenvolvemos as faculdades espirituais necessárias. Na maioria de nós, nossos veículos inferiores, aqueles que constituem nossa personalidade, não apenas se tornam pouco responsivos, demonstrando falta de refinamento necessário, mas, por causa de nossas ações motivadas por desejos, são muito obstrusivos. Eles exigem demais nossa atenção. Nossa vida pós-morte representa nosso sonho devachânico. Esse estado de sonho, fomos informados, é mais 'real' para nós do que nossa vida objetiva agora.  Notamos que, de acordo com tais ensinos, não atravessamos os vários planos do ser, o astral, o cármico e assim por diante, com consciência depois da morte, como alguns autores dessas questões afirmam. HPB (Helena Blavatsky) explicou como essas visões de quase morte, incluindo aquelas que agora são chamadas experiências de quase morte (EQMs), a incluir entes queridos do passado, várias vezes em ambientes idealizados. Muitos autores interpretam tais visões como vislumbres do mundo astral, mas nós já sabemos que esses desaparecem no momento da morte. De fato, para o homem ordinário, o mundo 'astral', kama-loka, não obstante os vários níveis é, de acordo com HPB, no seu nível mais inferior, nada mais que um lugar bastante indesejável contra o qual estamos protegidos em nossa vida comum. (grifos meus
De novo, essas considerações não estão de acordo com os fatos observados durante as EQMs e das experiências de leito de morte confirmadas (13). Também não concordam com inúmeros outros eventos psíquicos que só podem ser explicados se o Espírito existe de fato em um mundo paralelo, que ele está desperto, com faculdades sensoriais ampliadas, justamente o oposto de um sonho ou ilusão, que suas lembranças não são apagadas etc.

As consequências práticas da visão da morte como um "sonho devachânico" e inacessível não diferem muito daquelas do sonho que antecede a ressurreição para alguns credos cristãos. O que preocupa, porém, é imaginar as consequências dessas crenças para o futuro da Teosofia, já que elas se colocam em oposição às experiências psíquicas mais elementares. 

Referências


2 - A. Kardec. Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas, Vocabulário Espírita, ERRATICIDADE (versão www.ipeak.com.br)

3 - De acordo com (1), essa resposta pode ser encontrada em Carta 93B em “Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett” (volume II, pp. 139-140).

4 - Comentário de A. Kardec à questão 155 de "O Livro dos Espíritos" (versão www.ipeak.com.br)

5 - Fragmento da resposta à questão 399 de "O Livro dos Espíritos".

6 - Segundo (1) a citação pode ser encontrada em “Cartas dos Mahatmas”, Carta 68, volume I, pp. 312-313.

7 - Resposta à questão 973 em "O Livro dos Espíritos" por A. Kardec. Segundo www.ipeak.com.br

8 - Para não citar fontes "espíritas", sugiro aos teosofistas darem uma olhada em pesquisas sobre mediunidade produzidas por alguns centros de estudo como:
9 - A. Kardec, "O Livro dos Espíritos" (versão www.ipeak.com.br).



12 - J. Tucker (2013).  "Return to Life: Extraordinary Cases of Children Who Remember Past Lives". http://www.amazon.com/Return-Life-Extraordinary-Children-Remember/dp/1250005841

13 - Ver:

Livro III - O Que Acontece Quando Morremos (Dr. Sam Parnia) 
Cinco principais "evidências" para existência de vida após a morte.
Reflexões sobre o contexto de experiências de quase-morte: artigo de Michael Nahm (2011) - 1/2.
Reflexões sobre o contexto de experiências de quase-morte: artigo de Michael Nahm (2011) - 2/2. 
(14)  G. A. Farthing (1974) em "Live, Death and Dreams" em http://www.blavatskytrust.org.uk/html/booklets/life%20death%20dreams_1.htm. Original em inglês:
Death for us, then in our deepest beings is a withdrawal into life but of a different and higher, more spiritual order. We do not remember afterwards the event of our death or the time we are 'dead' because we have lost our normal vehicles of consciousness and have not as yet developed the necessary spiritual faculties. In the majority of us our lower vehicles, those constituting our personality, are not only not responsive enough, lacking the necessary refinement, but, because of their desire prompted actions, are too obtrusive. They claim too much of our attention. Our post-mortem life comprises our devachanic dream. This dream state, we are told, is more 'real' to us than our present objective life is now. We should notice that according to this teaching, we do not traverse the various planes of being, the astral, the karmic, and so on, in consciousness after death, as some writers on these subjects have said. H.P.B. has explained how the visions of those near death, including those during what are now called near death experiences (N. D. E.) have included their erstwhile loved ones from the past, sometimes in idealized surroundings. Many writers have instanced these visions as glimpses into the astral world, but we are told they cease at the moment of death. In fact, for the ordinary man, the 'astral' world,kama-loka, in spite of its seven levels is, according to H. P. B., at its lower levels particularly an undesirable place from which, in the ordinary way, we are mercifully protected.

2 de julho de 2015

O suicídio na visão espírita e de outras religiões


Se cada fase da vida tem algo de importante para nos ensinar, é preciso descobrir o que está reservado para nós no ocaso da existência. (A. Trigueiro, "Viver é a melhor opção", 1)

Muitas vezes, viver é um ato de coragem. (Sêneca)
Diz-se que "religião não se discute", entretanto, é na religião que encontramos uma das maiores forças de manutenção da vida humana. Um assunto que mostra todo poder da religião é a questão do suicídio. André Trigueiro recentemente lançou um livro sobre esse tema (1). Lembro-me de ler alguém reclamando que essa obra só apresenta a visão espírita do suicídio. Consultando o que há disponível na rede, encontramos várias referências sobre a visão religiosa do suicídio. Neste post fazemos um resumo dessa breve pesquisa. É interessante comparar as justificativas para a condenação do suicídio nessas diversas visões com a perspectiva espírita, que traz uma novidade. É interessante também observar que há exceções à condenação do "matar-se a si mesmo", de acordo com as referências de várias religiões. 

Já escrevemos algo sobre um tipo de suicídio neste blog (2). Mas, como se manifestam as diversas religiões sobre ele? Mais importante do que isso, como elas justificam suas posições? Há duas bases para se posicionar em relação ao suicídio:
  1. A visão de princípios;
  2. A visão das consequências do suicídio.
Para se convencer disso, basta considerar que, para doutrinas materialistas, a questão do suicídio é de reduzida importância, pois não há alma nem sobrevivência. A lógica materialista acredita que vale a pena continuar a viver desde que existam vantagens em existir. Desaparecendo essas vantagens, cessa também a necessidade de viver. Portanto, a vida para o materialismo não tem valor em si, mas é relevante apenas como condição para eventuais prazeres em existir:
O que faz a vida merecer ser vivida? Certamente muito mais ceder ao sangue suicida que há em mim e procurar o esquecimento no abraço frio da morte. (Zane Grey
Podemos falar em um "valor da vida" para cada visão religiosa - incluindo o materialismo - que é derivado da visão que cada doutrina tem da existência humana. Uma vez que o assunto é complexo, optamos por apresentar tudo em apenas um único post que, por isso, resultou extenso. Isso não significa que o assunto tenha sido exaurido. O que colocamos abaixo é apenas um resumo. A referência principal que usamos aqui como orientação pode ser lida integralmente em (3). 

Judaísmo

De acordo com (4): 
O suicídio é proibido pela lei Judaica. O Judaísmo tradicionalmente vê o suicídio como um pecado. Não é visto como alternativa a se cometer certos pecados capitais que justificariam abandonar a vida ao invés de cometê-los.
Entretanto, não há referências explícitas no Talmude sobre o suicídio. A fundamentação é, portanto, de princípios e baseada em interpretações do texto bíblico. Estudiosos e autoridades no Judaísmo porém, podem suspender a proibição do suicídio em determinadas circunstâncias, como foi o caso de Jacob Emden, que afirmou ser o suicídio uma opção a alguém condenado à pena de morte. O suicídio seria então uma maneira de se expiar o pecado que originou a condenação.

Catolicismo

Como é bastante conhecido, o Catolicismo explicitamente condena o suicídio. A razão também tem com base princípios como a proibição "Não matarás" (Êxodo 20:13), ou uma lógica como a que se lê em (5):
O suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano em se preservar e perpetuar. Ele se coloca gravemente em oposição ao amor por si próprio. Ele também ofende o amor ao próximo, porque injustamente quebra os laços de solidariedade com a família, nação e outras sociedades humanas para as quais temos obrigações.  O suicídio é contrário ao amor ao Deus vivo. (parágrafo 2281)
É possível lembrar que a condenação ao Inferno sempre correu em paralelo com a condenação do suicídio em diversas religiões cristãs. Entretanto, em uma versão moderna do catecismo da Igreja (5) podemos ler:
Não se deve temer pela punição eterna das pessoas que tiraram suas próprias vidas. Por meios apenas conhecidos por Ele, Deus pode conceder oportunidade de arrependimento. A Igreja ora pelas pessoas que tiraram suas próprias vidas. (parágrafo 2283, grifo meu
Por que a Igreja teria deixado de ameaçar com o inferno os suicidas? Talvez a condenação eterna esteja muito desacreditada na modernidade e a estratégia de se abrandar a pena recorrendo a um possível meio "somente conhecido por Deus" é mais lógica diante da crença maior em um Deus bom.

Protestantismo

Com bases semelhantes, religiões de origem protestante também condenam o suicídio. É interessante ir à origem dos movimentos protestantes e de lá extrair uma perspectiva mais moderna sobre o suicídio. Assim, para a Igreja Luterana (6):
Certamente, não temos o desejo de condenar ninguém que opte pela auto destruição. É impossível a nós descer a níveis tão baixos, em que muitos cristão chegam, e irresponsavelmente cometem tais atos. Talvez o Senhor não os julgará responsáveis, mas nós não sabemos. 
Esse mesmo texto em (6) cita uma passagem em que Lutero (1483-1546) afirmou:
Não tenho certeza se os suicidas certamente estão condenados. Penso que eles talvez não quisessem se suicidar, mas capitularam frente ao poder do demônio.
Desde esse ponto de vista, o suicídio não pode ser automaticamente condenado porque as razões para o ato são desconhecidas (a decisão de se matar segue sentimentos e intenções privadas do indivíduo). Lutero ainda foi perspicaz o suficiente em ressaltar que sua opinião não implicava na redução da gravidade do suicídio como pecado.

A opinião presente dos evangélicos nacionais sobre o suicídio pode ser lida aqui (7):
As Escrituras Sagradas relatam a história de algumas pessoas que cometeram suicídio, dentre estas: Saul (I Samuel 31:4), Aitofel (II Samuel 17:23), Zinri (I Reis 16:18) e Judas (Mateus 27:5). Todos foram maus, perversos e pecadores, o que provavelmente após a morte experimentaram a condenação eterna. Ora, sem a menor sombra de dúvidas a Bíblia vê o suicídio do mesmo modo que o assassinato – e assim o é – um auto-assassinato. Cabe a Deus decidir quando e como a pessoa morrerá. Tomar de assalto este por em suas próprias mãos, de acordo com a Bíblia, é atentar contra Deus.
Admitido isso, também não creem que um "cristão verdadeiro" perca sua salvação com o suicídio.

Islã

A recente onda de atentados de fundamentalistas islâmicos no ocidente por suicídio pode levar a se pensar que o suicídio seja amplamente aprovado pelo Islã, mas isso não é verdade. De acordo com (3):
E não se matem. Certamente Alá será mais misericordioso convosco. Corão, Sura 4 (An-Nisa). Ayat 29.
E, nos ditados de Maomé, suicidas são condenados explicitamente ao inferno. Porém, segundo Daud Matthews (8), não se deve julgar quem se suicida porque não são conhecidas as circunstâncias que levaram à decisão de se matar:
Aqui só podemos afirmar o que o Islã diz sobre o suicídio como ato. Ainda assim, não podemos julgar um caso específico de suicídio porque nunca sabemos o que apenas Alá sabe sobre o estado do suicida no momento em que comete o ato. Uma pessoa que parece se atirar de uma sacada pode ter caído por acidente, o que não sabemos. Assim, nunca devemos julgar e deixamos que isso seja feito pelo Criador que definitivamente sabe muito mais do que nós.
Como pode então existir fundamentalistas islâmicos que se suicidam em nome do Islã? É que, como todas as religiões antigas, o Islamismo se fragmentou em muitas vertentes interpretativas e algumas delas sustentam que o suicídio deve ser incentivado se for feito com objetivo de guerra religiosa. Não é na origem do movimento que devemos procurar os problemas que surgiram com as várias religiões, mas nos seguidores que interpretam de forma diferente os fundamentos. 

Hinduísmo
A prática do Sati era um rito funeral em certas comunidades asiáticas em que viúvas recentes cometiam suicídio atirando-se no fogo da pira funerária de seus maridos. Foi banida pelos Britânicos no Século XIX. Ver (10).

De acordo com Jarayan V (9)
O suicídio em Sânscrito é chamado "Atmahatya" que significa matar a própria alma. Essa palavra representa amplamente a atitude do Hinduísmo para com o suicídio. Suicídio é matar a si mesmo, pura e simplesmente. Porque o Hinduísmo vê o suicídio de forma tão negativa, como um ato desprezível e um pecado, pode ser entendido pelas seguintes razões (...)
Uma lista resumida dessas causas é fornecida na continuação do texto: "porque o Hinduísmo vê a vida como sagrada (mesmo a de insetos e animais), porque cada ser humano tem um papel e responsabilidade a desempenhar no mundo, porque o suicídio, motivado por paixões más, ignorância e ilusão, representa mau uso da autonomia que Deus deu ao homem e porque, com a vida, o homem tem obrigações para consigo mesmo, com os outros, os deuses e com seus ancestrais".

Entretanto, o Hinduísmo mantem uma crença estranha de que o suicídio é permitido em alguns casos, principalmente se cometidos por gurus como um ato de auto sacrifício ou imolação. De acordo com tal crença, casos de imolação por fogo (agnipravesa), fome lenta (prayopavesa) ou por suspensão da respiração (entrada no estado de samadhi) são considerados suicídios válidos. Portanto, para o Hinduísmo, apenas é condenável o suicídio por razões banais ou por auto ilusão.

Budismo

Das doutrinas antigas, o Budismo pode ser considerado uma das mais sofisticadas (3):
O Budismo ensina que todas as pessoas experimentam o sofrimento (dukka), que se origina primariamente de atos anteriores negativos (karma) ou que resultam do processo natural do ciclo de nascimento e morte (samsara). Outras razões para a prevalência do sofrimento dizem respeito ao conceito de ilusão (maya). Uma vez que tudo está em estado constante de impermanência ou fluxo, indivíduos passam por insatisfação com os eventos naturais da vida. Para quebrar a samsara, o Budismo advoca o nobre caminho óctuplo e não apoia o suicídio. 
Como o primeiro preceito determina que não se tire a vida de ninguém - inclusive a própria - o suicídio é considerado um ato negativo pelo Budismo. De acordo com a crença, alguém que cometa suicídio por razões negativas pode renascer em condições bastante tristes como consequência de seus pensamentos negativos. Para o Budismo, a condenação do suicídio não pode ser absoluta, devendo-se observar as razões do ato que, se negativas, são contrárias ao caminho da iluminação.

Mesmo assim, na tradição Budista, há duas estórias de monges que estavam muito próximos da morte e que, afirmando terem atingido a iluminação, cometeram suicídio - ou o que seria hoje conhecido como "eutanásia". Tais contos implicam que o Budismo antigo pôde aceitar o suicídio em certas circunstâncias (que não envolvem pensamentos negativos). Entretanto, conforme o texto (3) explica, "pessoas que alcançaram a iluminação não cometem suicídio", o que ressalta a opinião negativa que o Budismo tem hoje do suicídio.

Xintoísmo

O excessivo caso de suicídios no Japão (11) leva a se considerar influências culturais e religiosas nessa prática. A religião nacional do Japão é o Xintoísmo. Diz-se que o Xintoísmo é excessivamente condescendente com os suicidas. A origem pode ser a crença de que a vida continua na forma dos Kamis (deuses) e que a morte nada significa além da continuidade. Mas sobre esse aparente apoio dado ao suicídio, encontramos vozes no Japão que se colocam contra alguns posicionamentos ocidentais (12):
Um simpósio entre religiões no Japão explorou as atitudes das comunidades japonesas com o suicídio, incluindo o uso comum do termo "morte voluntária" - escreve Hisashi Yukimoto.
Promovido pela conferência dos bispos católicos do Japão, a conferência considerou a tendência recente de se designar o suicídio pelo termo "jishi" - que significa "morte voluntária"  ou "matar-se a si mesmo".  Muitas pessoas, incluindo membros de famílias enlutadas, agora preferem usar "jishi" (o título oficial do encontro foi "A missão dos religiosos - sobre a morte voluntária").
Um dos conferencistas, Wataru Kaya, um sacerdote xintoísta e psiquiatra, enfatizou a importância das preces e da compaixão para aqueles que se matam voluntariamente, com base na cultura tradicional japonesa. Ele reiterou que o Xintoísmo "não vê a morte voluntária como um mal absoluto".
Mas, Hiroshi Saito, que gerencia o escritório de estudos do Instituto da Doutrina Oomoto, um cisma xintoísta desde 1892, observa que o cânon Oomoto diz: "O suicídio é um pecado entre os pecados". Advertiu ainda, "ao se usar o termo 'morte voluntária', acredito que o sentido de pecado que existe ao se praticar o suicídio está sendo inconscientemente reduzido". 
Saito criticou as considerações de José M. Bertolote, do Departamento de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde que, em um artigo na revista "The Economist", disse que o suicídio no Japão é parte de uma cultura que prega ainda "o padrão ético de se preservar a honra e se fazer responsável por meio do suicídio". Saito afirmou que essas são "visões muito tendenciosas...Poucas pessoas veem o suicídio hoje no Japão como uma virtude". 
Espiritismo

Além de outras obras fundamentais, a questão do suicídio foi introduzida por A. Kardec na IV Parte de "O Livro dos Espíritos", mais precisamente entre as questões 944 e 957. O assunto se inicia pela questão #944: 
944. Tem o homem o direito de dispor da sua vida?
Não; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário é uma transgressão da lei divina.
a) – Não é sempre voluntário o suicídio?
O louco que se mata não sabe o que faz.
É importante considerar porém que, para o Espiritismo, o suicídio deve ser evitado a todo custo por causa das consequências do ato que são positivamente estudadas por meio de comunicações mediúnicas. Trata-se, assim, de uma extensão do suicídio frustrado. Mesmo para o materialismo, o suicídio pode não valer pena se o suicida não tiver competência suficiente para se matar e, do ato, resultarem sequelas e piora da situação. Suicidas em desespero podem não calcular corretamente o risco a que estão sujeitos, caso não consigam se livrar completamente de suas vidas.

Tomando como ponto de partida que o suicídio foi motivado por pensamentos e intenções negativas, a IV Parte do "Livro dos Espíritos" exploras os possíveis caminhos morais que o suicida poderia tomar caso raciocinasse diferente. Com certo escrutínio psicológico, os Espíritos identificam a grande causa como a falta de fé no futuro a principal razão para o ato suicida.  A escalada do suicídio nos tempos modernos confirma essa identificação porque ela tem, no materialismo, a sua principal doutrina de apoio:
A propagação das idéias materialistas é, pois, o veneno que inocula a ideia do suicídio na maioria dos que se suicidam, e os que se constituem apóstolos de semelhantes doutrinas assumem tremenda responsabilidade. Com o Espiritismo, tornada impossível a dúvida, muda o aspecto da vida. O crente sabe que a existência se prolonga indefinidamente para lá do túmulo, mas em condições muito diversas; donde a paciência e a resignação que o afastam muito naturalmente de pensar no suicídio; donde, em suma, a coragem moral. (O "Evangelho S. o Espiritismo" Capítulo V, "Suicídio e Loucura".Parágrafo 16)
A certeza da vida futura tem, portanto, a capacidade de anular o efeito do suicídio nesses casos:
A calma e a resignação hauridas da maneira de encarar a vida terrestre e da fé no futuro dão ao espírito uma serenidade que é o melhor preservativo contra a loucura e o suicídio. Com efeito, é certo que a maioria dos casos de loucura se deve à comoção produzida pelas vicissitudes que o homem não tem a coragem de suportar. Ora, se encarando as coisas deste mundo da maneira por que o Espiritismo faz que ele as considere, o homem recebe com indiferença, mesmo com alegria, os reveses e as decepções que o houveram desesperado noutras circunstâncias, evidente se torna que essa força, que o coloca acima dos acontecimentos, lhe preserva de abalos a razão, os quais, se não fora isso, a conturbariam.(O "Evangelho S. o Espiritismo" Capítulo V, "Suicídio e Loucura". Parágrafo 14)
Com relação ao "suicídio por sacrifício", há condições específicas que o desqualificariam como um suicídio, conforme pode-se ler na questão #951 de "O Livro dos Espíritos":
951. Não é, às vezes, meritório o sacrifício da vida, quando aquele que o faz visa salvar a de outrem, ou ser útil aos seus semelhantes? 
Isso é sublime, conforme a intenção, e, em tal caso, o sacrifício da vida não constitui suicídio. Mas Deus se opõe a todo sacrifício inútil, e não o pode ver de bom grado se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, algumas vezes, quem o faz guarda oculto um pensamento, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.
O "valor aos olhos de Deus" é uma designação metafórica para o real estado da consciência no momento da realização do ato. Por sua importância, essa "exceção" é comentada por Kardec:
Todo sacrifício que o homem faça à custa da sua própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque é a prática da lei de caridade. Ora, sendo a vida o bem terreno a que maior apreço dá o homem, não comete atentado o que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes: faz um sacrifício. Mas, antes de o cumprir, deve refletir sobre se sua vida não será mais útil do que sua morte. (grifo meu)
É claro que o ato só é justificável se tem como consequência o bem dos semelhantes. Dito isso, ainda assim são raríssimas as evidências mediúnicas que atestariam essa exceção. A maior parte delas relata grandes sofrimentos com a morte planejada.

O que dizem as cartas psicografadas

Como uma extensão dos casos de sequelas de suicídios malogrados, a visão das "consequências" se explica ao se conhecer com precisão o estado da alma após a morte. O Espiritismo traz uma contribuição inovadora porque afirma ser possível conhecer essa situação por meio de evidências. Os meios de contato com os mortos constituem um processo antigo, cuja importância para o pensamento religioso e psicológico tem o seu reconhecimento no Espiritismo. O problema do suicídio adquire uma nova dimensão apenas quando a visão da vida futura é aceita abertamente.

Em "O Céu e o Inferno", II Parte do Capítulo V, há duas comunicações analisadas por A. Kardec. A do "Suicida da Samaritaine" e a do "Sr. Félicien". Há também outros trechos, como na "Revista Espírita" de Agosto de 1860  e Janeiro de 1869. No caso do suicida de Samaritaine, a conformação do sofrimento pode ser lida na resposta dada à invocação do Espírito, que ainda alimentava a ideia de desaparecer, ignorante de seu estado: 
5. Que motivo vos levou a vos suicidardes?  
Eu morri? ...Não... habito meu corpo... Não sabeis quanto sofro!... Asfixio... Que uma mão compassiva tente acabar comigo!
Encontramos em nossas pesquisas 14 autores de cartas psicografadas por Chico Xavier reportados como suicidas. Desses destacamos como exemplo Francisco A. Nogueira Filho (1960-1978). Sua morte se deu por enforcamento a 15 de agosto de 1978. Sobre sua carta (13), destacamos alguns trechos:
Ignoro que forças indomáveis me fizeram aceitar a ideia de uma corda que me pendurasse o corpo, a fim de que tudo acabasse para mim. (...)
O que se passou, não tenho vocábulos para contar. Quanto tempo me arrastei naquelas sombras densas, arrependido e infeliz, não sei dizer.
Tive medo da vida, sem a presença de meu pai, mas o medo era o que eu sentia e não aquela temeridade que acabou por me perder. 
(...) Depois de um tempo que para mim teve a duração de séculos, uma voz me veio atender aos gritos de socorro... (grifos meus)
A explicação para as "sobras densas" (que também aparece nas comunicações obtidas por Kardec) pode ser achada neste comentário de A. Kardec ("Céu e Inferno", II Parte, Cap. V, "O Suicida de Samaritaine"):

Sua alma, embora separada do corpo, ainda está completamente mergulhada no que se poderia chamar o turbilhão da matéria corpórea; as ideias terrestres ainda são vivazes; ele não acredita que está morto.
A "duração de séculos", em verdade, foi menos de cinco anos, pois a data da primeira mensagem é de janeiro de 1982. Em todas essas cartas - que tocaram profundamente os parentes e lhes serviram como lenitivos para as dores da separação - os Espíritos suicidas reconhecem a falta, a passagem pelo sofrimento e a perspectiva de reparação no futuro. 

Com relação ao sofrimento experimentado por suicidas com a morte, já havia observado Kardec pelas comunicações que não havia uma regra uniforme para todos os casos:
Esse estado é frequente nos suicidas, mas nem sempre se apresenta em condições idênticas; varia sobretudo na duração e na intensidade segundo as circunstâncias agravantes ou atenuantes da falta. Ela é frequente entre aqueles que viveram mais da vida material do que da vida espiritual. Em princípio, não há falta sem punição; mas não há regra uniforme e absoluta nos meios de punição. (O Céu e o Inferno, II Parte, Exemplos, Capítulo V - Suicidas: O suicida da Samaritaine)
De fato, em uma das cartas psicografadas, um dos autores reporta o estado de uma parenta suicida cuja culpa não teria se estabelecido pelo seu estado de doente mental. 

Perspectivas com as evidências de além-tumulo


Nossa pesquisa bastante imperfeita mostra que, embora textos considerados sagrados possam veementemente condenar os suicidas, a maior parte das autoridades religiosas mais lúcidas são cuidadosas em ressaltar a impossibilidade da condenação absoluta - punição eterna -  pelo desconhecimento das causas que levaram o ato. Em todos os casos, o suicídio é condenável porque:
  • Entende-se que o direito de subtração da vida não compete ao homem a quem a vida foi dada por um poder superior;
  • O suicídio rompe laços de família e de obrigação que o indivíduo tem com sua sociedade e com o poder criador.
Nossa conclusão é que, embora as diferenças patentes entre as crenças, fundamentalmente as religiões condenam o suicídio por motivos semelhantes. Porém, o Espiritismo permite pesquisar as consequências do ato após a morte:

  • Por causa do rompimento abrupto do fluxo vital que viria a termo com a morte natural, o suicida está exposto a uma variedade de sofrimentos cuja duração não pode ser prevista e que gerará consequências para sua vida futura.
Alguns intelectuais, ignorantes da fenomenologia psíquica, mantem a opinião de que a visão de sofrimento dos suicidas no além túmulo é um recurso psicológico - que se acredita inválido - para desmotivar o suicídio. Tal como a condenação eterna, seria um recurso para "assustar criancinhas". Ingenuamente creem eles, em suas visão materialista, que o ser não sobrevive e, portanto, não há porque se preocupar com isso. Como já dissemos antes, o materialismo não tem como frear o impulso suicida, sendo na verdade um potencializador dele, porque sua principal motivação é a falta de fé no futuro e a crença errônea de que a morte é o fim do ser. O Espiritismo, ao abrir um canal com os mortos - antes considerado proibido ou inaceitável por algumas religiões - permite conhecer em detalhes o estado da vida futura, conforme os atos previamente cometidos. Trata-se, portanto, de uma extensão dos casos das sequelas dos suicídios frustrados em estado desencarnado. 

Não mais nosso estado presente de compreensão se baseará em antigas tradições ou crenças, mas na comprovação e nas evidências - que ainda não são universalmente aceitas por razões alheias aos fatos. É um novo mundo que se abre, permitindo o planejamento de nossas vidas pelo conhecimento das consequências finais dos erros alheios. A certeza na continuidade abranda as dores do agora e permite que o suicídio deixe de ser considerado como solução final. O suicídio é, acima de tudo, um problema de saúde espiritual e como tal deve ser tratado.

Agradecimento.

Agradeço a Eliana Ferrer Haddad (Correio Fraterno) pela sugestão do tema.

Referências

(1) A. Trigueiro (2015). Viver é a melhor opção - a prevenção do suicídio no Brasil e no mundo. 1a Ed. Editora Correio Fraterno.

(2) Ver: Alguns pontos sobre a visão espírita do suicídio assistido.

(3) Religious views on suicide. Em http://en.wikipedia.org/wiki/Religious_views_on_suicide (acesso em junho de 2015). Em português sobre o suicídio há http://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio. Ver também:
(4) Jewish views on suicide. Em http://en.wikipedia.org/wiki/Jewish_views_on_suicide

(5) Catechism of the Catholic Church.
(6) Ver http://www.atruechurch.info/lutheransuicide.htm (acesso em junho de 2015). Original:
"Assuredly we would not wish to judge anyone who resorts to self-destruction. It is impossible for us to plumb the depths of gloom into which even Christian people may sink and irresponsibly lay unholy hands upon themselves. Perhaps the Lord will not hold them responsible, but we do not know." (What's the Answer, CPH, 1960, p. 144).
(7) http://renatovargens.blogspot.com.br/2013/11/os-evangelicos-e-o-suicidio.html

(8) What Does Islam Say On Suicide & Its Punishment? Ver: http://www.onislam.net/english/ask-about-islam/islam-and-the-world/worldview/166359-suicide-an-islamic-prespective.html (Acesso em junho de 2015). Versão original:
"Here we can only state what Islam says about suicide as an act. Yet, we cannot always judge a specific case of suicide because we never know what Allah knows about the state of the doer the moment he/she commits it. A person who seems to have thrown himself down from the balcony might have fell by accident, while we don’t know it. So, we are never to judge and we leave the final judgment of each case for the Creator, Who definitely knows better." 
(9) http://www.hinduwebsite.com/hinduism/h_suicide.asp (Acesso Junho de 2015)

(10) Sati: http://en.wikipedia.org/wiki/Sati_(practice)

(11) "Suicide rates Data by country". World Health Organization. 2012. Retrieved 13 June 2015

(12) ENInews (2011) Japanese religious bodies discuss suicide and 'voluntary death'. Em http://www.ekklesia.co.uk/node/15647

(13) F. C. Xavier e C. Ramacciotti (1982). "Entes queridos". Ed. GEEM.