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2 de julho de 2015

O suicídio na visão espírita e de outras religiões


Se cada fase da vida tem algo de importante para nos ensinar, é preciso descobrir o que está reservado para nós no ocaso da existência. (A. Trigueiro, "Viver é a melhor opção", 1)

Muitas vezes, viver é um ato de coragem. (Sêneca)
Diz-se que "religião não se discute", entretanto, é na religião que encontramos uma das maiores forças de manutenção da vida humana. Um assunto que mostra todo poder da religião é a questão do suicídio. André Trigueiro recentemente lançou um livro sobre esse tema (1). Lembro-me de ler alguém reclamando que essa obra só apresenta a visão espírita do suicídio. Consultando o que há disponível na rede, encontramos várias referências sobre a visão religiosa do suicídio. Neste post fazemos um resumo dessa breve pesquisa. É interessante comparar as justificativas para a condenação do suicídio nessas diversas visões com a perspectiva espírita, que traz uma novidade. É interessante também observar que há exceções à condenação do "matar-se a si mesmo", de acordo com as referências de várias religiões. 

Já escrevemos algo sobre um tipo de suicídio neste blog (2). Mas, como se manifestam as diversas religiões sobre ele? Mais importante do que isso, como elas justificam suas posições? Há duas bases para se posicionar em relação ao suicídio:
  1. A visão de princípios;
  2. A visão das consequências do suicídio.
Para se convencer disso, basta considerar que, para doutrinas materialistas, a questão do suicídio é de reduzida importância, pois não há alma nem sobrevivência. A lógica materialista acredita que vale a pena continuar a viver desde que existam vantagens em existir. Desaparecendo essas vantagens, cessa também a necessidade de viver. Portanto, a vida para o materialismo não tem valor em si, mas é relevante apenas como condição para eventuais prazeres em existir:
O que faz a vida merecer ser vivida? Certamente muito mais ceder ao sangue suicida que há em mim e procurar o esquecimento no abraço frio da morte. (Zane Grey
Podemos falar em um "valor da vida" para cada visão religiosa - incluindo o materialismo - que é derivado da visão que cada doutrina tem da existência humana. Uma vez que o assunto é complexo, optamos por apresentar tudo em apenas um único post que, por isso, resultou extenso. Isso não significa que o assunto tenha sido exaurido. O que colocamos abaixo é apenas um resumo. A referência principal que usamos aqui como orientação pode ser lida integralmente em (3). 

Judaísmo

De acordo com (4): 
O suicídio é proibido pela lei Judaica. O Judaísmo tradicionalmente vê o suicídio como um pecado. Não é visto como alternativa a se cometer certos pecados capitais que justificariam abandonar a vida ao invés de cometê-los.
Entretanto, não há referências explícitas no Talmude sobre o suicídio. A fundamentação é, portanto, de princípios e baseada em interpretações do texto bíblico. Estudiosos e autoridades no Judaísmo porém, podem suspender a proibição do suicídio em determinadas circunstâncias, como foi o caso de Jacob Emden, que afirmou ser o suicídio uma opção a alguém condenado à pena de morte. O suicídio seria então uma maneira de se expiar o pecado que originou a condenação.

Catolicismo

Como é bastante conhecido, o Catolicismo explicitamente condena o suicídio. A razão também tem com base princípios como a proibição "Não matarás" (Êxodo 20:13), ou uma lógica como a que se lê em (5):
O suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano em se preservar e perpetuar. Ele se coloca gravemente em oposição ao amor por si próprio. Ele também ofende o amor ao próximo, porque injustamente quebra os laços de solidariedade com a família, nação e outras sociedades humanas para as quais temos obrigações.  O suicídio é contrário ao amor ao Deus vivo. (parágrafo 2281)
É possível lembrar que a condenação ao Inferno sempre correu em paralelo com a condenação do suicídio em diversas religiões cristãs. Entretanto, em uma versão moderna do catecismo da Igreja (5) podemos ler:
Não se deve temer pela punição eterna das pessoas que tiraram suas próprias vidas. Por meios apenas conhecidos por Ele, Deus pode conceder oportunidade de arrependimento. A Igreja ora pelas pessoas que tiraram suas próprias vidas. (parágrafo 2283, grifo meu
Por que a Igreja teria deixado de ameaçar com o inferno os suicidas? Talvez a condenação eterna esteja muito desacreditada na modernidade e a estratégia de se abrandar a pena recorrendo a um possível meio "somente conhecido por Deus" é mais lógica diante da crença maior em um Deus bom.

Protestantismo

Com bases semelhantes, religiões de origem protestante também condenam o suicídio. É interessante ir à origem dos movimentos protestantes e de lá extrair uma perspectiva mais moderna sobre o suicídio. Assim, para a Igreja Luterana (6):
Certamente, não temos o desejo de condenar ninguém que opte pela auto destruição. É impossível a nós descer a níveis tão baixos, em que muitos cristão chegam, e irresponsavelmente cometem tais atos. Talvez o Senhor não os julgará responsáveis, mas nós não sabemos. 
Esse mesmo texto em (6) cita uma passagem em que Lutero (1483-1546) afirmou:
Não tenho certeza se os suicidas certamente estão condenados. Penso que eles talvez não quisessem se suicidar, mas capitularam frente ao poder do demônio.
Desde esse ponto de vista, o suicídio não pode ser automaticamente condenado porque as razões para o ato são desconhecidas (a decisão de se matar segue sentimentos e intenções privadas do indivíduo). Lutero ainda foi perspicaz o suficiente em ressaltar que sua opinião não implicava na redução da gravidade do suicídio como pecado.

A opinião presente dos evangélicos nacionais sobre o suicídio pode ser lida aqui (7):
As Escrituras Sagradas relatam a história de algumas pessoas que cometeram suicídio, dentre estas: Saul (I Samuel 31:4), Aitofel (II Samuel 17:23), Zinri (I Reis 16:18) e Judas (Mateus 27:5). Todos foram maus, perversos e pecadores, o que provavelmente após a morte experimentaram a condenação eterna. Ora, sem a menor sombra de dúvidas a Bíblia vê o suicídio do mesmo modo que o assassinato – e assim o é – um auto-assassinato. Cabe a Deus decidir quando e como a pessoa morrerá. Tomar de assalto este por em suas próprias mãos, de acordo com a Bíblia, é atentar contra Deus.
Admitido isso, também não creem que um "cristão verdadeiro" perca sua salvação com o suicídio.

Islã

A recente onda de atentados de fundamentalistas islâmicos no ocidente por suicídio pode levar a se pensar que o suicídio seja amplamente aprovado pelo Islã, mas isso não é verdade. De acordo com (3):
E não se matem. Certamente Alá será mais misericordioso convosco. Corão, Sura 4 (An-Nisa). Ayat 29.
E, nos ditados de Maomé, suicidas são condenados explicitamente ao inferno. Porém, segundo Daud Matthews (8), não se deve julgar quem se suicida porque não são conhecidas as circunstâncias que levaram à decisão de se matar:
Aqui só podemos afirmar o que o Islã diz sobre o suicídio como ato. Ainda assim, não podemos julgar um caso específico de suicídio porque nunca sabemos o que apenas Alá sabe sobre o estado do suicida no momento em que comete o ato. Uma pessoa que parece se atirar de uma sacada pode ter caído por acidente, o que não sabemos. Assim, nunca devemos julgar e deixamos que isso seja feito pelo Criador que definitivamente sabe muito mais do que nós.
Como pode então existir fundamentalistas islâmicos que se suicidam em nome do Islã? É que, como todas as religiões antigas, o Islamismo se fragmentou em muitas vertentes interpretativas e algumas delas sustentam que o suicídio deve ser incentivado se for feito com objetivo de guerra religiosa. Não é na origem do movimento que devemos procurar os problemas que surgiram com as várias religiões, mas nos seguidores que interpretam de forma diferente os fundamentos. 

Hinduísmo
A prática do Sati era um rito funeral em certas comunidades asiáticas em que viúvas recentes cometiam suicídio atirando-se no fogo da pira funerária de seus maridos. Foi banida pelos Britânicos no Século XIX. Ver (10).

De acordo com Jarayan V (9)
O suicídio em Sânscrito é chamado "Atmahatya" que significa matar a própria alma. Essa palavra representa amplamente a atitude do Hinduísmo para com o suicídio. Suicídio é matar a si mesmo, pura e simplesmente. Porque o Hinduísmo vê o suicídio de forma tão negativa, como um ato desprezível e um pecado, pode ser entendido pelas seguintes razões (...)
Uma lista resumida dessas causas é fornecida na continuação do texto: "porque o Hinduísmo vê a vida como sagrada (mesmo a de insetos e animais), porque cada ser humano tem um papel e responsabilidade a desempenhar no mundo, porque o suicídio, motivado por paixões más, ignorância e ilusão, representa mau uso da autonomia que Deus deu ao homem e porque, com a vida, o homem tem obrigações para consigo mesmo, com os outros, os deuses e com seus ancestrais".

Entretanto, o Hinduísmo mantem uma crença estranha de que o suicídio é permitido em alguns casos, principalmente se cometidos por gurus como um ato de auto sacrifício ou imolação. De acordo com tal crença, casos de imolação por fogo (agnipravesa), fome lenta (prayopavesa) ou por suspensão da respiração (entrada no estado de samadhi) são considerados suicídios válidos. Portanto, para o Hinduísmo, apenas é condenável o suicídio por razões banais ou por auto ilusão.

Budismo

Das doutrinas antigas, o Budismo pode ser considerado uma das mais sofisticadas (3):
O Budismo ensina que todas as pessoas experimentam o sofrimento (dukka), que se origina primariamente de atos anteriores negativos (karma) ou que resultam do processo natural do ciclo de nascimento e morte (samsara). Outras razões para a prevalência do sofrimento dizem respeito ao conceito de ilusão (maya). Uma vez que tudo está em estado constante de impermanência ou fluxo, indivíduos passam por insatisfação com os eventos naturais da vida. Para quebrar a samsara, o Budismo advoca o nobre caminho óctuplo e não apoia o suicídio. 
Como o primeiro preceito determina que não se tire a vida de ninguém - inclusive a própria - o suicídio é considerado um ato negativo pelo Budismo. De acordo com a crença, alguém que cometa suicídio por razões negativas pode renascer em condições bastante tristes como consequência de seus pensamentos negativos. Para o Budismo, a condenação do suicídio não pode ser absoluta, devendo-se observar as razões do ato que, se negativas, são contrárias ao caminho da iluminação.

Mesmo assim, na tradição Budista, há duas estórias de monges que estavam muito próximos da morte e que, afirmando terem atingido a iluminação, cometeram suicídio - ou o que seria hoje conhecido como "eutanásia". Tais contos implicam que o Budismo antigo pôde aceitar o suicídio em certas circunstâncias (que não envolvem pensamentos negativos). Entretanto, conforme o texto (3) explica, "pessoas que alcançaram a iluminação não cometem suicídio", o que ressalta a opinião negativa que o Budismo tem hoje do suicídio.

Xintoísmo

O excessivo caso de suicídios no Japão (11) leva a se considerar influências culturais e religiosas nessa prática. A religião nacional do Japão é o Xintoísmo. Diz-se que o Xintoísmo é excessivamente condescendente com os suicidas. A origem pode ser a crença de que a vida continua na forma dos Kamis (deuses) e que a morte nada significa além da continuidade. Mas sobre esse aparente apoio dado ao suicídio, encontramos vozes no Japão que se colocam contra alguns posicionamentos ocidentais (12):
Um simpósio entre religiões no Japão explorou as atitudes das comunidades japonesas com o suicídio, incluindo o uso comum do termo "morte voluntária" - escreve Hisashi Yukimoto.
Promovido pela conferência dos bispos católicos do Japão, a conferência considerou a tendência recente de se designar o suicídio pelo termo "jishi" - que significa "morte voluntária"  ou "matar-se a si mesmo".  Muitas pessoas, incluindo membros de famílias enlutadas, agora preferem usar "jishi" (o título oficial do encontro foi "A missão dos religiosos - sobre a morte voluntária").
Um dos conferencistas, Wataru Kaya, um sacerdote xintoísta e psiquiatra, enfatizou a importância das preces e da compaixão para aqueles que se matam voluntariamente, com base na cultura tradicional japonesa. Ele reiterou que o Xintoísmo "não vê a morte voluntária como um mal absoluto".
Mas, Hiroshi Saito, que gerencia o escritório de estudos do Instituto da Doutrina Oomoto, um cisma xintoísta desde 1892, observa que o cânon Oomoto diz: "O suicídio é um pecado entre os pecados". Advertiu ainda, "ao se usar o termo 'morte voluntária', acredito que o sentido de pecado que existe ao se praticar o suicídio está sendo inconscientemente reduzido". 
Saito criticou as considerações de José M. Bertolote, do Departamento de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde que, em um artigo na revista "The Economist", disse que o suicídio no Japão é parte de uma cultura que prega ainda "o padrão ético de se preservar a honra e se fazer responsável por meio do suicídio". Saito afirmou que essas são "visões muito tendenciosas...Poucas pessoas veem o suicídio hoje no Japão como uma virtude". 
Espiritismo

Além de outras obras fundamentais, a questão do suicídio foi introduzida por A. Kardec na IV Parte de "O Livro dos Espíritos", mais precisamente entre as questões 944 e 957. O assunto se inicia pela questão #944: 
944. Tem o homem o direito de dispor da sua vida?
Não; só a Deus assiste esse direito. O suicídio voluntário é uma transgressão da lei divina.
a) – Não é sempre voluntário o suicídio?
O louco que se mata não sabe o que faz.
É importante considerar porém que, para o Espiritismo, o suicídio deve ser evitado a todo custo por causa das consequências do ato que são positivamente estudadas por meio de comunicações mediúnicas. Trata-se, assim, de uma extensão do suicídio frustrado. Mesmo para o materialismo, o suicídio pode não valer pena se o suicida não tiver competência suficiente para se matar e, do ato, resultarem sequelas e piora da situação. Suicidas em desespero podem não calcular corretamente o risco a que estão sujeitos, caso não consigam se livrar completamente de suas vidas.

Tomando como ponto de partida que o suicídio foi motivado por pensamentos e intenções negativas, a IV Parte do "Livro dos Espíritos" exploras os possíveis caminhos morais que o suicida poderia tomar caso raciocinasse diferente. Com certo escrutínio psicológico, os Espíritos identificam a grande causa como a falta de fé no futuro a principal razão para o ato suicida.  A escalada do suicídio nos tempos modernos confirma essa identificação porque ela tem, no materialismo, a sua principal doutrina de apoio:
A propagação das idéias materialistas é, pois, o veneno que inocula a ideia do suicídio na maioria dos que se suicidam, e os que se constituem apóstolos de semelhantes doutrinas assumem tremenda responsabilidade. Com o Espiritismo, tornada impossível a dúvida, muda o aspecto da vida. O crente sabe que a existência se prolonga indefinidamente para lá do túmulo, mas em condições muito diversas; donde a paciência e a resignação que o afastam muito naturalmente de pensar no suicídio; donde, em suma, a coragem moral. (O "Evangelho S. o Espiritismo" Capítulo V, "Suicídio e Loucura".Parágrafo 16)
A certeza da vida futura tem, portanto, a capacidade de anular o efeito do suicídio nesses casos:
A calma e a resignação hauridas da maneira de encarar a vida terrestre e da fé no futuro dão ao espírito uma serenidade que é o melhor preservativo contra a loucura e o suicídio. Com efeito, é certo que a maioria dos casos de loucura se deve à comoção produzida pelas vicissitudes que o homem não tem a coragem de suportar. Ora, se encarando as coisas deste mundo da maneira por que o Espiritismo faz que ele as considere, o homem recebe com indiferença, mesmo com alegria, os reveses e as decepções que o houveram desesperado noutras circunstâncias, evidente se torna que essa força, que o coloca acima dos acontecimentos, lhe preserva de abalos a razão, os quais, se não fora isso, a conturbariam.(O "Evangelho S. o Espiritismo" Capítulo V, "Suicídio e Loucura". Parágrafo 14)
Com relação ao "suicídio por sacrifício", há condições específicas que o desqualificariam como um suicídio, conforme pode-se ler na questão #951 de "O Livro dos Espíritos":
951. Não é, às vezes, meritório o sacrifício da vida, quando aquele que o faz visa salvar a de outrem, ou ser útil aos seus semelhantes? 
Isso é sublime, conforme a intenção, e, em tal caso, o sacrifício da vida não constitui suicídio. Mas Deus se opõe a todo sacrifício inútil, e não o pode ver de bom grado se tem o orgulho a manchá-lo. Só o desinteresse torna meritório o sacrifício e, algumas vezes, quem o faz guarda oculto um pensamento, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.
O "valor aos olhos de Deus" é uma designação metafórica para o real estado da consciência no momento da realização do ato. Por sua importância, essa "exceção" é comentada por Kardec:
Todo sacrifício que o homem faça à custa da sua própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque é a prática da lei de caridade. Ora, sendo a vida o bem terreno a que maior apreço dá o homem, não comete atentado o que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes: faz um sacrifício. Mas, antes de o cumprir, deve refletir sobre se sua vida não será mais útil do que sua morte. (grifo meu)
É claro que o ato só é justificável se tem como consequência o bem dos semelhantes. Dito isso, ainda assim são raríssimas as evidências mediúnicas que atestariam essa exceção. A maior parte delas relata grandes sofrimentos com a morte planejada.

O que dizem as cartas psicografadas

Como uma extensão dos casos de sequelas de suicídios malogrados, a visão das "consequências" se explica ao se conhecer com precisão o estado da alma após a morte. O Espiritismo traz uma contribuição inovadora porque afirma ser possível conhecer essa situação por meio de evidências. Os meios de contato com os mortos constituem um processo antigo, cuja importância para o pensamento religioso e psicológico tem o seu reconhecimento no Espiritismo. O problema do suicídio adquire uma nova dimensão apenas quando a visão da vida futura é aceita abertamente.

Em "O Céu e o Inferno", II Parte do Capítulo V, há duas comunicações analisadas por A. Kardec. A do "Suicida da Samaritaine" e a do "Sr. Félicien". Há também outros trechos, como na "Revista Espírita" de Agosto de 1860  e Janeiro de 1869. No caso do suicida de Samaritaine, a conformação do sofrimento pode ser lida na resposta dada à invocação do Espírito, que ainda alimentava a ideia de desaparecer, ignorante de seu estado: 
5. Que motivo vos levou a vos suicidardes?  
Eu morri? ...Não... habito meu corpo... Não sabeis quanto sofro!... Asfixio... Que uma mão compassiva tente acabar comigo!
Encontramos em nossas pesquisas 14 autores de cartas psicografadas por Chico Xavier reportados como suicidas. Desses destacamos como exemplo Francisco A. Nogueira Filho (1960-1978). Sua morte se deu por enforcamento a 15 de agosto de 1978. Sobre sua carta (13), destacamos alguns trechos:
Ignoro que forças indomáveis me fizeram aceitar a ideia de uma corda que me pendurasse o corpo, a fim de que tudo acabasse para mim. (...)
O que se passou, não tenho vocábulos para contar. Quanto tempo me arrastei naquelas sombras densas, arrependido e infeliz, não sei dizer.
Tive medo da vida, sem a presença de meu pai, mas o medo era o que eu sentia e não aquela temeridade que acabou por me perder. 
(...) Depois de um tempo que para mim teve a duração de séculos, uma voz me veio atender aos gritos de socorro... (grifos meus)
A explicação para as "sobras densas" (que também aparece nas comunicações obtidas por Kardec) pode ser achada neste comentário de A. Kardec ("Céu e Inferno", II Parte, Cap. V, "O Suicida de Samaritaine"):

Sua alma, embora separada do corpo, ainda está completamente mergulhada no que se poderia chamar o turbilhão da matéria corpórea; as ideias terrestres ainda são vivazes; ele não acredita que está morto.
A "duração de séculos", em verdade, foi menos de cinco anos, pois a data da primeira mensagem é de janeiro de 1982. Em todas essas cartas - que tocaram profundamente os parentes e lhes serviram como lenitivos para as dores da separação - os Espíritos suicidas reconhecem a falta, a passagem pelo sofrimento e a perspectiva de reparação no futuro. 

Com relação ao sofrimento experimentado por suicidas com a morte, já havia observado Kardec pelas comunicações que não havia uma regra uniforme para todos os casos:
Esse estado é frequente nos suicidas, mas nem sempre se apresenta em condições idênticas; varia sobretudo na duração e na intensidade segundo as circunstâncias agravantes ou atenuantes da falta. Ela é frequente entre aqueles que viveram mais da vida material do que da vida espiritual. Em princípio, não há falta sem punição; mas não há regra uniforme e absoluta nos meios de punição. (O Céu e o Inferno, II Parte, Exemplos, Capítulo V - Suicidas: O suicida da Samaritaine)
De fato, em uma das cartas psicografadas, um dos autores reporta o estado de uma parenta suicida cuja culpa não teria se estabelecido pelo seu estado de doente mental. 

Perspectivas com as evidências de além-tumulo


Nossa pesquisa bastante imperfeita mostra que, embora textos considerados sagrados possam veementemente condenar os suicidas, a maior parte das autoridades religiosas mais lúcidas são cuidadosas em ressaltar a impossibilidade da condenação absoluta - punição eterna -  pelo desconhecimento das causas que levaram o ato. Em todos os casos, o suicídio é condenável porque:
  • Entende-se que o direito de subtração da vida não compete ao homem a quem a vida foi dada por um poder superior;
  • O suicídio rompe laços de família e de obrigação que o indivíduo tem com sua sociedade e com o poder criador.
Nossa conclusão é que, embora as diferenças patentes entre as crenças, fundamentalmente as religiões condenam o suicídio por motivos semelhantes. Porém, o Espiritismo permite pesquisar as consequências do ato após a morte:

  • Por causa do rompimento abrupto do fluxo vital que viria a termo com a morte natural, o suicida está exposto a uma variedade de sofrimentos cuja duração não pode ser prevista e que gerará consequências para sua vida futura.
Alguns intelectuais, ignorantes da fenomenologia psíquica, mantem a opinião de que a visão de sofrimento dos suicidas no além túmulo é um recurso psicológico - que se acredita inválido - para desmotivar o suicídio. Tal como a condenação eterna, seria um recurso para "assustar criancinhas". Ingenuamente creem eles, em suas visão materialista, que o ser não sobrevive e, portanto, não há porque se preocupar com isso. Como já dissemos antes, o materialismo não tem como frear o impulso suicida, sendo na verdade um potencializador dele, porque sua principal motivação é a falta de fé no futuro e a crença errônea de que a morte é o fim do ser. O Espiritismo, ao abrir um canal com os mortos - antes considerado proibido ou inaceitável por algumas religiões - permite conhecer em detalhes o estado da vida futura, conforme os atos previamente cometidos. Trata-se, portanto, de uma extensão dos casos das sequelas dos suicídios frustrados em estado desencarnado. 

Não mais nosso estado presente de compreensão se baseará em antigas tradições ou crenças, mas na comprovação e nas evidências - que ainda não são universalmente aceitas por razões alheias aos fatos. É um novo mundo que se abre, permitindo o planejamento de nossas vidas pelo conhecimento das consequências finais dos erros alheios. A certeza na continuidade abranda as dores do agora e permite que o suicídio deixe de ser considerado como solução final. O suicídio é, acima de tudo, um problema de saúde espiritual e como tal deve ser tratado.

Agradecimento.

Agradeço a Eliana Ferrer Haddad (Correio Fraterno) pela sugestão do tema.

Referências

(1) A. Trigueiro (2015). Viver é a melhor opção - a prevenção do suicídio no Brasil e no mundo. 1a Ed. Editora Correio Fraterno.

(2) Ver: Alguns pontos sobre a visão espírita do suicídio assistido.

(3) Religious views on suicide. Em http://en.wikipedia.org/wiki/Religious_views_on_suicide (acesso em junho de 2015). Em português sobre o suicídio há http://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio. Ver também:
(4) Jewish views on suicide. Em http://en.wikipedia.org/wiki/Jewish_views_on_suicide

(5) Catechism of the Catholic Church.
(6) Ver http://www.atruechurch.info/lutheransuicide.htm (acesso em junho de 2015). Original:
"Assuredly we would not wish to judge anyone who resorts to self-destruction. It is impossible for us to plumb the depths of gloom into which even Christian people may sink and irresponsibly lay unholy hands upon themselves. Perhaps the Lord will not hold them responsible, but we do not know." (What's the Answer, CPH, 1960, p. 144).
(7) http://renatovargens.blogspot.com.br/2013/11/os-evangelicos-e-o-suicidio.html

(8) What Does Islam Say On Suicide & Its Punishment? Ver: http://www.onislam.net/english/ask-about-islam/islam-and-the-world/worldview/166359-suicide-an-islamic-prespective.html (Acesso em junho de 2015). Versão original:
"Here we can only state what Islam says about suicide as an act. Yet, we cannot always judge a specific case of suicide because we never know what Allah knows about the state of the doer the moment he/she commits it. A person who seems to have thrown himself down from the balcony might have fell by accident, while we don’t know it. So, we are never to judge and we leave the final judgment of each case for the Creator, Who definitely knows better." 
(9) http://www.hinduwebsite.com/hinduism/h_suicide.asp (Acesso Junho de 2015)

(10) Sati: http://en.wikipedia.org/wiki/Sati_(practice)

(11) "Suicide rates Data by country". World Health Organization. 2012. Retrieved 13 June 2015

(12) ENInews (2011) Japanese religious bodies discuss suicide and 'voluntary death'. Em http://www.ekklesia.co.uk/node/15647

(13) F. C. Xavier e C. Ramacciotti (1982). "Entes queridos". Ed. GEEM.

4 de novembro de 2014

Alguns pontos sobre a visão espírita do suicídio assistido.


"Sua alma, embora separada do corpo, ainda está completamente mergulhada no que se poderia chamar o turbilhão da matéria corpórea; as ideias terrestres ainda são vivazes; ele não acredita que está morto." (A. Kardec, "O Céu e o Inferno", Segunda Parte, Exemplos, Capítulo 5, Suicidas: O suicida de Samaritaine)

O suicídio assistido (eutanásia ativa, 1) é a liberdade dada a pacientes considerados terminais, sem cura, de planejarem  e executarem a própria morte. Vimos um caso  recente, o da americana Brittany Maynard de 29 anos (2) que, diante de um tumor de cérebro incurável, decidiu se suicidar. Nesse caso, cremos não haver diferença com qualquer outro ato de suicídio conscientemente decidido, já que a impossibilidade de cura não é justificativa para o ato como discutimos abaixo.

A questão da decisão pelo suicídio assistido ou eutanásia é considerada um tabu na sociedade pelas incertezas sobre a vida futura ("medo da morte"). Com a onda de liberalismos crescentes, grupos se fortalecerão propondo sua aplicação de forma sistemática. Há uma clara fronteira entre a vida e a morte em uma sociedade que tem muita dificuldade em lidar com a morte.

Discutimos aqui alguns pontos que devem ser considerados no esboço da visão espírita do suicídio assistido. Eles não pretendem ser definitivos, mas devem ser lembrados no contexto do avanço do conhecimento trazido pela Doutrina Espírita. Esses pontos também se aplicam ao suicídio de forma geral.

O "Livro dos Espíritos", questão 953.
Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, por uma morte voluntária? 
“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, malgrado as aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?” 
a) – Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o suicídio seja repreensível; mas estamos figurando o caso em que a morte é inevitável, e em que a vida só é encurtada de alguns instantes. 
“É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.”
Antes que o leitor cético conclua que a proibição do suicídio para o Espiritismo - mesmo no caso assistido - se baseia em um critério de autoridade, é preciso lembrar o suporte empírico que a Doutrina Espírita apresenta ao problema. De fato, seria um critério exclusivamente de autoridade, não dispusesse o Espiritismo de métodos e processos de demonstração com os quais ele ilustra seus princípios. Isso diferencia bastante o conhecimento espírita de outras tradições religiosas ou culturais. Basta ver o Capítulo 5 de "O Céu e o Inferno" de A. Kardec para colher informes sobre o estado futuro daqueles que cometem suicídio. Além do sofrimento, suas maior consequência, para quem o pratica, é uma profunda desilusão por se perceber vivo, por reconhecer a inutilidade do ato. 

Não há dúvidas de que o suicídio é uma opção. É a aplicação da "lei de liberdade" (Questão 843 em "O Livro dos Espíritos), não há razão para se duvidar desse direito. Mas, a decisão sobre a conveniência ou não de um ato obviamente não pode se basear exclusivamente na existência do direito de praticá-lo. Proponentes do suicídio assistido, eutanásia ou do aborto justamente reduzem a questão à discussão de direitos porque confundem progresso com liberdade irrestrita.

É fora de dúvida que temos o direito de praticar muitos atos dentro da liberdade que dispomos. Mas, nem todos esses atos são convenientes. Certamente, a liberdade de se atirar do vigésimo andar de um prédio deve ser ponderada pelos sofrimentos que colheremos como consequência da queda. Inúmeros outros exemplos são frequentemente adiantados por médicos e especialistas em saúde quanto ao sofrimento material do uso de drogas, de práticas ilícitas etc.

Ainda assim, vemos céticos que acusam os espíritas de usar o medo como arma de convencimento. É claramente irracional desprezar evidências, quaisquer que sejam elas, o que se aplica também às resultantes da mediunidade, que sinalizam que o suicídio leva ao sofrimento. Contra essas, o recurso final é "negar sistematicamente", por isso nos posicionamos tanto aqui contra o ceticismo.
Ora, se evidências de sofrimento certo não servem para convencer alguém da inconveniência de um ato, nenhum outro argumento será suficiente.
16. A incredulidade, a simples dúvida sobre o futuro, as idéias materialistas, numa palavra, são os maiores incitantes ao suicídio; ocasionam a covardia moral. Quando homens de ciência, apoiados na autoridade do seu saber, se esforçam por provar aos que os ouvem ou leem que estes nada têm a esperar depois da morte, não estão de fato levando-os a deduzir que, se são desgraçados, coisa melhor não lhes resta senão se matarem? Que lhes poderiam dizer para desviá-los dessa conseqüência? Que compensação lhes podem oferecer? Que esperança lhes podem dar? Nenhuma, a não ser o nada. Daí se deve concluir que, se o nada é o único remédio heroico, a única perspectiva, mais vale buscá-lo imediatamente e não mais tarde, para sofrer por menos tempo. 
A propagação das ideias materialistas é, pois, o veneno que inocula a ideia do suicídio na maioria dos que se suicidam, e os que se constituem apóstolos de semelhantes doutrinas assumem tremenda responsabilidade. Com o Espiritismo, tornada impossível a dúvida, muda o aspecto da vida. O crente sabe que a existência se prolonga indefinidamente para lá do túmulo, mas em condições muito diversas; donde a paciência e a resignação que o afastam muito naturalmente de pensar no suicídio; donde, em suma, a coragem moral. ("O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo 5, O Suicídio e a Loucura).
Ao invés de se fixar no sofrimento, a crença na vida futura antevê o estado de felicidade em que se encontrará o ser depois de passar pelas dificuldades da existência Uma verdadeira revolução opera naquele que adquire a certeza da continuidade da vida. Ele sabe que o sofrimento é transitório e que, mesmo se sua vida material terminar, continuará a existir em outro estado, livre da matéria e das vicissitudes por ela impostas. Essa é a verdadeira visão espírita, aquela que deverá assinalar uma mudança completa na maneira como encaramos o sofrimento e a morte.

Conclusões

A dúvida sobre a vida futura é dissipada pelo conhecimento espírita, que traz informações, declaradas pelo próprio ser depois da morte, sobre seu estado. E as informações da via mediúnica mostram que a prática do suicídio leva ao sofrimento do Espírito no curto prazo, à ponderação quanto a sua inutilidade e à necessidade futura de reparação (3).   Se há sofrimento "do lado de cá", também há "do lado de lá", resultado do continuísmo da vida. Mas, os que confundem progresso com liberdade irrestrita, pensam o contrário e desprezam os relatórios mediúnicos como novas versões do inferno cristão.

O suicídio é, acima de tudo, consequência do materialismo, da incredulidade, da ignorância total da vida futura e da transitoriedade dos sofrimentos, da falta de resignação do indivíduo cujo orgulho o faz crer ser indigno da situação a ser vencida. Somente uma crença forte, escorada em evidências e em um método, é capaz de vencer esse estado de coisas. As milhares de mensagens e comunicações daqueles que partiram pedem que tenhamos mais paciência com nossas provas. Elas são passageiras e um futuro grandioso aguarda os que souberem suportá-las com coragem e resignação.

Referências

(1) http://pt.wikipedia.org/wiki/Eutan%C3%A1sia

(2) http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/podemos-decretar-a-propria-morte

(3) O suicídio leva não só ao aumento do sofrimento, mas exige o retorno as mesmas conjunturas que  resultaram ao ato. O Espírito praticamente se força a nova existência quando terá que vencer a prova onde falhou. Isso acontecerá tantas vezes quanto ele capitular na prova.