11 de dezembro de 2010

Crenças Céticas VII - A vida além da vida e a necessidade de uma nova Ciência.


Vimos anteriormente que, para que haja Ciência, são necessárias ao menos três coisas: um objeto de estudo, uma linguagem e um método. O pseudoceticismo, em geral, invoca a autoridade da Ciência para si para desqualificar determinadas afirmações sobre o mundo, justamente aquelas que não se alinham com as crenças pseudocéticas.

Vejamos uma afirmação clássica do pseudoceticismo:
A Ciência não comprova a existência de vida depois da morte. A Ciência não comprova a existência de Espíritos.
Qual o significado aqui da palavra 'Ciência'? Em quase todas as discussões que vemos sobre o assunto, parece que podemos interpretar 'Ciência' como o corpo de pesquisadores, o conjunto de cientistas, a opinião de técnicos ou especialistas em assuntos considerados científicos. Se este for o caso, já vimos anteriormente que a opinião dos cientistas não pode ser tomada como autoridade, principalmente no que diz respeito àquilo que foge à especialidade deles. Se não, vejamos:

Qual pode ser o 'objeto de estudo' dessa ciência que desaprova a vida além da vida? Será que a ciência contemporânea, entendida como opinião dos cientistas, tem se debruçado sobre essa questão específica que é negada pelos céticos? A resposta é claramente um não, uma vez que a comunidade científica tem coisas muito bem definidas - objetos de estudo específico - com que se ocupar.

Mas não podemos interpretar como 'comunidade de cientistas' a palavra 'Ciência' na afirmação em análise, mas sim esta como o corpo de conhecimento, sem apelo algum à autoridade de seus principais executores e responsáveis.

Nesse caso, somos obrigados a apontar o objeto de estudo, o método e a linguagem que seriam responsáveis por tal negação... Onde, na ciência contemporânea poderemos encontrar isso? Que ramo da Física, Astronomia, Biologia, Química poderia ser invocado para afirmar que, de fato, inexiste vida após a morte?

Muitos céticos dizem que é isso que vemos ocorrer todos os dias quando animais são mortos ou pessoas deixam a vida em hospitais. Não há evidências - repetem eles - diante de um corpo inanimado, que nunca mais demonstrará nenhum sinal de vida após os momentos derradeiros, de qualquer coisa além. Fisiologistas e bioquímicos de renome poderiam ser invocados para descrever os processos celulares internos que ocorrem após a morte de tecidos biológicos, neurofisiologistas poderiam enfileirar imagens de tomográficas mostrando o apagar das luzes na massa encefálica e chegaríamos realmente a formar uma imagem completa da morte?

Sobre as consequências dela para o corpo: sim, o corpo, eis aqui o objeto de estudo que procurávamos. Aqui há ciência positiva, há uma linguagem descritiva e há um método de pesquisa muito bom. Mas será que isso nos autoriza a dar o passo que permite negar a afirmação que analisamos? Será que não estão fazendo como o Cardeal Bellarmino - do caso Galileu - que afirmou não existir evidências diante de uma Terra que parecia bem fixa, imóvel, e do movimento do Sol, todos os dias a se levantar a leste e se por a oeste?

Ao se tentar ir além, afirmarão: isso é metafísica...Mesmo sem saber o significado dessa palavra, aprenderam sua conotação negativa. O problema aqui é simples: trata-se de uma deficiência na compreensão da existência de uma multiplicidade de objetos de estudos no mundo em que vivemos. Se não se reconhece a existência de um determinado objeto de estudo, não pode haver Ciência. Mas o que fazer para que a questão não se prenda às fronteiras da mera especulação metafísica? O fato de eles, os céticos (veja que não estou me referindo aos pseudocéticos, mas aos céticos bem intencionados), não se darem ao trabalho de buscar, pesquisar e procurar.  Muitos céticos não sabem que a Natureza oculta muito bem os seus segredos. Mas uma das coisas que a nova visão do mundo revela pela Ciência é que existem muitos objetos de estudo que não sensibilizam diretamente nossos sentidos.

Tomemos o exemplo do vírus (figura abaixo) e façamos o exercício mental de nos colocar em uma época onde microscópios eletrônicos não estavam disponíveis. Hoje é  fácil acreditar na existência desses seres. Eles foram 'revelados' pela Ciência e são a causa de muitas patologias. Mas, ao dizer isso, estamos numa posição privilegiada. Há razões para acreditarmos que, no que diz respeito à continuidade da vida além da vida, não detemos tantos privilégios.

Imagem do vírus da gripe espanhola. Se microscópios eletrônicos não estivessem disponíveis, como poderíamos ter 'evidências' sobre a existência desses seres microscópicos? Hoje, estamos numa situação privilegiada em relação ao conhecimento da existência desses seres,  mas o mesmo não é verdade com muitas outras proposições a respeito do Universo.
Se não conseguem 'encontrar' o Espírito, sede da consciência, é porque dele formaram uma ideia errada. Usam concepção arcaica, antiga, de uma época quando nosso conhecimento do mundo era muito pequeno, tão pequeno que ainda nos julgávamos no centro dele. Como se recusam a postular a existência de um novo objeto de estudo, não podem aceitar novos fatos, não podem ir além.

Entretanto... ela se move! afirmaria Galileu. Precisamos de uma nova ciência para nos revelar nosso futuro. Novos Galileus, novos Newtons e novos Laplaces deverão se debruçar sobre esse novo tema, a fim de descobrir suas leis, desenvolver uma nova linguagem e um novo método. Essa será o principal tema da Ciência do futuro.

7 de dezembro de 2010

Crenças Céticas VI - Noções populares de Ciência


Uma coisa que aprendi em minha vida é que toda nossa Ciência, se comparada à realidade, é primitiva e infantil. Mas, mesmo assim, é coisa mais preciosa que temos. A. Einstein.

O público em geral tem várias opiniões formadas sobre o que é Ciência. Isso é importante já que a Ciência substituiu a autoridade religiosa em nosso tempo. Nada há mais bem conceituado hoje em dia do que essa autoridade da Ciência. Entretanto, como seria possível descrever corretamente o conhecimento científico? Será que a Ciência se limita apenas ao conhecimento que está disponível na forma de livros científicos ou artigos?

Aqui descrevo o meu ponto de vista, sem entrar em detalhes complexos que o leitor pode encontrar ao buscar por suporte em algum livro de Epistemologia da Ciência. Essa área da Filosofia foi justamente criada para tratar esses problemas . No que segue não exporei nada sobre as principais teorias do conhecimento, mas discuto precariamente o que aprendi na minha vivência como cientista.

Nosso objetivo aqui é discutir posteriormente essas ideias e as novas proposições de pesquisa dos fenômenos psíquicos, bem como o caráter científico das teorias que se aventaram para os explicar. 

Elementos da Ciência

Para que haja Ciência (note que escrevo essa palavra com letra maiúscula) são necessários, ao meu ver, 3 ingredientes:

Objeto de estudo.: É o objeto, coisa física ou não sobre a qual as teorias e explicações científicas irão versar. Por exemplo,  há uma ciência que estuda átomos e suas relações ou interações, há outra que estuda os fenômenos climáticos etc. A Ciência, para existir, tem que ter definido um objeto de estudo. A questão do objeto de estudo é especialmente crítica, uma vez que, por não se reconhecer a existência de outros objetos além dos que já são conhecidos em uma determinada época, é impossível estabelecer a Ciência.

Linguagem: É a maneira como a Ciência fará suas proposições sobre o objeto de estudo. No caso feliz da Física (ou mesmo da Química), essa linguagem é essencialmente matemática, ou seja, utiliza abstrações lógicas, construções abstratas e teoremas envolvendo essas construções. Há muita gente que acha de forma incorreta que, se o conhecimento científico não puder ser colocado na forma de proposições que se reduzem a números, não há Ciência. Isso é um erro grave, já que as coisas são justamente assim na Física por uma peculiaridade do objeto de estudo. Com outros objetos (por exemplo, seres vivos), o conhecimento científico se estabelece sem recorrer a manipulações numéricas ou teoremas. É importante entender que o objetivo da Ciência é gerar informação que seja útil para a sociedade, sendo que a 'utilidade' dessa informação não pode ser julgada com base em ideias preconcebidas como imaginar que o que é útil amanhã é o mesmo que é útil hoje. A pesquisa científica inovadora e sem limites deve ser fomentada justamente porque é difícil prever as consequências do conhecimento científico.

Método: aqui nos deparamos com algo mais delicado, fonte de inúmeras confusões. O método (assim como a linguagem) não pode ser definido de forma independente do objeto de estudo e da linguagem. Há pessoas (inclusive vários acadêmicos) que acham ser possível estabelecer um método geral para fazer ciência independente do objeto de estudo. Essa crença é resultadode uma visão parcial e deficiente a respeito da maneira como a Ciência operou e se desenvolveu ao longo da história. O método ou processo de se fazer Ciência é altamente dependente do objeto de estudo e da linguagem, ou seja, das teorias científicas que são levantadas preliminarmente para se estudar o objeto de estudo. Ou seja, dependendo da explicação ou hipótese levantada para explicar a origem ou fonte de um determinado fenômeno, um método de investigação diferente deverá ser implementado.

Há muitas pessoas que acham que o método científico é a fonte do conhecimento genuinamente científico - e, portanto, genuinamente verdadeiro. Acreditam que o conhecimento pode ser adquirido através de um conjunto de passos que se inicia com uma evidência, se amontoam ou adicionam outros próximos e, de evidência em evidência, se chega à verdade. O ceticismo dogmático confere grande importância às evidências justamente porque se apoia nessa noção muito popular de se fazer Ciência. Essa ideia é problemática porque, muitas vezes, considerações sobre os objetos de estudo e linguagem não são levados em consideração. Efeitos com origem em determinadas causas são confundidos com outros efeitos que tem natureza conhecida. Acredita-se que um determinado fenômeno deve ser enquadrado dentro da perspectiva de outros conhecidos, com linguagem própria.

Antes do Século XX, a comunidade acadêmica achava que meteoritos eram
pedras lançadas durante erupções de vulcões distantes.

Um exemplo típico dessa visão foram as primeiras teorias sobre quedas de pedras (meteoritos) do céu. A comunidade científica até a época de Arago (1786-1853), não acreditava que pedras poderiam cair do céu. Portanto, as que eram observadas caindo só poderiam provir de erupções vulcânicas distantes, caso os relatos fossem considerados verídicos. Achava-se que vulcões tinham força suficiente para erger monolitos inteiros a centenas de quilômetros de distância. Nenhuma evidência nessa caso foi suficiente para convencer o contrário. Por que isso ocorreu? A explicação mais plausível - frequentemente chamada pelo ceticismo dogmático de 'navalha de Occam' - não exigia que pedras viessem de fora da Terra, mas era suficiente imaginar que voariam com as explosões, pois muitas pedras foram observadas voando nas proximidades de vulcões em erupção.

Ou seja, existiam evidências fortes para a teoria amplamente aceita na época. As evidências mudaram depois que se observou que a maior parte das pedras que cairam tinham um composição característica, diferente daquelas ligadas a erupções vulcânicas. Um estudo muito mais meticuloso foi necessário para comprovar a 'evidência extraordinária' para a queda de pedras do céu. Obviamente que a mera observação dessas ocorrências - testemunhadas por qualquer indivíduo desde o início da civilização - não era considerada evidência extraordinária.

Esse exemplo tirado da História mostra que Ciência não começa com acumulo de evidências e fatos, já que as evidências e os fatos devem ser interpretados para serem aceitos. E a interpretação dos fatos não depende deles mesmos, mas do que está dentro da cabeça das pessoas. Logo a Ciência é uma construção humana, cultural e não algo independente de considerações humanas. 

Ciência fértil ocorre quando há uma interação fértil entre as noções de objeto de estudo, linguagem e método. Entretanto, só isso não é suficiente. Os resultados devem estar disponíveis publicamente. Como sempre ocorre às vezes, as consequências (ou efeitos) são tomadas pelas causas, a ponto de ser bastante comum se confurndir conhecimento científico com conhecimento acadêmico. Não é o conhecimento acadêmico aquele que está publicamente disponível e que foi analisado por um método próprio de análise por consultores independentes etc?

Não há espaço aqui para criar uma disputa sobre as vantagens e desvantagens do método de publicações ou 'análise por pares'. Nosso interesse é na idéia ou concepção de Ciência. Há verdadeira Ciência quando as causas dos fenômenos recebem explicação satisfatória, esteja ela ou não publicamente disponível na forma de publicações acadêmicas. Seja ela aceita ou não. No que segue iremos analisar esse ponto que gera outro tipo de confusão.