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12 de janeiro de 2015

O conspiracionismo chega o movimento espírita: a escalada de grupos dogmáticos


"...Conspiração de sociedades secretas que trabalham na sombra para aniquilar o Catolicismo, se elas pudessem; conspiração do Protestantismo que, por uma propaganda ativa, busca insinuar-se por toda parte; conspiração dos filósofos racionalistas e anticristãos, que rejeitam, sem razão e contra toda razão, o sobrenatural e a religião revelada, e que se esforçam por fazer prevalecer no mundo letrado sua falsa e funesta doutrina; conspiração das sociedades espíritas que, pela superstição prática da evocação dos Espíritos, entregam-se e incitam os outros a entregar-se à pérfida maldade do espírito de mentira e de erro..." (Discurso do Bispo de Langres, Haute-Marne, publicado na Revue Spirite, Junho de 1864. Leiam comentários de Kardec sobre o trecho).

O movimento espiritualista de forma geral sempre teve que se defender de alguma forma de seus próprios "teóricos de conspiração". Críticos ferrenhos dos primeiros tempos, desde as irmãs Fox, acusavam de forma indiscriminada médiuns e instituições que se reuniam no movimento nascente. Segundo essas teses conspiracionistas, médiuns teriam como objetivo apenas enganar pessoas e fazer prevalecer seus interesses. Instituições dariam endosso a médiuns de forma a facilitar sua aceitação. Haveria assim uma vasta rede de interesses ocultos tentando ludibriar mentes inocentes e descuidadas.

Segundo a Wikipedia (1), uma teoria de conspiração é definida como:
Uma proposição explicativa que acusa duas ou mais pessoas, um grupo ou uma organização de ter causado ou estar acobertando, através de planejamento secreto e ação deliberada, eventos ou situações danosas ou ilegais.
Qual seria a principal força a alimentar o conspiracionismo? Ainda segundo essa referência (2):
Alguns acadêmicos sugerem que pessoas formulam teorias de conspiração para explicar, por exemplo, relações de poder em grupos sociais e a percepção de forças do mal. Outros sugerem que teorias de conspiração têm origem principalmente psicológica e sócio-política. Origens psicológicas propostas incluem a projeção: o indivíduo sente a necessidade de explicar "um evento significativo com uma causa igualmente significativa", ou o produto de vários estágios de desordem mental, tal como disposições paranoicas que chegam ao extremo de doenças mentais diagnosticáveis. Há pesquisadores que preferem explicações sócio-políticas como a insegurança de se lidar com eventos aleatórios, imprevisíveis ou, de outra forma, inexplicáveis.
Visto dessa forma, o ceticismo sistemático contra médiuns seria uma espécie de paranoia conspiracionista que explicaria "racionalmente" fatos e fenômenos inexplicáveis, restabelecendo o controle. É através da Wikipedia (1) que vamos encontrar outra definição de conspiracionismo, dessa vez do acadêmico C. Berlet (3):
Conspiracionismo é uma forma narrativa particular de criação de bodes expiatórios que assume a existência de inimigos demonizados como parte de uma vasta e insidiosa conspiração contra o bem comum, enquanto considera como herói quem chama a atenção para a conspiração. 
Portanto, segundo Berlet, o conspiracionismo é primariamente um esforço pessoal ou de grupos que se acham investidos de uma missão de salvação. Esses grupos ou indivíduos sentem grande prazer em serem identificados como salvadores cuja tarefa é livrar a sociedade ou um grupo maior da influência maléfica do grupo dominante. Isso se inicia e, frequentemente se limita, a atividades de denúncia sistemática da conspiração.

Não que conspirações jamais tivessem sido descobertas na história. Elas o foram, mas envolveram grupos pequenos, com objetivos bem particulares e não permaneceram ocultas por muito tempo. Evidências de conspirações limitadas inflam ainda mais a paranoia de supostas conspirações em andamento, envolvendo milhares de pessoas, que parecem nunca ter fim e que alimentam ainda mais a necessidade de salvação.

Teóricos de conspiração no movimento espírita
Dizer que a fé ortodoxa está ameaçada é confessar a fraqueza de seus argumentos. Se ela é fundada na verdade absoluta, ela não pode temer nenhum argumento contrário. Dar alarme em tal caso é falta de habilidade. (A. Kardec, Revista Espírita, Junho de 1864).
Ora, isso é o que se vê entre grupos dogmáticos ou "reformistas", que se consideram espíritas melhores dos que outros e que se veem investidos da missão de livrar o Espiritismo de deturpações e de desvios do que para eles é a "ortodoxia". Investem-se como propõe Berlet no papel de "salvadores" ou "heróis" ao soar o alarme da existência de uma conspiração dentro do movimento espírita.

Segundo eles o movimento espírita estaria irremediavelmente perdido nas mãos de manipuladores de federações e de interesses de editoras ávidas por lucros e que veem nesse movimento apenas um mercado. É uma explicação que racionaliza de forma aparente um fenômeno incontrolável provendo um sentido e uma sensação de ganho de controle (4):
Segundo professor Stephan Lewandowsky, cientista cognitivo da Universidade da Austrália Ocidental, grandes proponentes de teorias de conspiração usualmente experimental um sentimento de falta de controle. Uma teoria [de conspiração] ajuda o crente a readquirir senso de ordem por explicar eventos extraordinários. Conhecer alguns fatos pode até trazer sentimento de poder. Lewandowsky declara que a crença em conspirações pode servir como mecanismo de proteção ao horror a desastres possíveis.
Com base nessa conspiração oculta, seria necessário livrar o Espiritismo de seu envolvimento com ideias e manias que não são reconhecidas como "genuinamente espíritas". É claramente uma tarefa impossível e inútil fazer com que um povo inteiro, de um momento para outro deixe de se ater a comportamentos atávicos adquiridos ao longo de séculos de cultura e crenças religiosas herdadas. É portanto um fenômeno facilmente compreensível que o movimento espírita sofra influência de outras religiões e de, principalmente, movimentos espiritualistas. A presença de elementos considerados estranhos por tais grupos é tomado como evidência de uma conspiração em curso, ainda mais como, aparentemente, sociedades e instituições "oficiais" parecem "nada fazer" para deter o comportamento.
Em parte isso acontece porque é mais consolador acreditar que as dificuldades e conflitos nas coisas humanas se devem aos seres humanos do que a fatores fora de controle. A crença na existência de um grupo conspirador é um dispositivo a reafirmar que certos acontecimentos não são aleatórios, mas ordenados pela inteligência humana. Isso faz com que esses fatos sejam compreensíveis e potencialmente controláveis. Se uma quadrilha de conspiradores pode ser identificada em uma sequência de eventos, há sempre a chance, embora pequena, de acabar com seu poder - ou juntar-se a eles na esperança de ter parte desse poder (5).
Ideal de "pureza doutrinária": a verdade estaria nas interpretações que apenas esses grupos podem dar. Para limitar o que se acredita, barreiras são erguidas com base em critérios supostamente bem estabelecidos. Um deles seria o "critério da concordância universal". Dentro desses grupos, repete-se à exaustão que esse critério foi usado amplamente em cada detalhe ou informação contida em "O Livro dos Espíritos". Com isso, conspiracionistas pretendem censurar qualquer tipo de informação mediúnica em divergência com o que pensam. Em termos práticos, a mera repetição da necessidade da aplicação desse critério funciona como arma retórica e barricada psicológica que frequentemente leve ao ceticismo.

Comportamento extravagante: dizem seguir Kardec e Jesus mas, na maior parte do tempo, estimam fazer prosélitos e discursos que beira o ódio contra instituições e médiuns respeitáveis. O comportamento é justificado como parte da missão salvacionista de livrar o movimento espírita do que consideram como o núcleo da conspiração, ainda que os atos praticados, linguagem e termos usados estejam em desacordo com os ideais de fraternidade, respeito e liberdade pregados pelos fundadores do Espiritismo. Infelizmente, "os fins não justificam os meios" e nenhum ideal de reforço das bases, chamadas para o "estudo do verdadeiro Espiritismo", de "fidelidade a Kardec", feito sem fraternidade e respeito, poderá servir de justificativa para esses ataques.

Pregam um ideal de cientificidade. O movimento espírita nos últimos 100 anos erroneamente se envolveu com religião e não fez "ciência". O ideal de pureza e coerência pregado pelos salvadores reformistas acredita que a ciência é um movimento organizado e coerente. É natural que nela se inspirem. É dessa ciência que alguns deles pretendem instaurar um método automático de geração de conhecimento, de proibição a determinadas crenças e teses, desconhecendo amplamente tanto a história da ciência como ela realmente funciona. A verdade é que a imensa maioria dos líderes dos movimentos reformistas, com exceções ainda a serem registradas, jamais participou de qualquer atividade genuinamente científica. Mesmo assim, pretendem fazer ciência no Espiritismo. Talvez um dia façam, mas terão primeiro que arranjar bastante tempo extra além de se ocupar em atacar o movimento que os abrigam.

Infelizmente, o remédio prescrito pelo reformistas é muito pior do que a doença: não será com ataques sistemáticos e reforço do ceticismo que se corrigirá desvios doutrinários e falta de apreço ao estudo de nosso povo. Há que se ter espírito de compreensão e fraternidade. Reformistas de plantão devem entender que muito mais importante do que instalar os objetivos que pregam é fazer com que as palavras estejam de acordo com os atos, o que, infelizmente, ainda está longe de ser o caso.

Referências

(1) http://en.wikipedia.org/wiki/Conspiracy_theory: "A conspiracy theory is an explanatory proposition that accuses two or more persons, a group, or an organization of having caused or covered up, through secret planning and deliberate action, an illegal or harmful event or situation."

(2) http://en.wikipedia.org/wiki/Conspiracy_theory: "Some scholars suggest that people formulate conspiracy theories to explain, for example, power relations in social groups and the perceived existence of evil forces. It has been suggested by some thinkers that conspiracy theories have chiefly psychological or socio-political origins. Proposed psychological origins include projection; the personal need to explain “a significant event [with] a significant cause;" and the product of various kinds and stages of thought disorder, such as paranoid disposition, ranging in severity to diagnosable mental illnesses. Some people prefer socio-political explanations over the insecurity of encountering random, unpredictable, or otherwise inexplicable events."

(3) Berlet, Chip; Lyons, Matthew N. (2000). Right-Wing Populism in America: Too Close for Comfort. New York: Guilford Press. ISBN 1-57230-562-2.: "Conspiracism is a particular narrative form of scapegoating that frames demonized enemies as part of a vast insidious plot against the common good, while it valorizes the scapegoater as a hero for sounding the alarm".

(4) http://en.wikipedia.org/wiki/Conspiracy_theory: "Professor Stephan Lewandowsky, a cognitive scientist at the University of Western Australia, asserts that strong supporters of conspiracy theories usually experience a feeling of lack of control. A theory can help a believer regain a sense of order explaining some extraordinary events. Knowing some facts can even bring the feeling of power. Lewandowsky states that belief in conspiracies can be a protective mechanism against the horror of possible disasters."

(5) http://en.wikipedia.org/wiki/Conspiracy_theory:  This is in part because it is more consoling to think that complications and upheavals in human affairs are created by human beings rather than factors beyond human control. Belief in such a cabal is a device for reassuring oneself that certain occurrences are not random, but ordered by a human intelligence. This renders such occurrences comprehensible and potentially controllable. If a cabal can be implicated in a sequence of events, there is always the hope, however tenuous, of being able to break the cabal's power – or joining it and exercising some of that power oneself. Finally, belief in the power of such a cabal is an implicit assertion of human dignity – an often unconscious but necessary affirmation that man is not totally helpless, but is responsible, at least in some measure, for his own destiny.