5 de julho de 2012

A descoberta de um novo bóson: em direção a uma causa primária no Universo.

Imagem fornecida pelo CERN que mostra o decaimento de um novo bóson em um par de fótons (linhas amarelas e verdes)

Foi com grande comemoração que o CERN (Laboratório Europeu de Pesquisas Nucleares) anunciou a descoberta de uma nova partícula, resultado de um investimento bilionário em equipamentos e recursos humanos na forma de um laboratório de colisão de partículas, o LHC (grande colisor de hádrons). A assim chamada 'partícula de Deus' - ou bóson de Higgs - ganha um novo ímpeto, embora não se possa afirmar ainda (dadas as exigências típicas da linguagem da teoria que sustenta a descoberta) e contrariamente ao que é noticiado pela mídia, que a partícula de Higgs tenha finalmente sido descoberta.

Nem se trata do primeiro evento da espécie: em 1983 foi anunciada a descoberta dos chamados 'bósons vetoriais' W e Z que são resultado de predições teóricas de Weinberg, Salam, e Glashow em 1979. Ao se aumentar a energia de colisão através de um novo dispositivo experimental, as chances de descoberta de novas partículas aumenta. A história da física de partículas é, de certa forma, uma escalada de investimentos em direção a maiores energias de colisão. No caso do LHC a descoberta era praticamente uma 'obrigação' do laboratório, dada a ordem de grandeza dos investimentos realizados.

Um campo de força que permeia todo o Universo.

O nome 'partícula de Deus' teve origem na mídia. O nome não é resultado de qualquer consenso entre cientistas a respeito de Deus e sua relação com a nova partícula, é importante lembrar isso. Como já dissemos anteriormente (1), a física moderna (assim como toda a Ciência) prescinde da ideia de Deus em suas teorias porque a Ciência busca apenas as causas diretamente ligadas aos fenômenos (que chamamos de 'causas secundárias'). 

Se entendermos essa 'causa primária' como a origem de tudo, não é totalmente incorreto dizer que se está, de certa forma, a procura de Deus, embora, para a Ciência contemporânea, essa noção de Deus não se confunda com nenhuma proposta das religiões, muito menos com aquelas que pregam que Deus é uma pessoa, que ele tenha atributos humanos etc (1).

Uma dessas causas secundárias - na linguagem ultra especializada das teorias modernas de física de partículas - seria o chamado 'campo de Higgs'. Até o momento, descreve-se a existência de tudo o que é 'oficialmente' reconhecido como tendo origem em 4 forças fundamentais: a força (nuclear) forte, a força (nuclear) fraca, a força gravitacional e a força eletromagnética. Por que 4 forças? Essa aparente multiplicidade de 'causas' não agrada muito a físicos teóricos que tentam uma 'unificação'. O desafio é explicar a partir de primeiros princípios como todas essas forças se originaram em algum momento do tempo (dai a relação que a física de partículas tem com a cosmologia) de forma que apenas uma causa 'primária' e 'única' seja referenciada. O campo de Higgs é apenas um dos estágios da proposta geral de unificação. 

Por outro lado, a ideia de se unificar as 4 forças se baseia na crença de que apenas aquilo que é 'oficialmente' aceito, de fato, é a única coisa que existe no Universo. Como o Universo é muito grande (não só em tamanho e idade, mas também em multiplicidade de causas), é possível que novas e excitantes descobertas venham mudar nossa compreensão da física no futuro.

Em busca da origem da matéria

De onde vem a matéria? Para saber isso é necessário saber primeiro do que ela é formada. Aprendemos na escola que ela e composta de partículas elementares (os chamados 'núcleons'), prótons, nêutrons e elétrons. Se isso fosse tudo, bastaria conhecer a origem desse núcleons para conhecer a origem da matéria. Entretanto, tais partículas podem sofrer transformações (nucleares) entre si. Assim, do 'decaimento beta' sabe-se que um próton pode se transformar em um nêutron e um elétron e mais outra partícula (o neutrino). Essas transmutações de partículas (há 'processos inversos' que geram nêutrons a partir de prótons e elétrons, bem como um verdadeiro zoológico de partículas elementares) mostram que os ingredientes que formam a matéria considerada tangível e sólida são, na verdade, estados quânticos de objetos ainda mais elementares. A 'teoria de tudo' que unificaria as 4 forças tem então que lidar com hipóteses e assunções para objetos intangíveis, indetectáveis ou detectáveis indiretamente que formariam os núcleons e outras partículas.


Na linguagem da teoria aceita atualmente, há um campo generalizado que permeia todo o Universo. Por que um campo? Desde que a física quântica surgiu, não se pode mais prescrever ou limitar no espaço a existência de uma partícula (um estado quântico), portanto, os ingredientes que formam a matéria tem mais a ver com 'campos' (propriedades especiais que diferenciam o espaço em determinadas regiões de outras) do que com coisas localizadas no espaço (lembramos que a própria luz ou fóton exibe propriedades de 'partícula' e 'campo' ao mesmo tempo, a chamada 'dualidade onda-partícula'). 

É importante lembrar que há inúmeros 'mecanismos' ou 'vias' através das quais se poderia explicar a existência da descoberta feita pelo LHC. A física de partícula tem recebido contribuição de muitas teorias diferentes, fundamentadas em princípios diversos e não apenas no chamado 'modelo padrão' (Moreira, 2009). Até o momento, a confirmação da existência de uma partícula massiva como o bóson anunciado em 4 de Julho de 2012 apenas aponta para a necessidade de mais recursos e investimentos para a continuação das investigações, dando algum fôlego para que os teóricos do 'modelo padrão' se sintam reconfortados em saber que os esforços feitos até o momento no desenvolvimento desse modelo não foram em vão. 

Entretanto, não se pode deixar de reconhecer que é um passo adiante em direção à causa primária que deu origem a tudo que existe no Universo.

Notas

(1) Ver: 
Referências

1 de julho de 2012

Crenças Céticas XX - Como refutar qualquer coisa (Texto de Daniel Drasin) 2

"Torne equivalente o conhecimento aprofundado de um assunto não ortodoxo com uma opinião tendenciosa a favor dele. Então, tomando a si próprio como exemplo, afirme que somente a um ignorante completo pode ser confiada uma análise não tendenciosa." (D. Drasin)

Continuamos aqui a tradução adaptada e comentada do excelente texto de Daniel Drasin "Zen ... and the Art of Debunkery". Já discutimos anteriormente em vários posts da série "Crenças Céticas" o comportamento de céticos e auto-proclamados defensores da razão que se colocam contra a ocorrência de fenômenos considerados anômalos. Dentre esses, fatos psíquicos e mediúnicos estão frequentemente sob ataque, razão porque achamos instrutivo ler o que Drasin já afirmou sobre o assunto. Nesta continuação, Drasin se concentra no comportamento dos céticos dogmáticos diante de quaisquer evidências que sejam apresentadas a favor de um fenômeno considerado 'anômalo'.

Como sempre, o que está em azul é a tradução do texto apresentado. Meus comentários estão referenciados  abaixo.

Liberando as regras da evidência
  1. Quando uma anomalia acontecer, evite examinar a evidência real; recuse-se terminantemente acompanhar os proponentes a seus laboratórios ou aos locais da ocorrência. Isso permitirá a você dizer impunimente: “Nunca vi evidência alguma que apoie tais afirmações ridículas!” (note que essa técnica tem sobrevivido ao teste do tempo e remonta, pelo menos, à época de Galileu. Simplesmente recusando-se a observar pelo telescópio, autoridades eclesiásticas garantiram à Igreja mais de três séculos de negativas sistemáticas!);
  2. Tendo uma vez se negado a examinar a evidência, salve as aparências garantido a seus opositores que, você ‘certamente adoraria ter sido tomado como um grande defensor de tais fenômenos fantásticos e, então, por quê, afinal de contas, você se recusaria a examinar qualquer evidência?’ 
  3. Se examinar a evidência for algo que você não puder escapar, simplesmente diga que ‘não há nada novo aqui!’. Se confrontado com um corpo sustentável de evidências que tenha sobrevivido a testes rigorosos, descarte tudo prontamente como sendo ‘muito fraco’; 
  4. Negue a possibilidade de existência de fenômenos para os quais nenhuma explicação tenha sido data. Ignore contra exemplos tais como a existência de doenças antes da descoberta de micróbios, a produção gigantesca de energia pelo sol antes da descoberta da fusão nuclear e a persistência sistemática da gravidade a despeito de nossa sistemática ignorância em compreendê-la; 
  5. Com ar de desdém, afirme que ‘a maioria dos cientistas considera tais afirmações como bobagens!’, o que implica que você pesquisou a opinião de 51% dos cientistas e achou que elas estão de acordo com o seu próprio ponto de vista; 
  6. Convença o mundo de sua própria onisciência declarando que ‘não há evidência para X!’, já que, é óbvio, somente alguém que saiba tudo pode afirmar que não há evidência para X no Universo; 
  7. Argumente que ‘algumas coisas são possíveis, mas improváveis!’, embora saber tudo o que é ou não provável demande conhecimento completo de quaisquer dimensões de realidade no Universo e além dele; 
  8. Se um opositor sistemático manifestar o desejo de examinar uma afirmação anômala em profundidade, simplesmente acuse-o de ‘abandonar sua objetividade’; 
  9. Torne equivalente o conhecimento aprofundado de um assunto não ortodoxo com uma opinião tendenciosa a favor dele. Então, tomando a si próprio como exemplo, afirme que somente a um ignorante completo pode ser confiada uma análise não tendenciosa; 
  10. Já que o público de forma geral não sabe a distinção entre evidência e prova, esforce-se ao máximo para manter essa ignorância. Se prova absoluta não estiver disponível, afirme categoricamente que ‘não há evidência!’. 
  11. Quando confrontado com montanhas de dados a favor de uma anomalia, simplesmente afirme que ‘já que a probabilidade dela ser verdadeira é zero, seria necessária uma quantidade infinita de dados para prová-la!’; 
  12. Se evidência suficiente for apresentada para garantir quaisquer investigações adicionais de um fenômeno não usual, argumente que ‘só a evidência não prova nada!’. Ignore o fato de que não se assume de forma geral que uma evidência preliminar deva provar qualquer coisa; 
  13. Louve publicamente os céticos que inventaram o critério da ‘prova absoluta’, isto é, que prova insofismável deve ser obtida antes que qualquer afirmação não ortodoxa ganhe respeitabilidade para ser discutida seriamente (o que, convenhamos, é uma jogada brilhante, porque, na prática, ‘prova’ é uma questão de consenso científico. Portanto, um fenômeno marginalizado jamais poderá ser ‘provado’!); 
  14. Se quantidades copiosas de evidência documental para uma afirmação não ortodoxa for apresentada, reduza sua importância dizendo: ‘são apenas palavras colocas em papel, não há razão para levar nada a sério!’; 
  15. Exija que a prova venha antes da evidência. Isso eliminará a possibilidade de se iniciar qualquer processo relevante de investigação, particularmente se nenhum critério de prova tiver sido estabelecido para o fenômeno em questão; 
  16. Insista que um critério de prova não poderá possivelmente ser estabelecido para fenômenos que não existem! 
  17. Embora a ciência não tolere padrões vagos ou dúbios, sempre insista que fenômenos não convencionais devam ser julgados por conjunto de regras científicas distintas e mal definidas. Faça isso declarando que ‘afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias!’, com o cuidado de nunca especificar onde o ‘ordinário’ termina e o ‘extraordinário’ começa ou indicar quem quer que seja para fazer tal separação. Isso permitirá a você fabricar um horizonte eternamente distante que manterá as ‘evidências extraordinárias’ fora de alcance a qualquer época. 
  18. Da mesma forma, insista em classes de evidência que são impossíveis de se obter. Por exemplo, declare que fenômenos aéreos não identificados podem ser considerados reais somente se eles puderem ser trazidos para laboratórios para que sejam analisados, a fim de se levantar suas propriedades físicas. Desconsidere as realizações das ciências inferenciais – astronomia, por exemplo – que não exige que planetas, galáxias e buracos negros sejam trazidos para o laboratório para que sejam estudados; 
  19. A qualquer oportunidade, reforce a ideia de que familiaridade é igual à racionalidade. O não familiar é, portanto, igual ao irracional e, consequentemente, inadmissível; 
  20. “A navalha de Occam” ou o “princípio da parcimônia” diz que a explicação correta de um mistério envolve os princípios fundamentais mais simples. Insista, portanto, que a explicação mais familiar é, por definição, a mais simples! Afirme com força que a navalha de Occam não é simplesmente uma ferramenta filosófica que pode cortar qualquer coisa sobre a qual se aplique, mas uma lei imutável que existe para garantir o seu ponto de vista; 
  21. Torne equivalente a falta de evidência sólida, familiar ou óbvia com prova de não existência. Despreze o fato de que muitos fenômenos transientes (a passagem de um pássaro, a brisa, ondas de rádio, luz...) existem de forma demonstrável sem deixarem evidências colecionáveis como souvenir, e que muitas coisas podem existir sem deixarem evidência a seu favor, que podem ser constantemente  ignoradas ou exigir interpretação; 
  22. Decrete que o que existe fora do arcabouço científico presente ‘não pode existir’. Como evidência para o que ‘não pode existir’ não pode, por sua vez, também existir, declare que aplicação do processo de investigação nesses casos é uma atividade inútil; 
  23. A gosto, repita a frase-clichê absurda: ‘não acredite em nenhuma evidência que não tenha sido confirmada pela teoria!’;
Comentários

1, 3, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 21,22 - Isso contribui para tornar as evidências impopulares. A falta de disseminação do conhecimento a respeito de uma ocorrência natural é um dos principais fatores para o atraso no seu desenvolvimento científico.

4 - Consequência da crença popular de que a ciência detém conhecimento completo e finalizado a respeito de qualquer coisa e que esse conhecimento é suficiente para explicar qualquer outra ocorrência natural. Portanto, crê-se também que aquilo que não tem 'explicação' não existe de fato.

6 e 7 - O Universo é infinito não só em dimensão espacial mas em variedade e multiplicidade de fenômenos e causas. Dessa forma, a chance de alguém prever corretamente aquilo que pode existir ou não neste Universo, baseado no conhecimento presente em qualquer época, sempre será nula. 

9 - Em ciência, quanto maior o conhecimento adquirido sobre um determinado fenômeno ou teoria, tanto maior a chance de desenvolvimento e novas descobertas a respeito do objeto de estudo dessa ciência. O mesmo ocorre com ocorrências anômalas. Entretanto, o ceticismo dogmático deliberadamente confunde qualquer conhecimento aprofundado sobre essas ocorrências com uma opinião considerada 'tendenciosa' ou 'não isenta' das mesmas. Dessa forma, o desenvolvimento científico a respeito das anomalias é severamente prejudicado, já que seu estudo não deve, segundo esses críticos, seguir o mesmo método dos objetos de pesquisa das ciências comuns.


18 - O indutivismo ingênua acredita que só pode existir ciência onde for possível teste de laboratório ou controles rígidos. Apenas uma parte da ciência contemporânea existiria se esse critério fosse aplicado indiscriminadamente. Nas mãos dos céticos dogmáticos, esse simplificação extrema do método científico torna-se uma arma para desqualificar evidências 'colhidas de passagem'.  

20 - O princípio de Occam : "Pluralitas non est ponenda sine neccesitate" (Gibbs, 1996), ou 'princípios não devem ser multiplicados desnecessariamente'. De forma simples: ao se ter duas teorias rivais para explicar um mesmo fenômeno, aquela que invocar o menor número de princípios ou leis complementares deve ser escolhida. Isso, de forma alguma significa que, na explicação de fenômenos anômalos (por exemplo, ocorrências psíquicas) a 'explicação mais simples' na cabeça de alguns, i. e., a hipótese de fraude ou explicações 'naturalistas', deva ser escolhida. Mas é isso que ocorre frequentemente em debates com o ceticismo. O assunto merece por si só um post dedicado.

23 - A frase realmente é um clichê. Ela só se aplica a fenômenos para os quais existam teorias bem desenvolvidas e maduras (por exemplo, na diversas ciências naturais, química, física, biologia).  

Referências

Crenças Céticas XX - Como refutar qualquer coisa, parte (texto de D. Drasin) 1.
Sobre a navalha de Occam ver: Phil Gibbs (1996). What is Occam's Razor?