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19 de março de 2019

Anotações sobre a concepção espírita dos sonhos

"O sonho" (Pierre-Cécile Puvis de Chavannes, 1883)Fonte: Wikipedia.
"A lembrança que conserva, ao desper­tar, 
daquilo que viu em outros lugares 
e em outros mundos ou em existências passadas, 
constitui o sonho propriamente dito". A. Kardec (1). 

"Um dia será oficialmente admitido que 
aquilo que chamamos realidade é uma ilusão 
ainda maior do que o mundo dos sonhos". Salvador Dali

Uma parte importante da existência humana é passada dormindo. Em aproximadamente um terço de nossa existência como encarnados dormimos (2). O que acontece nesse estado? Embora seja fácil entender a necessidade do sono - tão natural que nem questionamos sua importância - algo mais difícil é caracterizar e entender os sonhos. O que a compreensão da natureza dual do ser humano,  permitida pela Revelação Espírita, revela sobre nosso entendimento dos sonhos ? 

A experiência onírica é bastante diversa das percepções ordinárias da vigília. Essas últimas admitem "testemunhas" pelas quais as pessoas compartilham experiências publicamente. Se viajo com minha família para um lugar turístico, as experiências que eu tenho são as mesmas que meus parentes também têm. Mas, nos sonhos, isso não se aplica. Toda a experiência dos sonhos é, em princípio, privada, ou seja, vivida apenas em "primeira pessoa", apenas por mim. Se sonho que estou com minha família fazendo turismo, provavelmente ao questionar meus parentes, eles não confirmarão a mesma experiência. Essa característica marcante é o que faz com que sonhos sejam, em sua grande maioria, tomados como experiências geradas exclusivamente pela mente de quem sonha. 

Outra característica marcante dos sonhos (eu mesmo já experimentei isso) é a aparente ausência de conexões causais dentro de um sonho. O que acontece em um determinado momento - mesmo tendo como causa aparente algo anterior durante o sonho - não se apresenta exatamente assim em um momento depois. Um exemplo: lembro-me de um sonho em que estacionei um carro em determinado local. Depois de outros fatos no sonho, quando retornei para pegar o carro, ele não estava mais lá ou, ao menos, não me lembrava de onde tinha deixado o carro... Por outro lado, também me lembro de sonhos em que recordei, no próprio sonho, ter estado em lugares (de sonhos) anteriores. Nesse caso, eu apenas continuava uma aventura ocorrida algumas noites antes e tive, no sonho, consciência disso: tratava-se de um "sonho lúcido".

O sonho como uma síntese mnemônica recriada das vivências da alma durante o sono

Como sintetizou Kardec, o sonho não se reduz ao estado da vida da alma livre do corpo. Se assim fosse, embora uma experiência privada, ele deveria ter coerência. O sonho é uma síntese mnemônica (a "lembrança que conserva") do que ocorreu durante o sono. Essa síntese, recriação ou montagem é bastante afetada por memórias ou lembranças já existentes, daquilo que interessa à mente nas experiências durante o sono (ou seja, ao Espírito), ou do que fica impregnado como lembrança para ela no momento do despertar. Na formação dessa síntese (através de mecanismos ainda desconhecidos), quase tudo que é relevante ao indivíduo dá sua contribuição: os desejos, temores, experiências reinterpretadas da véspera, lembranças dessa e de vidas anteriores e, inclusive, vivências que o Espírito livre teve, ou seja, as próprias lembranças de sonhos anteriores.

Para mim, a imensa maioria das pessoas (nas quais me incluo) não é capaz de reter perfeitamente, pelo prisma do cérebro, lembranças que vieram pelos sentidos da alma durante o sonho. Assim, o que acontece é que a lembrança dos sonhos é recriada em termos de um "banco de memórias" adquirido dessas vivências anteriores. É como querer criar um filme novo usando sequência de cenas de filmes velhos ou já editados. Assim, nesse processo de "reedição", o banco de memórias é usado como uma sequência de símbolos, cenas ou poses que tentam "sintetizar uma lembrança" da vivência real. É por isso que, ao acordar, muitas vezes, a sequência que surge é errática e não parece fazer sentido racional.

Por exemplo: imagine que eu, em Espírito, tenha estado em contato com outras pessoas, durante o sono. Quando acordar, provavelmente, o processo de lembrança preecherá as personalidades com quem tive contato com figuras ou pessoas que eu conheço de fato: a vezes, um amigo que sei depois estava acordado, uma pessoa com quem tive amizade há muito tempo etc. É possível até mesmo que o sonho seja preenchido com uma imagem de um parente desencarnado. E, assim, em geral acordamos pensando que estivemos com "fulano" já morto, mas na verdade era outro... Trata-se assim de uma recriação. De forma alguma minha lembrança reproduz fielmente o que passei em Espírito, apenas o 'script' é mais ou menos parecido. Essa montagem mnemônica é necessária para dar sentido durante a vigília para a experiência vivida no sonho. É assim porque as experiências durante o sono atingem a alma não pelas vias comuns dos sentidos materiais. Logo, ao impregnarem o cérebro no acordar são reinterpretadas.

Quer dizer então que não eram eles os que estavam naquele sonho que tive com minha mãe, pai ou parente falecido?  Não necessariamente. Situação algo diversa ocorre nos já citados sonhos lúcidos, que são uma categoria de sonhos mais raros e bem peculiares. Neles o indivíduo que sonha sabe que está sonhando, ou que está tendo a experiência. Nos sonhos que tive com minha mãe já desencarnada, tive a nítida impressão que ela veio me visitar e, coisa estranha, o sonho se passo no leito onde eu repousava e quase sempre terminava com o meu acordar em lágrimas. Esses tipos de sonho diferem intensamente da imensa maioria que tenho, formado por imagens banais, as vezes sequências que pouco ou nenhum sentido fazem. Sei que os primeiros são sonhos especiais porque são cheios de significações e muito diferentes dos últimos.

Essa ideia dos sonhos como um processo de recriação da experiência da alma durante o sono por meio de imagens preexistentes permite explicar os chamados "sonhos premonitórios". De fato, esses podem ser recriados com imagens anteriores, mas tratam de eventos futuros com base em experiências da alma no Além a respeito desses fatos. Tentar interpretá-los é uma experiência frustrante, pois eles só fazem sentido para quem teve o sonho e que mantem, inconscientemente, seu real significado. Além disso, quem sonha premonições pode não ser  competente em transmitir seu significado a tempo, uma fonte de inúmeras confusões.

Em suma podemos dividir em vários níveis as impressões dos sonhos e como eles se manifestam:
  1. O sentido profundo, que só existe para alma, muitas vezes de forma inconsciente. Esse sentido pode ser recapitulado em outros sonhos ou invocado em sonhos lúcidos. Certamente sobrevive à morte física,
  2. O sentido fragmentado, que é recriado com imagens ou memórias preexistentes, é o sonho "materializado" para o Espírito na vigília, talvez acabe esquecido com a morte física,
  3. O sentido transmitido para os outros, ou como descrevemos para os outros, durante a vigília, as nossas experiências oníricas. Elas podem causar, nos outros, impressão muito diferente do original, o que torna difícil sua "interpretação", embora em alguns "sonhos anômalos" ela  pode ser bem clara.
A importância dos "sonhos anômalos"


José interpretando o sonho do Faraó (Gen 41, 14-36).
Imagens da Torá por P. Medhurst (Wikipedia)

A grande parte do impasse teórico das concepções mais populares para explicar a mente se deve porque elas se referem apenas ao que passa com a imensa maioria. Entendo a razão disso de um ponto de vista prático. Estatisticamente, parece fazer sentido se dedicar ao que acontece na maior parte das vezes. Porém, com isso, sacrificamos a compreensão das causas mais profundas em detrimento do que é mais frequente. Assim, as anomalias que ocorrem com alguns poucos são varridas para "debaixo do tapete" por meio de explicações aparentemente aplicáveis apenas ao que é geral. Mas, será que a explicação mais verdadeira é aquela que serve para a maioria ou a que não deixa nenhum fato de lado? Na medicina, não se aprende nada sobre doenças estudando apenas os sãos. Portanto, é preciso estudar o anômalo, pois só ele permite estabelecer novas correlações, e explicar a exceção além da regra

Isso é justamente o que acontece nos chamados sonhos anômalos. Seriam eles sonhos comuns, não fosse o fato de que se aproximarem dos sonhos lúcidos e trazerem mensagens que contêm "conteúdo anômalo", além de bastante significativos. Um trabalho interessante é o de S. Krippner e L. Faith, entitulado "Sonhos exóticos: um estudo intercultural" (3). Nesse trabalho, os autores conseguiram separar (de um conjunto com quase 1700 relatos de sonhos), aproximadamente 185 (ou 8%) considerados "exóticos". Os sonhos receberam uma classificação conforme o tipo: sonhos de curas, sonhos lúcidos, sonhos criativos, sonhos com experiências fora do corpo, sonhos compartilhados, sonhos dentro de sonhos (como eu tive), sonhos com vidas passadas, sonhos de visitas etc.

Interessante, por exemplo, são os chamados "sonhos compartilhados". São relatos de pessoas que têm sonhos mútuos, ou seja, os sonhos são posteriormente descritos como coincidentes para mais de uma pessoa, o que revela um enfraquecimento do caráter "primeira pessoa" do sonho (4).

Nos sonhos criativos, Krippner e Faith registraram casos em que pessoas foram auxiliadas em sonho na solução de problemas da vida da vigília.

Em um sonho precognitivo, um indivíduo sonhou antecipadamente com a pessoa com quem iria se casar mais tarde.

Em um sonho de visitação, uma pintora do Japão relatou ter sido aconselhada por seu pai, falecido na Segunda Guerra mundial, a escolher certos tipos de pintura e até sobre como usar o pincel. A experiência foi bastante significativa para ela, que melhorou seu desempenho profissional.

Os autores também descobriram que nem sempre sonhos sobre tragédias terminam de forma fatal, mas se manifestam antes como anúncios de doenças ou de situação vulnerável de pessoas à distância.

Finalmente, os autores em (3) parecem ter descoberto uma correlação entre a incidência de sonhos anômalos e o tipo de cultura em que ocorrem. De fato, essa correlação faz sentido, considerando que os sonhos são interpretados em termos de uma bagagem mental prévia. Assim, quanto maior for o discernimento que o indivíduo tem a respeito das realidades do espírito, tanto mais claros espiritualmente serão os registros deixados nos sonhos, cuja manifestação se dá como sonhos exóticos ou peculiares.

É possível ainda que a maioria das pessoas já tenha experimentado - ao menos uma vez na vida - esse tipo de sonho.

Conclusões

Nessa pequena anotação, elencamos alguns aspectos que parecem relevantes para entender a gênese e o processo dos sonhos.

A compreensão do mecanismo dos sonhos deve tanto explicar a dinâmica dos sonhos com a imensa maioria das pessoas, como também aquelas experiências bastante peculiares, que ocorrem com grupos específicos, e que podem também se manifestar ao menos uma vez na existência dessa maioria.

Não é possível entender os sonhos sem a compreensão da natureza dual do ser humano, que explica os sonhos peculiares como um semi-desdobramento da alma. Aquilo que chamamos de sonhos são, na verdade, lembranças de ocorrências durante o sono, na sua maioria remontadas a partir de lembranças ou memórias já vividas. Essa explicação está de acordo com a ideia de que, no estado do sonho, o Espírito não pode sensibilizar diretamente o corpo (leia-se o cérebro), porque está dele afastado. No processo de "remontagem" da lembrança, tanto experiências da vida presente (fatos corriqueiros, pessoas etc) são usados, como também lembranças não ordinárias (p. ex., de vidas anteriores, de outros sonhos etc).

O caráter aleatório, estranho ou sem sentido da maioria dos sonhos é consequência dessa remontagem a partir de um banco de fragmentos de lembranças. De forma geral, o sentido dos sonhos só existe para a pessoa que o tem. É muito difícil interpretar corretamente os sonhos, embora isso possa acontecer excepcionalmente.

O entendimento de que sonhos são lembranças da vida do Espírito permite explicar uma grande variedades de relatos de sonhos considerados "anômalos", que são importantes fontes reveladoras do mecanismo dos sonhos. Sem atenção a esses relatos anômalos, a explicação dos sonhos fica reduzida a meros "alucinações" ou "fantasias" do cérebro, sem correlação com a verdadeira realidade que os explica.

Em particular, além da divisão entre "sonhos ordinários" e "peculiares", para a maioria das pessoas, os sonhos ainda se dinstinguem entre "comuns" e "lúcidos". Nos sonhos lúcidos, o indivíduo que sonha sabe que sonha e por isso, teoricamente pode "controlar" o que sonha. Aparentemente, esse controle estaria sujeito a treinamento (5).

Parece evidente que o sonhar é fase importante do desenvolvimento ou progresso da alma encarnada, quando ela exercita, por repetição, sua libertação do corpo físico e rememora sua vida desencarnada. Em certo sentido, sonhar é um treino para a libertação final da morte.

Notas e referências

(1) A. Kardec. "Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas". Vocabulário Espírita. Sonho.

(2) O que também é verdade com os animais. Essa observação se baseia na contatação de certos padrões de ondas cerebrais em mamíferos, o que seriam indícios de sonhos em semelhança com  os humanos. Sobre a questão do sonho nos animais ver: Pearlman, C. A. (1979). REM sleep and information processing: evidence from animal studies. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 3(2), 57-68.

(3) Krippner, S., & Faith, L. (2001). "Exotic dreams: A cross-cultural study". Dreaming, 11(2), 73-82.

(4) Outro trabalho relacionado a sonhos compartilhados é Davis, W. J., & Frank, M. (1994). "Dream sharing: A case study". The Journal of psychology, 128(2), 133-147.

(5) Ver, p. ex.: May E. C & LaBerge S. (1991) "Anomalous Cognition in Lucid Dreams". Science Applications International Corporation. Interessantemente, uma página da CIA (Agência de Inteligência Americana) hospeda esse documento. Em Março de 2019, pode ser encontrada aqui:

15 de setembro de 2012

Reflexões sobre o contexto de experiências de quase-morte: artigo de Michael Nahm (2011) - 1/2.


"Nesses momentos ele vive da vida espiritual, enquanto que o corpo vive apenas da vida vegetativa; acha-se, em parte, no estado em que se achará após a morte: percorre o espaço, confabula com os amigos e outros Espíritos, livres ou encarnados como ele." (A. Kardec, 'A Gênese', Cap. 14, II - Explicação de alguns fenômenos considerados sobrenaturais, visão espiritual ou psíquica, dupla vista, sonambulismo, sonhos, parágrafo 23).

Em um artigo recente e muito interessante, Michael Nahm (2011), "Reflections on the Context of Near-Death Experiences", apresenta uma introdução ao fenômeno de experiências de quase morte (em inglês NDE, near death experiences) como visto pela perspectivas de fenômenos correlacionados a NDE e que ocorrem um pouco antes, durante ou depois dele. Tais ocorrências constituem o que Nahm chama de 'contexto' das NDEs. Ele chama a atenção para o fato de que muitos pesquisadores que buscam explicações 'naturalistas' para a NDE não prestam atenção devida a tais eventos, gerando assim, explicaões incompletas. Esse estudo é interessante pois demonstra a amplitude explanativa da tese espiritualista que descreve o ser humano como composto de um 'duplo': primeiro a noção filosófica dualista de corpo e espírito e, depois, a tese espírita de um novo corpo (perispírito) que sobrevive a morte e que também não deve ser confundido com o Espírito.

Aqui apresentamos a 1a parte (de 2) de um resumo do artigo de Nahm com citação de referências contidas nesse artigo. O estudo mostra também que essas referências modernas confirmam o que Kardec já havia descoberto e descrito em muitos de suas obras. No que consistiria tal contexto? O artigo analisa os seguintes fenômenos registrados na literatura:

Modificações corporais inexplicáveis (Unexplained Bodily Changes): tais modificações ocorrem durante ou logo após uma NDE. São curas ou alívios momentâneos que trazem lucidez ao paciente que passa pela NDE. Há entretanto relatos de modificações físicas inexplicáveis (Pasricha, 2008) que parecem corresponder à experiências que ocorreram durante o estágio de NDE. Há estudos que demonstram a existência de ocorrências de marcas corporais durante estados hipnóticos ou durante sonhos, o que forneceria uma possível mecanismo para explicação das marcas observadas durante NDEs. 

Experiências fora do corpo reciprocamente confirmadas (Reciprocally Confirmed OBEs During Near-Death States), De acordo com Nahm :
Em casos típicos, uma pessoa em um estado de NDE afirma ter visitado membros da família à distância, pessoas que muito se deseja encontrar.  A visita ocorre por meio de uma 'experiência fora do corpo' (OBE: em inglês 'Out-of-the-body experience). Posteriormente, esses membros da família confirmam terem recebido uma impressão da presença da pessoa no momento assinalado por ela. (Nahm, 2011, para o texto original, ver seção, 'Originais do artigo', 1)
Isso seria uma variedade de aparições durante as crises que tem sido narradas na literatura (Fenwick, Lovelace e Brayne, 2010) sobre eventos psíquicos. Já em 1868 em 'A Gênese', Kardec descreveu esse tipo de ocorrência (Nota 1). Pode-se também correlacionar tais experiências como uma variedade dos chamados fenômenos de 'aparições dos vivos' que foi abundantemente tratado por Kardec (Nota 2) e outros (Gurney, Myers e Podmore, 1886). Estudos recente apontam para ocorrência de 'comunicações pós falecimento' (LaGrand, 1997) que seriam curtas notícias verificados junto a familiares:
Em todos esse casos, o modo geral de ocorrência parece ser idêntico ao das aparições durante as crises de vivos ou pessoas quase falecidas, mas as motivações para seu aparecimento ou as mensagens a serem passadas são diferentes: as aparições de crise tendem a informar a pessoa sobre a crise ou a própria morte, enquanto que as aparições de recém falecidos transmitem frequentemente mensagens de bem estar, esperança ou encorajamento aos que ficaram enlutados. (Nahm, 2011, para o texto original, ver seção 'Originais do artigo', 2)
O primeiro caso caracterizaria o que é chamado de DBV (deathbed visions), ou visões do leito de morte. Com relação a esses últimos, Nahm considera: (a) as DBVs trazem mensagens consoladoras; (b) quase sempre surgem imagens de parentes falecidos durante as DBVs; (c) as DBV compartilham de aparência semelhante a de muitas outras 'aparições' tais como visões de emanação de luzes; (d) Muitas DBVs são 'testemunhadas' por apenas uma pessoa, mas há casos de várias pessoas, de forma coletiva, servirem de testemunhas (Bozzano, 1947, Barrett,1926). Não foge de nossa memória o Cap. 8 de 'O Livro dos Espíritos' sobre a 'Emancipação da alma'. O leitor deve comparar a descrição de Nahm com as questões # 413-418.

Existem muitos relatos durante tais aparições de crises de encontro com pessoas falecidas (Osis e Haraldsson, 1997). Explicações não espíritas tem dificuldade em justificar porque isso ocorre com pessoas falecidas e não com pessoas vivas (que, afinal, não poderiam comparecer para um último adeus). Ao contrário, quando o paciente deseja insistentemente se encontrar com um vivo é que ocorrem eventos de visualização desse paciente junto aquele parente-alvo que está vivo (o que seria uma 'aparição de um vivo').

Fato muito interessante que também é descrito por Nahm é quanto a ocorrência de aparições de vivos a pacientes em estado de NDE. A princípio, poder-se-ia imaginar que o surgimento de vivos a pacientes de NDE demonstra o caráter fantasioso da ocorrência. Mas, Nahm descreve que tais aparições se dão em momentos especiais,seja quando o vivo também tem presentimentos a respeito da morte iminente do paciente ou quando o vivo encontra-se em um estado alterado de consciência (dormindo, acamados etc, os chamados casos 'reciprocally confirmed', ver mais adiante).  Portanto, Nahm admite que, nesses casos, o vivo tenha se 'projetado' de alguma forma em direção ao paciente. Além disso, segundo Nahm:
Há inúmeros casos registrados em que o paciente erroneamente achou que estivesse vendo um vivo - mas tal indivíduo em questão já estava morto. Além disso, pacientes de NDE frequentemente tem visões de pessoas totalmente desconhecidas, o que é algo difícil de explicar usando wishful thinking. (Nahm, 2011, para o texto original, ver seção 'Originais do artigo', 3)
Uma referência de casos sobre isso é (Greyson, 2010).
 
Sonhos e NDEs compartilhados: conforme descrito pelo Dr. Moody (2010), há casos de indivíduos absolutamente sãos que têm sonhos onde experimentam sensações e informações semelhantes ao do paciente que passa pelo NDE. Essas experiências podem assim ser compartilhadas, o que dificulda a explicação de que NDE são fenômenos causados por danos cerebrais no paciente. Como explicar as visões compartilhadas por pessoas sãs? Conforme explica Nahm:
NDEs compartilhadas também podem ser consideradas como ND-OBEs compartilhados, que, além disso, incluem estágios posteriores de NDEs onde persistem aspectos mais transcendentais. Dados esses paralelos, parece que NDEs e sonhos (lúcidos) são experiências que podem ser compartilhadas com outras pessoas vivas em um tipo de espaço não físico ou mental. Nesse contexto, é interessante ver que uma grande quantidade de experiências psíquicas sejam reportadas a partir de sonhos onde a morte e o morrer sejam temas predominantes, e que muitos dos sonhos ostensivamente paranormais sejam descritos com uma vivacidade ou intensidade que é ausente na maioria dos sonhos ordinários.(Nahm, 2011, para o texto original, ver seção 'Originais do artigo', 4)
Aqui "ND-OBE" são 'near death out-of-the-body experiences'. Lendo isso, não há como não citar Kardec (Cap. 8 de 'O Livro dos Espíritos': da emancipação da alma, o sonho e os sonhos), Q #402:
O sono liberta a alma parcialmente do corpo. Quando dorme, o homem se acha por algum tempo no estado em que fica permanentemente depois que morre. Tiveram sonos inteligentes os Espíritos que, desencarnando, logo se desligam da matéria. Esses Espíritos, quando dormem, vão para junto dos seres que lhes são superiores. Com estes viajam, conversam e se instruem. Trabalham mesmo em obras que se lhes deparam concluídas, quando volvem, morrendo na Terra, ao mundo espiritual. Ainda esta circunstância é de molde a vos ensinar que não deveis temer a morte, pois que todos os dias morreis, como disse um santo.
O leitor deve considerar ainda as respostas a outras questões, como a #406 (sobre o 'sonhar com pessoas vivas') e toda a questão #402 da qual reproduzimos acima apenas um parágrafo.

Conclusões preliminares

Portanto, na revisão feita por Nahm da literatura sobre o contexto de NDEs encontramos resultados que validam parte inteiras do Cap. 8 de 'O Livro dos Espíritos'. Chama a atenção que essa confirmação não vem absolutamente da análise de fatos comuns tais como sonhos ordinários ou experiências menos relevantes. Ao contrário, é da análise das anomalias, de fatos não corriqueiros tais como NDEs e ocorrências de experiências psíquicas compartilhadas, que podemos reunir uma grande quantidade de fatos que atestam a realidade da 'emancipação da alma' e da natureza dual do ser humano.

Em um futuro post continuaremos com a exposição comentada da revisão de M. Nahm com os temas: ligações formais entre NDEs, mediunidade e lembranças de vidas  passadas; correspondência entre o conteúdo de NDEs, comunicações mediúnicas e lembranças de vidas passadas; fenômenos físicos registrados no momento da morte; audição de músicas não explicadas no momento da morte e memórias não ordinárias em crianças.

Aguardem!

Referências
  • Barrett, W. F. (1926). Death-Bed Visions. London: Methuen.
  • Bozzano, E. (1947). Le Visioni dei Morenti. Verona: Salvatore Palminteri.
  • Fenwick, P., Lovelace, H., & Brayne, S. (2007). End of life experiences and their implications for palliative care. International Journal of Environmental Studies, 64, 315–323.
  • Greyson, B (2010). Seeing deceased persons not known to have died: "Peak in Darien" experiences. Anthropology and Humanism, 35, p. 159-171.
  • Gurney, E., Myers, F. W. H., & Podmore, F. (1886). Phantasms of the Living (2 vols). London: Trübner.
  • LaGrand, L. (1997). After Death Communication: Final Farewells. St. Paul, MN: Llewellyn.
  • Moody R. (2010), Glimpses of Eternity, New York: Guideposts.
  • Nahm, M (2011), Reflections on the Context of Near-Death Experiences, Journal of Scientific Exploration, 25, No. 3, pp. 453–478.
  • Osis, K., & Haraldsson, E. (1997). At the Hour of Death (third edition). Norwalk, CT: Hastings House.
  • Pasricha, S. (2008). Near-death experiences in India: Prevalence and new features. Journal of Near-Death Studies, 26, 267–282.
Notas e referências a Kardec.

1. A. Kardec, 'A Gênese', Cap. 14, II - Explicação de alguns fenômenos considerados sobrenaturais, visão espiritual ou psíquica, dupla vista, sonambulismo, sonhos, parágrafo 23: 
O laço fluídico que o prende ao corpo só por ocasião da morte se rompe definitivamente; a separação completa somente se dá por efeito da extinção absoluta do princípio vital. Enquanto o corpo vive, o Espírito, a qualquer distância que esteja, é instantaneamente chamado à sua prisão, desde que a sua presença aí se torne necessária. Ele, então, retoma o curso da vida exterior de relação. Por vezes, ao despertar, conserva das suas peregrinações uma lembrança, uma imagem mais ou menos precisa, que constitui o sonho. Quando nada, traz delas intuições que lhe sugerem idéias e pensamentos novos e justificam o provérbio: A noite é conselheira.

Assim igualmente se explicam certos fenômenos característicos do sonambulismo natural e magnético, da catalepsia, da letargia, do êxtase, etc., e que mais não são do que manifestações da vida espiritual. (*)
(*) Casos de letargia e de catalepsia: Revue Spirite: “Senhora Schwabenhaus”, setembro de 1858, pág. 255; — “A jovem cataléptica da Suábia”, janeiro de 1866, pág. 18.
Originais do artigo
  1. In typical cases, a person in a near-death state claims to have visited family members at a distance whom he or she was intensely wishing to see. This visit was often accomplished by means of an OBE. Later, these family members confi rm that they had perceived a corresponding impression of this person at the time in question. 
  2. In these cases, the overall mode of appearing seems identical to crisis apparitions of the living or dying, although the motivations to appear and the messages conveyed seem different: Crisis apparitions tend to inform the perceiver predominantly about the crisis or of death itself, whereas apparitions of the longer-deceased convey more often messages of their own well-being, or of hope and encouragement for the bereaved.
  3. Moreover, there are numerous cases on record in which the dying erroneously thought they had seen apparitions of living persons - but the individuals in question had in fact died already. In addition, patients in near-death states often see visions of persons entirely unknown to them, a finding difficult to explain along the lines of wishful thinking.
  4. Shared NDEs could also be regarded as shared ND-OBEs - with the addition that they include mutual experiences of later stages of NDEs featuring more transcendental aspects. Given these parallels, it seems that NDEs and (lucid) dreams are experiences that can be shared with other living persons in a sort of nonphysical or mental space. In this context, it is of interest that a large proportion of spontaneous psychic experiences are reported from dreams, with death and dying constituting predominant themes, and that many of these ostensibly paranormal dreams are characterized by a vividness or an intensity missing in most ordinary dreams.