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1 de março de 2020

O sistema de Sírius segundo Emmanuel

Representação do Cão Maior superimposta ao mapa Stellarium. Sírius é a estrela mais brilhante do céu.

(...) Pouco depois, ei-la que aporta em portentosa esfera, inconfundível em magnificência e grandeza. O espetáculo maravilhoso de suas perspectivas excedia a tudo que pudesse caracterizar a beleza no sentido humano. A sagrada visão do conjunto permanecia muito além da famosa cidade dos santos, idealizada pelos pensadores do Cristianismo. Três sóis rutilantes despejavam no solo arminhoso oceanos de luz mirífica, em cambiâncias inéditas, como lampadários celestes acesos para edênico festim de gênios imortais. (...) Ao crepúsculo, quando se despediam no espaço os raios dos três sóis diferentes, em deslumbramento de cores, Alcione reuniu-se a numeroso grupo de amigos e orou com fervor, suplicando as bênçãos do Pai misericordioso. O firmamento enchia-se de claridades policrômicas e deslumbrantes. Satélites de prodigiosa beleza começavam a surgir na imensidade, envolvendo a paisagem divina num oceano de luz. (Emmanuel, "Renúncia", ver [1])

É comum encontrar descrições de sistemas astronômicos em mensagens mediúnicas.  Camille Flammarion, por exemplo, descreve um relato de A. Aksakof de que um médium teria feito revelações em 1859 sobre a existência de dois satélites em Marte [2], 18 anos antes da descoberta. Outros exemplos de descrições já foram abordadas neste blog [3]. Diante das dificuldades em se confirmar tais previsões, ressaltamos a cautela que devemos ter na sua interpretação. Isso porque o contexto ou ambiente não é aquele dos olhos terrenos, mas a impressão dos Espíritos. Muitas vezes, a descrição é embelezada pelo lirismo que o autor espiritual, pelo filtro mediúnico, pretende conferir às palavras, o que pode não corresponder exatamente à intenção do autor. De qualquer forma, teoricamente, os Espíritos (superiores) podem produzir descrições de objetos ainda inacessíveis a observatórios terrestres.

Tal é o caso da descrição que abre este post. Foi colhida do livro Renúncia e antecede o Capítulo II, que, como narrativa, tem seu início no ano de 1662. O autor espiritual, Emmanuel, conhecido guia de F. C. Xavier descreve o sistema estelar de Sírius ou a "estrela do cão" (ou α  Canis Majoris) como é conhecida na Terra. Os personagens principais de Renúncia são Pólux e Alcíone. Alcíone, um Espírito superior habitante do sistema de Sírius, visita alguma região inferior do Plano Espiritual para consolar e advertir um outro espírito (Pólux) a quem ela está ligada por laços afetivos. Uma vez que Pólux estava em um plano de vida inferior, não percebe a aproximação de Alcíone. Pólux, com intensas saudades dela, começa a orar e pede que seja concedida a oportunidade de se encontrar e ouvir Alcíone. Depois de confortar e orientar Pólux, Alcíone retorna ao sistema de Sírius. Tal como no caso relatado em [3], trata-se de uma descrição do Mundo Espiritual. 

A evolução de nosso conhecimento sobre Sírius

Até 1846, o nosso Sistema Solar somente ia até Urano. Nesse ano (1846), foi descoberto Netuno [4]. Plutão não era conhecido até 1930. Em 1992, um corpo foi o primeiro objeto transnetuniano descoberto depois de Plutão. Sem falar de novidades da sonda espacial New Horizons, em 2015. Então, usando de uma expressão coloquial, “se dentro do nosso quintal" ainda estamos detectando novos corpos, imaginemos no Sistema de Sírius, distante 8 anos-luz da Terra?

Novidades, de fato, vieram com o desenvolvimento de inúmeras técnicas mais recentes de detecção de planetas em outros sistemas estelares, a partir de uma primeira descoberta de um planeta a orbitar uma estrela da sequência principal, feita em 1995 [5]. Essa técnica tornou-se quase que uma área independente na Astronomia [6]. Hoje contamos com uma coleção de muitos exoplanetas conhecidos [7]. 

Há diversos trabalhos acadêmicos que propõem o caráter triplo de Sírius [8,9]. A estrela principal (chamada Sírius A) foi descrita como contendo uma companheira - claramente visível em telescópios, mesmo que amadores - chamada 'Sírius B'. A descoberta de Sírius B ocorreu em 1862 e foi realizada pelo fabricante de telescópios Alvan Clark e seu filho. Essa companheira é uma estrela muito pequena (do tipo 'anã branca') e orbita a principal com período de aproximadamente 50 anos. De fato, Sírius B é descrita como a mais brilhante anã-branca visivel. Ao longo do tempo reportaram-se irregularidades no movimento de Sírius B que foram creditados à existência de um terceiro corpo. Parece que tal corpo, em alguma época anterior foi observado, mas não conclusivamente descoberto.

Concepção artística moderna de um planeta em um sistema estelar triplo.
Em artigo recente [9], os autores discutem a possibilidade de observação desse terceiro corpo com base em medidas tomadas com o telescópio espacial Hubble. Uma conclusão preliminar (não inteiramente absoluta) descarta tal corpo dentro de um intervalo de massa específico. Esse descarte, é importante ressaltar, é feito para um intervalo de massa, o que implica que, corpos com pequena massa (ainda que emitindo luz, tal como as 'anãs marrons') poderiam existir. É importante lembrar que, dado o brilho intenso de Sírius A, a observação do sistema inteiro, inclusive um terceiro corpo, é bastante difícil. 

Uma 'anã marrom' é uma estrela de pequena massa que emite pouca luz visível e uma quantidade muito grande de infravermelho. Aos olhos humanos, uma anã marrom, se existir no sistema de Sírius, seria observada como uma estrela de cor magenta, desde que o observador estivesse bem próximo do sistema. O céu de um planeta que orbitasse uma das estrelas do sistema de Sírius, seria composto de três sois: Sírius A (o principal que dominaria o brilho do céu), Sírius B (a anã branca, menos luminosa e branca) e o ainda-a-ser-descoberto Sírius C de cor rosa-avermelhada, consideravelmente menos brilhante. O brilho relativo dessas estrela como visto desde o planeta dependeria da sua posição nesse no sistema triplo.

É interessante considerar que apenas recentemente as anãs-marrons foram propostas e descobertas como objetos que preenchem a lacuna entre as estrelas e os grandes planetas como Júpiter. Uma anã-marrom pode produzir luz por fusão de Deutério [16]. Entretanto, o pico de sua emissão de energia está no infravermelho que, como radiação eletromagnética, pode ser aparente aos Espíritos como luz.

Entretanto, a observação de um corpo desse tipo, desde a Terra, seria muito difícil, dada a distância e sua pequena luminosidade. A linha de investigação de um terceiro corpo ao redor de Sirius B é promissora, no sentido de que se prevê que o excesso de infravermelho observado com estrelas anãs-brancas seja explicável [10,11] como produzido por uma companheira muito mais débil como uma anã-marrom ou por um disco de poeira. Um trabalho científico de 2008 (ver [12]) parece ter detectado um excesso de infravermelho ao redor de Sírius B que pode ser interpretado como evidência da existência de uma companheira no limite inferior de estrelas do tipo 'anãs-marrons'. Em [9] é discutido, no limite de erro do Hubble, que uma estrela desse tipo poderia existir de forma estável tanto ao redor de Sírius A como de Sírius B. Não se esgotam em [9] outras possibilidades de  órbitas estáveis, já que esse trabalho seguiu uma linha particular de investigação no sistema restrito de três corpos. 

A narrativa dos Dogons

Ainda sobre Sírius, é preciso citar ao menos de passagem o trabalho feito pelo africanista Marcel Griaule (1893-1956) junto ao grupo étnico dos Dogons e publicado em 1950 [12b] em parceria com G. Diertelen. Segundo Griaule, esse povo teria cultuado Sírius e conhecido seu caráter triplo, mesmo sem contar com telescópios. O conhecimento avançado dos Dogons sobre Sírius seria um importante ingrediente da religão desse povo. A referência [12b] é uma descrição pormenorizada da crença Dogon sobre Sírius feita por esses pesquisadores.

O trabalho de Griaule alimentou especulações mais recentes, como as do livro de R. Temple "O Mistério de Sírius" [13], que creditou o conhecimento dos Dogons a avançadas raças alienígenas provenientes de Sírius (consoante a tese dos 'deuses astronautas' de von Däniken). Toda essa história serviu para fomentar um intenso debate entre ufologistas e céticos (inclusive com contribuições por Carl Sagan) que, no afã de desqualificar a tese ufológica, lançaram dúvidas sobre todo o trabalho de Griaule.

De acordo com recentes reinterpretações [14,15], Griaule teria na verdade tomado de forma exagerada descrições passadas aos Dogons por meio de europeus ainda no Século XIX ou depois, dado o conhecimento do pesquisador em astronomia. De fato, edições posteriores do livro de Temple afirmam que Sírius C teria sido descoberta em 1995 e citam o trabalho de Benest e Duvent [8] que é, na verdade, um estudo teórico. Entretanto, a descrição cética do trabalho de Griaule-Diertelen pode ser uma 'conspiração' para desqualificar esses pesquisadores. Infelizmente para nós não é possível lançar dúvidas no trabalho do africanista Griaule (e Diertelen). Apenas registramos que invenção de fatos  pode existir em ambos os lados do debate.

Conclusão

É possível que a busca por uma terceira componente em Sírius tenha sido sugerida aos astrônomos pelos estudos de Griaule e a controvérsia com os céticos. Por outro lado, hoje (em 2020) ainda não é possível afirmar que um terceiro corpo com luz própria orbite o sistema duplo Sirius A-B. Com o avanço das técnicas de medida, a situação pode mudar radicalmente. Esse mesmo avanço na técnica permitiu concluir que uma provável Sírius C como previsto por  Benest e Duvent [8] (que orbitaria Sírius A a cada 6 anos) não deve existir, deixando abertas outras possibilidades.

A narrativa de Emmanuel oferece uma segunda opção de informação que pode gerar futuras buscas. Seria possível refinar estudos em astrodinâmica e propor novas possíveis órbitas que estão fora dos limites de massa deduzidos por estudos recentes? Seria possível confirmar que o excesso de infravermelho na luz de Sírius B se deve a uma companheira minúscula? Quais são as regiões do sistema Sírius A-B em que um terceiro corpo inacessível à óptica do Hubble pudesse ser encontrado?

Este post sugere que uma possível Sírius C seria uma "anã-marrom" como são conhecidas estrelas de massa reduzida. Foi uma descoberta relativamente recente que tais objetos podem produzir luz própria pela fusão de Deutério [16].

Colaboração

Texto escrito em colaboração com Maurício Brito que sugeriu o tema e chamou a atenção para a controvérsia dos Dogons.

Mauricio Brito: Jornalista - Bacharel em Comunicações Sociais, espírita atuante na Comunhão Espírita de Brasília e Centro Espírita da Fraternidade Cícero Pereira-CECIPE, ambos em Brasília/DF. Aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada/IPEA - Brasília/DF. email: mauriciobrit@gmail.com

Referências

[1] F. C. Xavier. Renúncia - História real. Século de Luís XIV. Em França, Espanha, Irlanda e Américas. Heroísmo e Martírio de Alcíone. Cap. I, "Sacrifícios do Amor", p. 25, Ed. FEB. 27a Ed. (1944)

[2] C. Flammarion. Mysterious Psychic Forces: An Account of the Author's Investigations in Psychical Research, Together with Those of Other European Savants. Small, Maynard and Company (1907).


[4] Smart, W. M. (1947). John Couch Adams and the discovery of Neptune. Popular Astronomy, 55, 301. http://adsabs.harvard.edu/full/1947PA.....55..301S

[5] Discovery of Exoplanets. Wikipedia. Acesso em Fevereiro de 2020.

[6] Perryman, M. (2012). The history of exoplanet detection. Astrobiology, 12(10), 928-939.

[7] A questão da encarnação em diferentes mundos: um novo tipo de matéria?

[8] Benest, D., & Duvent, J. L. (1995). Is Sirius a triple star?. Astronomy and astrophysics, 299, 621. Ver http://articles.adsabs.harvard.edu//full/1995A%26A...299..621B/0000621.000.html

[9] Bond, H. E., Schaefer, G. H., Gilliland, R. L., Holberg, J. B., Mason, B. D., Lindenblad, I. W., ... & Young, P. A. (2017). The Sirius system and its astrophysical puzzles: Hubble Space Telescope and ground-based astrometry. The Astrophysical Journal, 840(2), 70. Ver: https://iopscience.iop.org/article/10.3847/1538-4357/aa6af8/pdf

[10] Zuckerman, B., & Becklin, E. E. (1992). Companions to white dwarfs: very low-mass stars and the brown dwarf candidate GD 165B. The Astrophysical Journal, 386, 260-264. Ver: http://adsabs.harvard.edu/full/1992ApJ...386..260Z 

[11] Farihi, J., Becklin, E. E., & Zuckerman, B. (2005). Low-luminosity companions to white dwarfs. The Astrophysical Journal Supplement Series, 161(2), 394. Ver: https://iopscience.iop.org/article/10.1086/444362/pdf

[12] Bonnet-Bidaud, J. M., & Pantin, E. (2008). ADONIS high contrast infrared imaging of Sirius-B. Astronomy & Astrophysics, 489(2), 651-655.Bonnet-Bidaud, J. M., & Pantin, E. (2008). ADONIS high contrast infrared imaging of Sirius-B. Astronomy & Astrophysics, 489(2), 651-655. Ver: https://www.aanda.org/articles/aa/abs/2008/38/aa8937-07/aa8937-07.html

[12b] Griaule, M. and G. Dieterlen (1950). "Un systeme soudanais de Sirius," Journal de la Societe des Africanistes 20: 273-294. Ver: https://www.persee.fr/doc/jafr_0037-9166_1950_num_20_2_2611

Sobre o 'Enigma de Sírius', um vídeo recente pode ser acessado aqui: https://www.youtube.com/watch?v=nTDSt9niRfI (Acesso em fevereiro de 2020).

[13] Temple, R. (1976). O mistério de Sirius. Madras, 2005. Trad. S. Maria Spada.

[14] Coppens, P. (2020). Dogon shame. Ver: https://www.eyeofthepsychic.com/dogonshame/

[15] de Montellano, B. R. O . The Dogons Revisitedhttp://www.ramtops.co.uk/dogon.html

[16] LeBlanc, F.  (2010). An Introduction to Stellar Astrophysics. United Kingdom: John Wiley & Sons.

24 de agosto de 2019

A resposta ao Paradoxo de Fermi


Assim, tudo é povoado no Universo. 
A vida e a inteligência estão por toda parte: 
em globos sólidos, no ar, nas entranhas da Terra, 
e até nas profundezas etéreas. (A. Kardec, Revue Spirite, 1858)
Imaginemos um Universo repleto de vida tanto quanto podemos entender materialmente esse conceito. Vida animal, vegetal, inumeráveis seres, todos eles existindo conosco no mesmo espaço e tempo. Composição bioquímica semelhante aos seres vivos que conhecemos. Temperatura, densidade e mistura da atmosférica, se diferentes, não muito das condições que existem em nosso planeta.

Um cosmo cheio de vida quase em tudo semelhante à terrena. Civilizações que chegaram à idade da razão há muitos bilhões de anos. Todas evoluidas tecnologicamente ao ponto de vencerem as distâncias imensas que separam as estrelas. Outros mundos em que as viagens interestelares se tornaram plenamente possíveis. 

Com um Universo tão grande, é razoável imaginar que essas civilizações antigas levaram muito tempo para 'explorar' inúmeras estrelas, tanto na proximidade dos sistemas estelares onde floresceram, como em todos os outros. Por maior que o Universo seja, a multiplicidade de 'habitats' da vida é tão grande que é inevitável concluir que essas civilizações entraram em contato entre si. Formando vastas redes de vida inteligente entre as estrelas, essas civilizações avançadíssimas eventualmente também encontraram a Terra...

Para eles esse planeta, perdido em algum ponto de seu sistema solar, é um repositório retardatário de vida, onde seres ainda pouco avançados sonham em galgar os mesmos passos dos mundos mais elevados. 

Se assim é, então porque a existência desses outros mundos não foi definitivamente provada? O Paradoxo de Fermi resume esse quadro como
"a aparente contradição entre as altas estimativas de probabilidade de existência de civilizações extraterrestres e a falta de evidências para, ou contato com, tais civilizações." [1]
De nada adianta leitores mais convictos da visita de extraterrestres afirmarem que o Paradoxo já foi resolvido com as evidências providas pela Ufologia, que é imensamente rejeitada por acadêmicos. O Paradoxo de Fermi afirma que, se o Universo estivesse repleto de vida como a nossa, hoje estaríamos cercados por eles, a ponto de nossa vida e a deles ser uma coisa só. Esse é o ponto essencial do paradoxo que também guarda a chave para sua solução.

Como a validade do Paradoxo se fundamenta em determinados princípios, o mais fundamental deles, o de que a vida (terrena) tenha evoluído de forma 'onipresente' no Universo, não pode ser válido. O materialismo, entretanto, pode conduzir a uma negação muito forte da possibilidade de vida, que é a razão para que muitos céticos da vida extraterrestre afirmarem que a Terra é o único planeta habitado no Universo. O argumento contrário já foi bem explorado por Kardec:
Por que a Terra, pequeno globo imperceptível na imensidade do Universo, que não se distingue dos outros planetas nem por sua posição, nem por seu volume, nem por sua estrutura, pois nem é a maior, nem a menor, nem está no centro, nem nos extremos, por que, dizia eu, entre tantas outras, seria ela a única residência de seres racionais e pensantes? [2]
Como a estatística rejeita a unicidade da vida terrena, uma resposta possível seria enfraquecer outros principios auxiliares do paradoxo. Talvez a vida extraterrestre, desenvolvida tecnologicamente até certo ponto, tenha eliminado a si mesma em algum grande conflito estelar [3]. Talvez as inúmeras civilizações tenham se aniquilado quando se encontraram. Ou talvez vida exista, mas o único planeta onde ela desenvolveu alguma tecnologia para viagens espaciais foi a Terra. 

A resposta do Paradoxo pode assim ser dada enfraquecendo-se uma série de suas suposições.

Um novo conceito de vida

A revelação espírita, entretanto, afirma de forma categórica que todos "os globos que se movem no espaço são habitados":
55. São habitados todos os globos que se movem no espaço?
“Sim e o homem terreno está longe de ser, como supõe, o primeiro em inteligência, em bondade e em perfeição. Entretanto, há homens que se têm por espíritos muito fortes e que imaginam pertencer a este pequenino globo o privilégio de conter seres racionais. Orgulho e vaidade! Julgam que só para eles criou Deus o Universo.”
que esclarece, conforme os própros Espíritos, as palavras atribuídas a Jesus:
Não se turbe o vosso coração. – Credes em Deus, crede também em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai; se assim não fosse, já eu vo-lo teria dito, pois me vou para vos preparar o lugar. (João 14, 1-2)
A afirmação não só confirma a existência de vida disseminada no Universo, mas também o seu caráter inteligente. Isso reforça algunas das hipóteses do Paradoxo de Fermi. 

Entretanto, o problema maior é o próprio conceito de vida. Limitados às expressões materiais da Terra, a vida orgânica é apenas um subconjunto das possibilidades de ambientes onde a consciência pode se manifestar. E, obviamente, a extensão do conceito de vida (que é algo ainda a ser plenamente aceito) atua como obstáculo para entender porque "supercivilizações alienígenas" teriam qualquer interesse em explorar sistemática e materialmente a Terra. 

Assim, o primeiro óbice é entender que, constatada a existência desencarnada, com suas infinitas possibilidades de manifestação, faz pouco sentido imaginar que civilizações avançadas teriam interesse em 'explorar materialmente' a Terra. O planeta, dependente de inúmeros recursos delicadamente arranjados para que a vida orgânica possa existir, é mais um vasto mas restrito ambiente para o aprendizado de criaturas materiais em um estágio muito limitado de evolução - o que inclui inclusive os animais da Terra (desde bactérias até o homem).

A existência de vida em formas "não observáveis" não só garante infinitas possibilidades de vida, mas permite sua coexistência espacial e temporal conosco. Assim, o espaço em que vivemos é também a morada de inúmeros seres que não podemos ainda perceber. As 'moradas' de que fala o evangelista não se referem apenas a outros planetas, mas também a outros 'planos' de existência paralelos ao nosso.

Dito isso, de forma alguma fechamos uma conclusão de que apenas criaturas invisíveis ou não observáveis formam vida alienígena. Vida material como a nossa também evoluiu conforme o quadro que descrevemos no início deste texto. Só que ela, tendo ultrapassado a fronteira da razão e se dirigido à angelitude, provavelmente compreende que não há nenhum sentido na dominação em massa de mundos materiais que lhe são mais atrasados e que cumprem a lei universal da evolução estabelecida por Deus, que elas bem sabem preside a tudo. Assim, é  bem possível que evidências de sua presença entre nós já existam, porém, acomodadas muito bem a sua própria linha evolutiva e segundo conceitos de fraternidade Universal, ocultam-se no concerto de forças naturais que nos rodeiam, sem quaisquer pretenção em se mostrarem exaustivamente a nós. 

Ver também

A questão da encarnação em diferentes mundos: um novo tipo de matéria?

Referência

[2] A. Kardec (1858), Revista Espírita, Março, A pluralidade dos mundos.   http://ipeak.net/site/estudo_janela_conteudo.php?origem=518&&idioma=1 
[3] Um exelente vídeo sobre o Paradoxo de Fermi do ponto de vista materialista pode ser visto no youtube:



https://www.youtube.com/watch?v=sNhhvQGsMEc

8 de março de 2015

A questão da encarnação em diferentes mundos: um novo tipo de matéria?

Fig. 1 Lista de potenciais planetas habitáveis recém descobertos. Referência (1)

"Nós, Espíritos, só podemos responder de acordo 
com o grau de adiantamento em que vos achais. 
Quer dizer que não devemos revelar estas 
coisas a todos, porque nem todos estão em estado 
de compreendê-las e semelhante revelação 
os perturbaria." 
(Resposta à questão 182 em "O Livro dos Espíritos")

A principal obra lançada por Allan Kardec foi "O Livro dos Espíritos" (LE). É nesse livro que encontramos um capítulo inteiro (o Cap. IV) destinado à introdução e detalhamento da "pluralidade de existências", que tem como princípio auxiliar outra pluralidade, a dos "mundos habitados". Não é possível compreender o princípio da reencarnação sem assumir que existem muitos mundos no Universo. Descobertas recentes (ver Fig. 1) - dentro do que permite a capacidade técnica atual - tem revelado um número grande de novos planetas (chamados "exoplanetas"), tornando realidade o que havia sido amplamente afirmado pelos Espíritos no LE.

Neste post propomos um estudo da seção "Encarnação nos diferentes mundos" e chamamos a atenção, em particular, para a resposta da questão #181. Há várias motivações para esse estudo. Um deles é o fato de que evidências tangíveis e públicas da existência de vida extraterrestre ainda não existem. Isso é perturbador porque, dada o tamanho do Universo (e mesmo considerando as dimensões envolvidas), as chances de que apenas a Terra abrigue vida é estatisticamente irrelevante.  Isso está representado no famoso "Paradoxo de Fermi". Outras motivações se encontram no conhecimento do próprio LE: a lei da reencarnação seria universal, o que levanta a questão sobre como se daria esse fenômeno em diferentes mundos, dada a necessidade de matéria para acompanhar o Espírito em sua jornada evolutiva.

Compreensivelmente esse é um assunto difícil, onde é muito fácil fazer especulações e chegar a conclusões erradas na tentativa de se detalhar respostas. Aqui apenas comentamos alguns trechos do Cap. IV do LE e usamos a própria lógica interna e relação entre os princípios para tirar algumas conclusões gerais. É importante o leitor atentar para o caráter avançado das revelações contidas no Cap. IV, já que, na época de Kardec, a existência de mundos habitados era considerada uma questão meramente especulativa.

A seção sobre a encarnação nos diferentes mundos.

Essa seção do LE vai da questão 172 até 188. Da questão 172 até 180, Kardec está interessado em obter mais detalhes sobre como a validade geral da leis das múltiplas existências estendida para os muitos mundos do universo.  É explicado nessa parte que:
  • As diversas existências corporais não ocorrem todas na Terra. Portanto, elas não se processariam todas em um mesmo "globo", haveria possibilidade de migração dos Espíritos entre diferentes mundos;
  • A razão para que as múltiplas existências não ocorram todas em um mesmo mundo;
  • O que o Espírito leva consigo quando faz a migração entre diferentes mundos.
Embora a possibilidade de migração para diferentes mundos seja algo considerado "fantástico" para a maioria das pessoas, é importante entender que não se trata de uma "migração física". Da mesma forma que um Espírito pode ocupar diferentes corpos em várias encarnações, não haveria impedimento para que a encarnação ocorresse em diferentes mundos. É uma conclusão tirada a partir dos princípios assumidos, que são muito simples. Confusões e especulações sobre como se daria essa migração (a questão das distâncias imensas entre os mundos, diferenças de densidade, presença do vácuo interestelar etc) surgem por se tomar um elemento por outro, por se considerar como equivalentes "matéria" e "espírito". 

Em particular, o Espírito não precisa levar do mundo anterior o seu corpo anterior. Para isso, ele faz uso dos "elementos" já presentes no novo mundo. Devemos examinar com atenção a questão # 181. Por sua importância, reproduzimos integralmente a pergunta e a resposta:
181. Os seres que habitam os diferentes mundos tem corpos semelhantes aos nossos?
É fora de dúvida que têm corpos, porque o Espírito precisa estar revestido de matéria para atuar sobre a matéria. Esse envoltório, porém, é mais ou menos material, conforme o grau de pureza que chegaram os Espíritos. É isso o que assinala a diferença entre os mundos que temos de percorrer, porquanto muitas moradas há na casa de nosso Pai, sendo, conseguintemente, de muitos graus essas moradas. Alguns o sabem e desse fato têm consciência na Terra: com outros, no entanto, o mesmo não se dá. Grifo nosso, para versão em original em francês, ver (2).
Em primeiro lugar, invoca-se na resposta a necessidade do envoltório material para propiciar a encarnação. Espírito, perispírito e corpo material são três ingredientes gerais que entram na composição de um "encarnado" com descrito pelos princípios do LE. A pergunta feita por Kardec usa a palavra "corpo". Assim, na questão 181 reproduzida acima, não se está a falar do perispírito. Portanto, a resposta afirma que é possível existir "corpos menos materiais" do que o nosso, e que isso é imposto pela existência de uma escala de progresso (pureza) dos Espíritos. Além disso, a resposta caracteriza a diferença entre os mundos muito mais do que simplesmente pelo estado físico deles, é uma diferença entre "densidades".

Muito além do que comentamos acima, essa resposta leva uma conclusão muito mais importante: a de que a matéria pode ser encontrada em diferentes graus de "densidade" - não se trata aqui da densidade ordinária da física ou da química. Existiria, portanto, um tipo de matéria invisível, não acessível aos nossos sentidos ordinários (e nem a dispositivos ou equipamentos que usam esses sentidos).  

Kardec tenta então obter mais detalhes sobre como seria o estado físico e moral desses diferentes mundos, que é a questão #182. Somos então surpreendidos pela resposta, que já reproduzimos na introdução desse post:
Nós, Espíritos, só podemos responder de acordo com o grau de adiantamento em que vos achais. Quer dizer que não devemos revelar estas coisas a todos, porque nem todos estão em estado de compreendê-las e semelhante revelação os perturbaria. Grifo do autor. Original em francês: (3).
Ora, isso soa como uma maneira polida de se negar uma resposta! O que haveria ainda a ser revelado sobre a existência desse novo "elemento material"? Que a questão 181 não trada do perispírito pode ser apreciada ao se ler as questões  # 186 e # 187:
186. Haverá mundos onde o Espírito, deixando de revestir corpos materiais, só tenha por envoltório o perispírito?
Há e mesmo esse envoltório se torna tão etéreo que para vós é como se não existisse. esse o estado dos Espíritos puros.

187. A substância do perispírito é a mesma em todos os mundos?
Não; é mais ou menos etérea. Passando de um mundo a outros, o Espírito se reveste da matéria própria desse outro, operando-se, porém, essa mudança com a rapidez do relâmpago. Originais em francês: ver (4).
Dentro da lógica interna dos princípios do LE, se um encarnado é formado por três elementos, espírito, perispírito e matéria, então é preciso detalhar como se processa essa mudança em cada um desses elementos ao se migrar de um mundo a outro. Por isso temos questões diferentes para cada um deles. A resposta parte do princípio da existência de uma escala de aperfeiçoamento (pureza) que determina o grau de "densidade" para cada outro componente dele dependente: corpo e perispírito seriam adaptados a esse aperfeiçoamento. Vale a pena ler ainda a subquestão da 186 que afirma não haver "saltos" entre os estágios de aperfeiçoamento, esses se dariam de forma contínua.

Fig. 2 Distribuição de tipos de "matéria" existente no universo conhecido. A "nossa matéria" corresponde apenas a 4% do que seria observável. Cerca de 21% é considerado "matéria invisível. Fonte: http://chandra.harvard.edu/
Um apêndice especulativo

A questão da existência de variedades de matéria que seriam inacessíveis aos nossos sentidos é um assunto fascinante. Isso porque, tal "inacessibilidade" até certo grau pode se manifestar. Não seria possível que alguma propriedade da matéria não mudasse ao se passar de uma "densidade" a outra?

Não há como deixar de fazer aqui um paralelo com as descobertas recentes em cosmologia, sobre a existência da "matéria escura" (dark matter) (5), Fig. 2. Já em 1933 se percebeu que o movimento de estrelas em outras galáxias e da matéria visível era discrepante com a quantidade inferida de matéria a partir desse movimento. Havia algo faltando que não pode ser explicado com base nas leis de Newton. Hoje, sabe-se que existem diversos tipos de "matéria", a nossa é chamada "bariônica", sendo que mais de 95% do que existe no Universo é feito de matéria "não-bariônica" e é totalmente invisível (Fi.g 2). Essa matéria apenas "interage" com nossa matéria ordinária por meio da gravidade: portanto, a matéria invisível tem peso.

O debate atual procura saber qual seria a origem dessa matéria. É crença geral de que é preciso primeiro seguir o caminho da física de partículas. A matéria escura seria um tipo de partícula exótica ainda não descoberta, que "preencheria" o espaço e seria responsável por essa gravidade excedente. Entretanto, todos os esforços para se achar tal partícula falharam absolutamente em décadas de pesquisa. Em particular o experimento LUX (6) montou um dos mais sensíveis dispositivos para se detectar partículas desse tipo e não deu resultado algum. Isso abre caminho para que outras trilhas teóricas sejam percorridas, como a da existência de outras dimensões no Universo. 

Há considerável grau de especulação ao se tentar correlacionar esses temas de pesquisa com a revelação de outros tipos de matéria como feita na questão 181 do LE. Seria a "matéria escura" a ponta de uma imensa cadeia de descobertas de outros tipos de matéria que compõem os diferentes mundos "invisíveis" de que falam os Espíritos? Não sabemos. É certo, porém, que um caminho já foi aberto.

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Referências

181. Les êtres qui habitent les différents mondes ont-ils des corps semblables aux nôtres ?
Sans doute ils ont des corps, parce qu'il faut bien que l'Esprit soit revêtu de matière pour agir sur la matière ; mais cette enveloppe est plus ou moins matérielle selon le degré de pureté où sont arrivés les Esprits, et c'est ce qui fait la différence des mondes que nous devons parcourir ; car il y a plusieurs demeures chez notre Père et pour lors plusieurs degrés. Les uns le savent et en ont conscience sur cette terre, et d'autres ne sont nullement de même.
(3) Ver: http://associationspiritualistedecambrai.asso-web.com/uploaded/PDF/le-livre-des-esprits.pdf
182. Pouvons-nous connaître exactement l'état physique et moral des différents mondes ?
Nous, Esprits, nous ne pouvons répondre que suivant le degré dans lequel vous êtes ; c'est-à-dire que nous ne devons pas révéler ces choses à tous, parce que tous ne sont pas en état de les comprendre et cela les troublerait.
186. Y a-t-il des mondes où l'Esprit, cessant d'habiter un corps matériel, n'a plus pourenveloppe que le périsprit ?
Oui, et cette enveloppe même devient tellement éthérée, que pour vous c'est comme si ellen'existait pas ; c'est alors l'état des purs Esprits. 
187. La substance du périsprit est-elle la même dans tous les globes ?
Non ; elle est plus ou moins éthérée. En passant d'un monde à l'autre, l'Esprit se revêt de la matière propre de chacun ; c'est d'aussi peu de durée que l'éclair.
(5) Interessante o uso do termo "escura" para se designar esse tipo novo de matéria. De fato, "escuro" pode levar a se imaginar essa matéria como algo opaco ou que bloqueie a vista do que está além dela. Mas, isso não é verdade: ela é de fato "invisível".

(6) http://lux.brown.edu/LUX_dark_matter/Experiment.html


17 de fevereiro de 2015

Paisagem de Marte (sobre a visita a Marte em "Cartas de uma Morta")

Fig. 1 Vista da planície Husband (cratera Gusev), um dos sítios de exploração do robô "Spirit" da NASA. Ver também uma imagem panorâmica completa dessa região.
"Não vi montanhas, sendo notáveis as planícies imensas..."
"As águas são muito raras. As chuvas quase que se não verificam, 
mostrando-se o céu geralmente sem nuvens."
(Maria J. de Deus, em "Cartas de uma Morta", psicografia de F. C. Xavier)

Marte é, sem dúvida, o planeta que mais atraiu a curiosidade humana. Por ter algumas características físicas semelhantes à Terra, as primeiras observações telescópicas desse planeta criaram a expectativa de que ele, de fato, seria habitado. No ano de 1935, uma série de mensagens mediúnicas - reunidas na forma de um livro - chamou a atenção na forma de relatos de uma visita feita por um Espírito desencarnado da Terra aquele mundo distante. Na época, é importante que se ressalte, o conhecimento científico (2) acreditava que Marte poderia ser habitado e que sua superfície seria riscada por uma rede de canais, talvez criados por algum tipo de civilização extraterrestre que habitasse o planeta. Interpretava-se as diferenças de albedo da superfície marciana como oriundas da presença de água no planeta ou mudanças de tons na vegetação, ressaltando-se a presença de calotas polares que mostravam variações típicas de mudanças de estação. 

O texto atribuído à Maria João de Deus "Paisagem de Marte", do livro "Cartas de uma Morta" (3), tem uma seção que descreve a paisagem marciana como observada pelo Espírito e interpretada pela mediunidade de Chico Xavier. É importante ressaltar que o livro quase que inteiramente traz observações feitas por um Espírito desencarnado e, portanto, não tratam da contraparte "corpórea" de seu ambiente. Para quem lê o livro com conhecimento espírita, está bastante claro que as descrições são desse ambiente espiritual imediato. Além disso, essas descrições não são as de um geógrafo: trata-se de uma mente "não acadêmica", tentando relatar o que viu, sem os rigores esperados de um cientista. Se no desenvolvimento das ciências comuns dificilmente levamos em consideração observações de "pessoas comuns" com relação à fatos científicos, o estado de emancipação que goza a alma desencarnada não faz dela um cientista também com relação a esses fatos e, menos ainda, aqueles que nos são desconhecidos. Temos aqui o primeiro obstáculo na tentativa de se utilizar os Espíritos como testemunhas para geração de conhecimento científico relacionado às ciências materiais.

Por falta dessa compreensão mais dilatada, muito se tem falado sobre a adequação desse texto ao conhecimento moderno, com base na visita de recentes sondas espacias que foram até aquele planeta. Em particular, mentes céticas e sem o conhecimento espírita interpretam o texto ao "pé da letra" e imputam um caráter de fantasia a ele (4). Ignorando o obstáculo que descrevemos anteriormente, admitem que mensagens espíritas devem conter revelações científicas em pé de igualdade com os rigores dos desenvolvimentos e metodologias do campo científico da matéria. Um exemplo disso pode ser lido no texto (5), onde seu autor declara: 
"As sondas não mostraram nada de oceanos, canalização, vegetação e muito menos homens alados em Marte. Por ironia, lá descobriram, porém as maiores montanhas do Sistema Solar. Ninguém esperava por isso no século XIX, porque se supunha que Marte era um planeta “velho”, desgastado pela erosão."
Além disso, ao se comparar as descrições do Espírito em (3) com o conhecimento material da questão, temos outro problema. Apenas por paralelos é que se pode tentar inferir o que um Espírito desencarnado percebe de sua vizinhança à descrição dessa mesma vizinhança por um encarnado. Ora, no estado de liberdade, a sensibilidade e percepção do Espírito é muito maior (5b) do que a de um encarnado. Portanto, rigorosamente, não se pode tomar as impressões de um Espírito como equivalentes à sua sensibilidade quando encarnado. Temos aqui assim um segundo obstáculo para o uso das mensagens espíritas como representando impressões sensíveis equivalentes a de um encarnado. Em termos simples: se um Espírito e um encarnado fosse colocados em um mesmo ambiente, eles descreveriam a cena e os fenômenos nela de forma completamente diferente e, portanto, dificilmente poderíamos tomar as duas descrições como equivalentes (6). 

Nosso objetivo aqui é fazer uma análise mais adequada do texto em (3) com referência ao que era conhecido no século XIX (o texto, porém, é do ano 1935) e que contrasta com essas análises céticas apressadas que pregam a inverdade dos textos mediúnicos. Para isso, utilizaremos alguns trechos de (3) e referências da rede, tanto da época como atuais, para demonstrar como é possível dizer que (3) contém, de fato, mais pontos de revelação e acordo do que contradições. Isso será feito levando-se em consideração esses problemas de tradução e sensibilidade que podem ser encontrados nas mensagens espíritas.

Um comparação cuidadosa
(Trecho 1) Percebi, perfeitamente, a existência de uma atmosfera parecida com a da Terra, mas  o ar, na sua composição, afigurava-se-me muitíssimo mais leve. Assegurou-me então o Mestre, que me acompanhava, que a densidade em Marte é sobremaneira mais leve, tornando-se a atmosfera muito rarefeita. (3, p. 127)
Fig. 2 Imagem da "Mars Global Surveyor" (2005)
mostrando poucas nuvens em Marte. 

Usamos aqui apenas os trechos em (3) que parecem descrever o ambiente físico (a "aerografia") de Marte. O exemplo do texto acima é desse tipo, embora a percepção da atmosfera que um Espírito possa ter seja bastante diferente daquela de um encarnado. Apenas por um paralelo - comparando-se a impressão de um Espírito da atmosfera terrestre com a de Marte - é que poderíamos sugerir que se trata de uma descrição da densidade atmosférica daquele planeta. Guardando-se essa cautela, concluímos que a descrição apresentada é correta. A diferença é imensa em relação a um encarnado: na Terra podemos respirar perfeitamente, enquanto que em Marte não.  O fato de a atmosfera de Marte ser menos densa do que a da Terra era conhecida desde o século XIX (6b) porque Marte é um planeta menor do que a Terra, tendo, portanto, uma gravidade menor, que não consegue manter sua atmosfera na mesma densidade que a terrestre.

Com relação à questão da água e dos canais, é relevante este trecho em (3, p. 128):
(Trecho 2) Vi oceanos apesar da água se me afigurar menos densa e esses mares muito pouco profundos. Há ali um sistema de canalizações, mas não por obra de engenharia de seus habitantes, e sim por uma determinação natural da topografia do planeta que põe em comunicação contínua todos os mares. 
Esse trecho em particular foi usado em (5) para desqualificar a comunicação. Acontece que, ainda na década de 1930, a questão dos canais em Marte era bastante conhecida, estando a opinião acadêmica não decidida com relação a sua natureza (2) e existência. A maior parte das opiniões era favorável à existência dos canais, que se apresentavam regularmente nas oposições de Marte e que podiam ser observados (conforme mostramos em (2))  sob condições excepcionais de observação. O astrônomo Carl Sagan (1934-1996) em seu livro "Cosmos" (1980) acreditava que ainda existia um segredo relacionado aos canais marcianos, mesmo com as visitas não tripuladas aquele planeta. A comunicação, entretanto, caracteriza os canais como uma "determinação natural da topografia", o que deve ser comparado a diversas imagens recentes (Fig. 3) mostrando a existência de rios antigos ou canalizações em Marte. Ressaltamos que tais estruturas eram impossíveis de serem vistas em 1935 por qualquer tipo de telescópio. É importante ressaltar: por suas dimensões, esses leitos de rios não correspondem aos supostos canais marcianos, popularmente conhecidos até a década de 1960, quando as missões espaciais revelaram uma nova "aerografia".

Fig. 3 Imagens recentes (ver referências 7a a 7c) mostrando a presença do que parecem ser leitos de antigos rios em Marte. Essas estruturas eram inobserváveis com telescópios em 1935 e não correspondem aos supostos canais marcianos popularmente conhecidos na época.

Mas não há água em Marte...

Não obstante a visão de oceanos em Marte, o seguinte trecho traz uma observação diferente (3, p. 128):
(Trecho 3) As águas são muito raras. As chuvas quase que se não verificam, mostrando-se o céu geralmente sem nuvens. Afirmou-me o protetor que  grande parte das águas desse planeta desapareceram nas infiltrações do solo, combinando-se com elementos químicos das rochas, excluindo-se da circulação ordinária do orbe. (grifo nosso)
A que se deve a diferença entre o Trecho 2 e 3? Há várias hipóteses possíveis. Uma delas nos leva ao terceiro problema relacionado à interpretação literal de textos mediúnicos: a influência do médium. É possível que o Trecho 2 tenha sofrido com essa influência, contrastando com a afirmação da inexistência de água em Marte. Outra possibilidade é imaginar que o Espírito interpretou as regiões de menor albedo da superfície do planeta com sendo oceanos.  Isso era, de fato, o que  acreditavam alguns astrônomos até meados da década de 1960, quando as primeiras sondas espaciais mostraram que as regiões escuras não eram oceanos. De qualquer forma, lembrando das ressalvas em relação ao segundo problema com as comunicações mediúnicas, é possível que a água descrita no Trecho 2 não se trate de água no sentido material. Considerando a afirmativa do Trecho 3, a conclusão é que, em 1935, tínhamos uma revelação que afirmava a inexistência de água na superfície de Marte, fato que não estava de acordo com o que se observava na época - lembrando que a presença de calotas polares observáveis ao telescópio indicava que o gelo poderia se converter em vapor d'água ou água líquida. 

Menos conhecida ainda era a possibilidade de que água líquida teria fluido em Marte, mas desaparecido no solo. De fato, apenas muito recentemente é que imagens de alta resolução (como as da Fig. 3) foram obtidas da superfície marciana, indicando que, há muito tempo atrás, água líquida existia na superfície de Marte. Portanto, a afirmação grifada no Trecho 3 é algo verdadeiramente revelador.  Dado o tamanho de Marte, sua gravidade e as condições físicas necessárias para que água líquida exista em sua superfície (pressão, densidade e temperatura), até hoje há quem acredite que água nunca existiu em Marte. Não obstante a pequenez desse planeta, cientistas recentemente têm revisto suas teorias. Por exemplo, em (7c), que data do ano de 2013, podemos ler:
O time da Mars Express da ESA diz que esse rio fluiu com muita água há cerca de 3,5 a 1,8 bilhões de anos, durante o período Hesperiano. Depois disso, a era Amazoniana se iniciou, fazendo com que o Vale Reull fosse invadido por uma geleira. Essa geleira moldou o vale onde o rio estava, empurrando dejetos e gelo e criando os lados bem definidos com se pode ver nessas imagens.
A imagem referenciada é a da Fig. 3(7c). Portanto, M. J. de Deus parece ter revelado em 1935 algo que apenas recentemente (8) foi conhecido. Ressaltamos adicionalmente que, na época datada para a existência de oceanos em Marte (há aproximadamente 3 bilhões de anos), a Terra era um planeta inóspito e sem vida. Com o passar do tempo, a água que existia se infiltrou no solo e se combinou com os materiais da superfície, dando ao planeta a aparência avermelhada (presença de ferro nas rochas). Essa descrição, entretanto, só foi conhecida pelos meios científicos depois que os primeiros robôs pousaram na superfície de Marte. Em (9), por exemplo, podemos ler:
'Essa é uma evidência poderosa de que a água interagiu com rochas e mudou a química e a mineralogia de forma dramática', afirma Steve Squyres da Universidade de Cornell ao jornal New York Times. Ele é lider técnico de um time científico da missão Oportunity. Essa é a evidência mais forte encontrada de um ambiente marciano passado que pôde ter abrigado vida.
Não há montanhas em Marte...

Se um alienígena fosse trazido à Terra e deixado em alguma região do deserto do Saara,  acreditaria que nosso planeta não tem montanhas. Isso é o que provavelmente aconteceu ao Espírito de M. J. de Deus em (3), conforme se deduz desse outro trecho contendo uma "observação geográfica" (3, p. 128)
(Trecho 4) Não vi montanhas, sendo notáveis as planícies imensas onde os felizes habitantes desse orbe desempenham suas atividades consuetudinárias.
O Espírito apenas afirma não ter visto montanhas em Marte. De fato a imagem da Fig. 1, capturada pelo robô "Spirit" da NASA confirma essa visão. Descobertas recentes descrevem Marte essencialmente como um planeta com poucas montanhas. Do ponto de vista geofísico, montanhas são formadas por obra de forças tectônicas ou por vulcanismo, não sendo quaisquer elevações de terreno consideradas como montanhas. Em Marte, a maior parte das montanhas (mons) tem origem vulcânica, sendo o terreno descrito como majoritariamente plano (se comparado à Terra). Por exemplo, Vastitas Borealis é o nome dado a uma grande planície que cobre quase que metade de Marte e que se acredita ter sido leito raso de um antigo oceano (9). Portanto, não é difícil para alguém deixado aleatoriamente em algum ponto da superfície de Marte não registrar a presença dessas estruturas geológicas.

Conclusões

O espírito de prevenção, má fé ou má vontade pode interpretar literalmente qualquer texto. No caso das mensagens espíritas - quando não destinadas a notas sobre a moral e a ética - podem sofrer de pelo menos três problemas que impedem sua interpretação literal. Além do problema de interferência mediúnica, o pouco conhecimento especializado do comunicante aliado a sua alta sensibilidade podem resultar em descrições que apenas em alguns trechos são comparáveis ao que esperaríamos de observações científicas das ciências da matéria.

Vamos finalmente relembrar que as ciências da matéria se escoram em teorias para realizar a descrição dos fenômenos. Essas teorias tem um vocabulário próprio, com semântica altamente específica. Apenas aqueles que detêm conhecimento dessa semântica podem descrever fenômenos físicos aproveitáveis para quem faz ciência da matéria. Seria muito esperar que um comunicante espiritual, desprovido desse vocabulário pudesse trazer descrições que competissem com nossos maiores cientistas. Mesmo assim, algumas conclusões que fizemos parecem indicar que algo foi revelado no que diz respeito a aspectos puramente materiais de Marte em (3).

Outras considerações tecidas pelo cético da referência (5) também merecem mais comentários, o que faremos oportunamente em um próximo artigo.

Agradecimento

Agradeço ao Chrystiann Lavarini pela indicação da ref. (5).

Referências


(2) Artigos científicos da época podem ser acessados na rede hoje em dia. Alguns deles foram referenciados neste post: "O que aconteceu aos canais de marte?" em astronomiapratica.blogspot.com.

(3) F. C. Xavier. "Cartas de uma morta", 4a Edição. FEB.

(4) Para um materialista ou cético, obviamente não existe verdade fora do que ele crê.

(5) Antônio L. M. C. Costa (2008). "Errar é científico, insistir no erro é esotérico". Carta Capital. Ver: http://www.cartacapital.com.br/cultura/errar-e-cientifico-insistir-no-erro-e-esoterico

(5b) A. Kardec, "A Gênese", Cap. 14, II - Explicação de alguns fenômenos considerados sobrenaturais, visão espiritual ou psíquica, dupla vista, sonambulismo, sonhos, parágrafo 23.

(6) Um exemplo trivial disso são as inúmeras descrições de Espíritos de ambientes e cenas onde encarnados nada conseguem ver além de escuridão.

(6b) P. Lowell (1894). "Mars: atmosphere". Popular Astronomy. Vol. 2, pp. 154-160. http://articles.adsabs.harvard.edu/full/1894PA......2..154L

(7a) http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-2263983/Rivers-red-planet-Astonishing-new-pictures-reveal-1500km-river-ran-Mars.html (acesso, Fevereiro 2015)

(7b) http://www.lpi.usra.edu/education/resources/s_system/mappingMars.shtml (acesso, Fevereiro 2015)

(7c) http://gizmodo.com/5977058/scientists-discover-spectacular-river-on-mars (acesso, Fevereiro 2015)

(7d) http://science.nasa.gov/science-news/science-at-nasa/2001/ast05jan_1/ (acesso, Fevereiro 2015)

(8) É importante dizer que outras marcas de movimentação de fluidos em Marte são atribuídas à movimentação de lava. Evidências recentes, entretanto, mostram que Marte foi coberto por um Oceano. Veja: http://en.wikipedia.org/wiki/Mars_ocean_hypothesis

(9) Ver: http://theconversation.com/ageing-rover-finds-evidence-for-an-early-ocean-on-mars-15057

2 de fevereiro de 2015

O fenômeno insólito de Hessdalen

Uma das exposições conseguidas em Hessdalen, mostrando a movimentação das luzes em uma ocorrência.
Antes que o leitor questione o caráter "não fraudulento" do assunto deste post, considere que já houve várias conferências em geologia sobre esse fenômeno. Saiba também que recentemente um artigo de divulgação foi publicado na revista "New Scientist" (1) sobre sua ocorrência (1b). Por causa dele, a cidade noruega de Hessdalen é conhecida como o único laboratório que se dedica à pesquisa de OVNIS (2) e teve os negócios de turismo incrementados por visitantes ansiosos em testemunhar as ocorrências. Por que um post sobre o assunto? A resposta é simples: porque, ao contrário do que alguns pensam, ainda existem fenômenos inexplicados na Natureza e porque a esforço dedicado a eles não parece ser proporcional a importância que advém de seu caráter insólito (o que tem muito a ver com o tratamento da fenomenologia espírita).

Portanto, acompanhar a história da atenção dada ao fenômeno de Hessdalen é acompanhar ao vivo como o mainstream rejeita e depois é obrigado a aceitar fenômenos que não estão no mapa de seus paradigmas científicos. No caso de Hessdalen, a aceitação começa pela tentativa de transformar o caso em um fenômeno natural, o que é um começo compreensível (2b). 

Segundo o site Hessdalen Project (3):
Hessdalen é uma pequena cidade na parte central da Noruega. No final de 1981 até 1984, residentes do vale de Hessdalen começaram a se preocupar e se alarmar com luzes estranhas e inexplicadas que apareceram em muitas localidades ao longo do vale. Centenas de luzes foram observadas. No pico das ocorrências, houve 20 descrições por semana.
O projeto Hessdalen foi estabelecido no verão de 1983. Uma investigação planejada foi realizada entre 21 de Janeiro e 26 de Fevereiro de 1984. Observou-se 53 luzes durante essa investigação. Isso pode ser lido em detalhes em um relatório técnico. Houve outra investigação adicional no inverno de 1985. Entretanto, nenhum fenômeno foi observado no período em que os instrumentos estiveram presentes. 

Luzes ainda são observadas no vale de Hessdalen, mas a frequência dessas ocorrências diminui para 20 observações por ano. Uma estação de monitoramento automática foi instalada em Hessdalen em Agosto de 1998. Dados e imagens de alarme podem ser vistas neste website.
Uma quantidade grande de instrumentos e câmeras de observação foram instalados. Inúmeras observações foram feitas (ver relatório técnico de 1984). Mas, não obstante a continuidade das observações, poucas explicações foram conseguidas, exceto a elaboração de teorias altamente complexas, que envolvem processos ainda desconhecidos de conversão de energia em luz. Mais do que isso, o fenômeno permanece largamente desprezado.  A imagem abaixo, extraída do site do projeto Hessdalen, é uma foto típica do que é observado. Não obstante o fenômeno se caracterizar pelo surgimento de pontos de luz que se movimentam, outras ocorrências estranhas também foram observadas, tais como a duplicação das luzes e aparecimento de cores. Estima-se que as potências luminosas envolvidas são bastante elevadas (centenas de Watts) com base na distância do fenômeno e sua impressão luminosa.

Imagem da ocorrência do fenômeno no vale de Hessdalen (foto de Fevereiro de 1983)
Aspectos epistemológicos.

Esse é um dos aspectos mais interessantes. Por nossa classificação de fenômenos naturais (4), ousamos descrever os fenômenos de Hessdalen como do tipo observável, não reprodutível e não periódico (tipo φ =4). Trata-se de uma classificação próxima dos fenômenos de efeitos físicos no Espiritismo, que são não periódicos (ou seja, não previsíveis), por causa de sua necessidade de um médium de efeitos físicos (interação com um agente humano e inteligências incorpóreas incontroláveis). As luzes de Hessdalen, porém, se enquadram apenas marginalmente como um fenômeno natural, porque são cercadas de relatos de comportamento inteligente. É dos relatórios de observação do site Hessdalen Project que colhemos este registro (ver http://www.hessdalen.org/observations/2012/):
Data: 17/8/2012. Hora: 22:26, Lugar: Slettælet, Hessdalen
Observadores: Per Alfred Halsaune, Tor Aas, Hilde Svelle, Mailen Nilsen, Heidi Kristin Jensen, Sølvi Anita Halsaune
Um avião foi visto em sul-leste, voando em direção norte. Logo depois, um raio de luz foi visto na mesma direção. Então, os observadores viram três luzes vermelhas dançando ao redor do avião, que se movia em direção norte.
Todos os anos o diretório de observações do projeto se enche com relatos de avistamentos feito por moradores das localidades acostumados aos fenômenos. Os relatórios são ricos em detalhes e contrastam com os frias observações dos equipamentos, que se tornam a cada dia mais raras. Assim como os efeitos físicos se tornaram raros, as luzes de Hessdalen também escassearam e não há quem  consiga explicar a razão.

Sobre o fenômeno de Hessdalen também se aplica o princípio enunciado por Kardec (4b):
...os fenômenos espíritas diferem essencialmente dos das ciências exatas: não se produzem à vontade; é preciso que os colhamos de passagem; é observando muito e por muito tempo que se descobre uma porção de provas que escapam à primeira vista, sobretudo, quando não se está familiarizado com as condições em que se pode encontrá-las, e ainda mais quando se vem com o espírito prevenido.
Em uma escala menor, Hessdalen reproduz os debates entre proponentes e céticos que se vê na fenomenologia espírita e na parapsicologia. O relatório completo de 1984 está cheio de cuidadosas observações feitas por pesquisadores no sentido de isolar os avistamentos genuínos de observação de aviões de um aeroporto próximo. Mesmo assim, o crítico B. Dunning protesta (5):
De forma alguma sugiro que luzes de aterrissagem de aviões sejam a causa de todos esses avistamentos, mas não vi citação por qualquer cientista líder do projeto de que um esforço sério está sendo feito para falsificar a hipótese particular de que os avistamentos podem ser explicados com base em observações de luzes de aviões.
Na cabeça desse crítico, admitir que alguns dos relatos se devem a aviões reduz a importância do que não pode ser explicado.

Hessdalen teve que ser aceito como fenômeno que existe porque as evidências tornaram-se abundantes demais. A seu favor conta a localização geográfica restrita que permitiu estabelecer uma estação de monitoramento. Contra ele está a intermitência do fenômeno, que obrigou que estação de monitoramento funcione em regime 24/7, com incidência de esperadas panes de funcionamento nos aparelhos e inclemência do clima local (não se sabe a causa, mas o fenômeno ocorre com mais frequência no inverno). É possível apreciar a imagem do vale em tempo real na página do projeto Hessdalen.

Conclusão

Em uma página desprovida de qualquer imagem, a ultra ortodoxa Wikipedia (6) descreve várias teorias consideradas "aceitáveis" para o fenômeno. Elas se enquadram mais ou menos como "teorias de combustão" - como no caso do chamado "fenômeno de fogo fátuo". Outras são mais complexas, mas não gozam de ampla aceitação no mainstream acadêmico que podemos dizer se limita a pouquíssimos investigadores destemidos que decidiram estudá-lo. Se for explicável como um fenômeno natural, as luzes de Hessdalen prometem revolucionar os processos de conversão de energia.

O problema com essas teorias é que elas pretendem explicar o fenômeno com base em sua localidade, único fundamento para continuidade das investigações. Elas seriam válidas por causa de características geológicas do vale de Hessdalen, presença de gases radioativos, piezoeletricidade. Desprezam largamente as descrições de movimentação insólita das luzes feitas por moradores, muitos que afirmaram serem vítimas de perseguição por parte das luzes nas estradas que contornam o vale. Mas, o problema maior é que Hessdalen não é o único lugar onde tais luzes podem ser avistadas (7). Há diversos relatos e registros de luzes que repentinamente aparecem, como no caso das "luzes de Margate" (8) em junho de 2014. Há também vários casos registrados no Brasil. Assim, ficamos com tentativas de explicações que buscam enquadrar alguns aspectos do fenômeno apenas.

Desconfiamos que, por muito tempo ainda, Hessdalen ficará sem explicação.

Referências e notas

1b. Bjørn Gitle Hauge (2010). "Investigation & analysis of transient luminous phenomena in the low atmosphere of Hessdalen valley, Norway". Acta Astronautica, vol 67, p.1443-1450. 
2. No sentido literal, "OVNI" simplesmente significa "objeto voador não identificado";
2b. J. Monari et al (2013). "Hessdalen, a perfect 'Natural Battery' " Comitato Italiano per il Progetto Hessdalen: http://www.itacomm.net/PH/2013_Monari_et-al-en.pdf (acesso em 2015)
4. A. Xavier (2013). "The Non-observable Universe and an Empirical Classification of Natural Phenomena".
4b. A. Kardec. "O que é Espiritismo". Cap. I, Primeiro Diálogo.
5. http://skeptoid.com/episodes/4270
7. O site http://www.en.hessdalen.de/ contém interessantes registros do fenômeno.

7 de abril de 2012

Sobre OVNIS, ETs e o Espiritismo

Por do sol em Marte fotografado da cratera Gusev. Imagem: Nasa (2005).
"To communicate with Mars, converse with spirits." (T. S. Elliot, 1944, 'The Four Quartets, the dry salvages", V)

Em um post anterior mostramos que a existência de vida fora da Terra tornou-se uma realidade com a descoberta de um número surpreendente de planetas em estrelas dentro do que se costumou chamar de 'nossa galáxia'. A existência dessa vida (do ponto de vista físico) depende fortemente da chance de existência de planetas, fato que se tornou fenômeno incontestável diante da prova de que existe pelo menos um planeta em média (talvez 2) para cada estrela da Via-Láctea. Isso caracteriza uma quantidade muito grande de planetas (da ordem de 400 bilhões ou, talvez, 1 trilhão), o que faz com que a chance de vida física (biológica como a nossa) seja muito grande. 

Entretanto, o assunto merece um pouco mais de atenção para tornar mais claro o ponto de vista espírita ou, melhor dizendo, espiritualista. A tese espiritualista é muito simples em essência, mas resulta em consequências inimagináveis para nossa concepção comum do mundo. Embora seja uma ideia muito antiga, tornou-se uma ideia revolucionária para a visão moderna materialista do mundo. Esse impacto tem sua razão de ser, uma vez que a ciência moderna tem seus próprios 'contrafortes' ou 'defesas' que impedem que qualquer um se aproprie de seus princípios. Há regras para se fazer ciência e essas regras não permitem que se extrapolem princípios além de determinadas fronteiras. 

A existência da fenomenologia psíquica e a certeza da existência de inteligências extracorpóreas prenuncia uma revolução ainda maior na nossa maneira de ver o mundo. Acostumados a compreender esse mundo apenas do ponto de vista de nossos sentidos ordinários, os quais apenas processam informação da matéria tangível, não somos dotados ainda de nenhum tipo de habilidade especial capaz de apreender a parte invisível do Universo. Que essa parte exista não há dúvida, pelo que chegamos à conclusão de que não é mais possível apenas confiar em nossos sentidos ordinários para explorar o Universo.

O que é vida?

Embora façamos uso da literatura espírita como base, o que discutiremos aqui é premissa de qualquer tese espiritualista. A pergunta capital é: o que é vida? Embora existam muitas definições fundamentadas na biologia para a vida, ao analisar o problema no contexto do espiritualismo, é preciso alargar radicalmente essa concepção. Pois ela não apenas engloba a existência de organismos com determinado tipo de arranjo e estrutura molecular física, mas outros tipos de formas que existem nesse Universo paralelo postulado pela tese espiritualista. Se existe sobrevivência, a resposta à questão 'O que é Vida?' deve também levar em conta esses outros tipos de existência, que não estão sujeitos à apreensão tangível. 

Logo no início de 'O Livro dos Espíritos' podemos ler a resposta dada à questão 86, sobre a independência entre o mundo material e o mundo 'paralelo' formado pelos Espíritos:
#86. O mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso alterasse a essência do mundo espírita?

Decerto. Eles são independentes; contudo, é incessante a correlação entre ambos, porquanto um sobre o outro incessantemente reagem.
A resposta é compreensível do ponto de vista lógico. Se o mundo espírita dependesse do mundo material, aquele seria uma derivação da matéria pelo que a sobrevivência não seria possível. Para a nossa discussão, se a vida espiritual dependesse da vida biológica, então, para todos os propósitos, isso equivaleria à inexistência da vida espiritual. Estabelecido a independência dos princípios, então, como dissemos acima, um novo Universo se estabelece. O Universo espiritual é essencialmente composto pelos Espíritos que constituem uma das 'forças da Natureza' (além da matéria), e que carregam memória e inteligência. Os Espíritos são fontes primárias de informação do Universo, além de terem como atributo a inteligência. 

Mas onde estão eles? Embora plenamente válida, essa questão é proferida no referencial de 'espaço ou lugar' do Universo material. Não há um 'lugar pré-definido' nesse espaço material para o elemento inteligente, pois, como vimos eles são independentes. Por isso, compreendemos a resposta à questão seguinte:
#87. Ocupam os Espíritos uma região determinada e circunscrita no espaço?

Estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Vós os tendes de contínuo a vosso lado, observando-vos e sobre vós atuando, sem o perceberdes, pois que os Espíritos são uma das potências da Natureza e os instrumentos de que Deus se serve para a execução de seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte, pois há regiões interditas aos menos adiantados.
Uma vez que esses dois universos são independentes, um não pode estar circunscrito ao outro. A independência se expressa em não existirem limites pré-fixados de um elemento para com o outro. Ainda mais importante, disso segue que confusões de entendimento podem surgir ao se procurar aplicar a um desses mundos conceitos naturalmente derivados do outro.

A analogia que podemos fazer aqui é com a vida microbiana: por mais que usemos recursos de limpeza e esterilização, nunca conseguiremos eliminar a vida microscópica que pulula a nossa volta e que não conseguimos ver. Somos, portanto, obrigados a viver em conviver com as duas realidades, embora só tenhamos acesso a uma só.

Existe vida na Lua?

Uma vez que nossa concepção de 'vida' é substancialmente alterada pela tese espiritualista, não é difícil responder à questão sobre 'a existência de vida em outros planetas'. Há certamente vida em várias gradações físicas (que é a busca por vida alienígena das ciências da matéria), mas podemos falar também em vida em outro sentido, a saber, no sentido espírita. 

Assim, se nos perguntarmos, existe vida na Lua? A resposta pode ser um sonoro 'não' se entendemos por vida a concepção puramente física dela (Nota 1). Entretanto, e quanto à existência de Espíritos? Embora um 'sim' possa parecer pura especulação (por causa de nosso apego à concepção de vida física), ele é consequência direta da tese que discutimos acima. Como o Universo dos Espíritos não depende da matéria, eles estão por toda parte. Então, pela nossa concepção radicalmente alargada de vida e consciência, a afirmativa positiva é a conclusão mais lógica. 

Interessante é ver que, ao longo do 'Livro dos Espíritos', o tema foi retomado de forma consistente com os primeiros princípios explícitos nas questões #86 e #87. Especificamente sobre 'mundos estéreis' como a Lua, encontramos a resposta à questão #236 que reproduzimos abaixo:
236. Pela sua natureza especial, os mundos transitórios se conservam perpetuamente destinados aos Espíritos errantes?
Não, a condição deles é meramente temporária.
a) – Esses mundos são ao mesmo tempo habitados por seres corpóreos?
Não; estéril é neles a superfície. Os que os habitam de nada precisam.
A resposta confirma a 'esterilidade física' de tais mundos, que são destinados à determinada classe de Espíritos. Porém, confirmada também está que a esterilidade física não é empecilho para a atração que tais mundos representem a determinados tipos de Espíritos.

Por mais extraordinárias que possam soar tais revelações, todas são consequência direta da tese fundamental espírita, a de que há sobrevivência e vida futura.

Dos OVNIs e ETs.

O leitor pode se perguntar porque escolhemos um título com as palavras OVNIS (objetos voadores não identificados) e ETs (do inglês, extraterrestrials) para uma análise sobre questão da vida em outros planetas do ponto de vista espiritualista. Nossa opinião é que a questão sobre a existência de visitas no nosso mundo (físico) de seres de outros planetas e mundos corre paralela (e bem perto) à questão da sobrevivência do Espírito. A tese da 'pluralidade dos mundos habitados' deve ser largamente aceita por todos os espiritualistas em geral e certamente é um princípio importante na solução da questão dos extraterrestres.

A 'descoberta' desse tipo de vida (física) seria uma comprovação por meios usuais (e, portanto, envolvendo a matéria tangível) de outros tipos de vida além da nossa vida física. Esse achado seria certamente inigualável frente a todos os outros da história das descobertas humanas, mas não maior do que a constatação de que, para haver vida verdadeira, não se faz necessária a matéria. Portanto, ao se aceitar abertamente a tese espiritualista, o campo de investigação estará muito mais aberto à constatação de fatos nunca antes imaginados na história humana.    
    
Referências

Nota

1 - A Lua é um corpo estéril do ponto de vista físico: não tem atmosfera, água, ou qualquer coisa necessária para abrigar vida do ponto de vista biológico. A despeito disso, algumas formas de bactérias e seres unicelulares podem viver talvez armadilhados em gelo no sopé de crateras nos pólos lunares, lugar destinado eternamente a permanecer em completa escuridão.