Mostrando postagens com marcador mesmer. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador mesmer. Mostrar todas as postagens

31 de janeiro de 2019

A questão sobre o magnetismo animal e o nome "magnetismo" II


Continuação do post A questão sobre o magnetismo animal e o nome "magnetismo" I.

Kardec fez referência ao magnetismo 'físico' (1) , assunto de nosso post anterior:
Quem, de magnetismo terrestre, apenas conhecesse o brinquedo dos patinhos imantados que, sob a ação do imã, se movimentam em todas as direções numa bacia com água, dificilmente poderia compreender que ali está o segredo do mecanismo do Universo e da marcha dos mundos. (grifo meu)
Nada mais natural do que a designação 'magnetismo animal' diante de tantos magnetismos: 'ambárico', 'vitreo', da 'magnesia' e entre corpos celestes ou 'gravitacional'. A semelhança entre o 'motus operandi' desse novo magnetismo para o dos magnetos ou terrestre justificava a apropriação de nomes. Certamente, a figura de F. A. Mesmer (1734-1815) é responsável pela uso desses termos no último quartel do Século 18.

O próprio Kardec já afirmava que a analogia era errônea:
Demonstrou a experiência que não existe tal analogia ou que é apenas aparente. Assim a denominação não é exata. Como, porém, foi consagrada pelo emprego universal, e como, por outro lado, o epíteto que é adicionado não permite equívocos, haveria mais inconveniente do que utilidade em substituir a expressão. (2)
O erro tinha a ver com a crença de que se poderia usar imãs como instrumentos de cura no magnetismo animal. Do que se tratava o novo fenômeno? Kardec define de forma bastante didática e sumária esse novo 'magnetismo':
O magnetismo animal pode assim ser definido: ação recíproca de dois seres vivos por meio de um agente especial chamado fluído magnético. (2)
Essa definição nos leva a outro termo: o fluido magnético. Como no caso da apropriação que aconteceu com o próprio termo 'magnetismo', aqui também, por uma sequêcia de assimilações agora no mecanismo de atuação do fenômeno, um fluido é evocado como responsável pela intermediação dos efeitos. A floresta terminológica agora se adensa, porque mais de um nome é usado para o mesmo fluido: fluido vital, fluido nervoso etc.

Não só isso: chegamos a uma bifurcação conceitual importante, que está na raiz dos conceitos de cura frequentemente tema de dissertações espíritas, e as explicações da moderna ciência médica propriamente dita. 
Para alguns, o princípio vital é uma propriedade da matéria, um efeito que se produz quando a matéria se acha em dadas circunstâncias. Segundo outros, e esta é a idéia mais comum, ele reside em um fluido especial, universalmente espalhado e do qual cada ser absorve e assimila uma parcela durante a vida, tal como os corpos inertes absorvem a luz. Esse seria então o fluido vital que, na opinião de alguns, em nada difere do fluido elétrico animalizado, ao qual também se dão os nomes de fluido magnético, fluido nervoso, etc (3, grifos nossos).
Kardec parecia estar bem informado a respeito do debate entre o fisicalismo e o vitalismo, conforme esse trecho acima sugere. O vitalismo é uma linha de  raciocíno que argumenta ser a vida essencialmente irredutivel às leis físicas. Para o fisicalismo, a vida nada mais é do que uma manifestação mecânica dessas leis. Embora seja crença universal que o fisicalismo ganhou o debate, as grandes mudanças que aconteceram em nossa compreensão sobre as leis físicas podem ainda revelar surpresas (4). De qualquer forma, seja porque tivesse preferência pelo vitalismo ou porque os Espíritos usaram largamente o fluido magnético como explicação para muitas curas, Kardec tomou claramente a via não fisicalista (4b).

O magnetismo animal continua vivo por meio de inúmeros tratamentos alternativos e complementares tais como o passe espírita, o toque terapêutico, o Reiki dentre outros.
A ideia de que um fluido é transmitido entre seres vivos sustenta um número grande de terapias alternativas, como é o caso do Reiki, do Johrei, do Toque Terapêutico e do próprio passe espírita. Independente de qual 'teoria' esteja certa no contexto do debate considerado 'terminado' entre o vitalismo e o fisicalismo, evidências importam na demonstração de que, de fato, 'algo' é transferido entre os seres vivos, notadamente de curadores para pacientes e também para outros seres vivos.  Basta uma simples pesquisa para se levantar uma quantidade grande de estudos que mostram a existência do efeito (5), indepentende da opinião de céticos:
  • O "toque terapêutico estimula a proliferação de células humanas em culturas", ver (5), ref. 2. 
  • O "impacto potencial do tratamento do biocampo sobre células de tumor cerebral" (5, ref. 7).
  • "Efeito do passe espírita no crescimento de culturas de bactérias." (5, ref. 8) 
  • "O Toque Terapêutico tem efeitos significativos sobre metástases de câncer mamário de ratos e resposta imunológica, mas não sobre tamanho do tumor primário". (5 ref. 9)
  • "O Johrei, uma técnica de cura Japonesa, é capaz de aumentar o crescimento de cristais de sucrose". (5, ref .10)
Para mim está claro que o magnetismo animal sobrevive como causa desses fenômenos. Os efeitos, porém, são pequenos (6), não só porque se desconhece os mecanismos pelos quais eles poderiam ser aumentados, como também, a despeito da boa vontade, muitos dos 'doadores de fluidos' não dispõem de recursos maiores. Hoje o magnetismo animal encontra-se travestido por outros nomes tais como 'biocampo', 'terapias energéticas' e 'campo energético', entretanto, trata-se do mesmo efeito de ação à distância entre seres vivos.

A transformação do magnetismo de Mesmer em Hipnotismo

Desde o início do magnetismo animal, era necessário dar uma explicação convincente sobre as inúmeras curas e comportamentos insólitos observados junto aos pacientes tratados por Mesmer. Por 'convincente' entende-se explicações que satisfaçam ao senso comum e que fossem aceitas amplamente.

Já em 1784, uma comissão de notáveis (7) organizada pelo Rei Luis XVI - a incluir Lavoisier e Franklin - verificou a realidade das curas obtidas por ele. O objetivo da comissão era não só atestar as curas, mas também saber se a explicação dada por Mesmer (que envolvia o fluido magnético) era correta. Como tal fluido não pôde ser visto, ela concluiu pela sua inexistência. A comissão também concluiu que as curas observadas eram devidas ao efeito da 'imaginação' dos pacientes.

Começava então a fase das explicações de produto da sugestão, a partir de trabalhos de Abbe Faria (1756-1819) e James Braid (1795-1860), que criou o termo hipnotismo. A partir de então, por um processo de assimilação e explicação simplificada, o magnestimo animal foi associado inteiramente ao hipnotismo como explicação. Nas palavras de Braid:
...E em oposição ao Mesmerismo Transcendental (a saber, metafísico) dos mesmeristas... [supostamente] induzido pela transmissão de uma influência oculta do [corpo do operador para o do sujeito], o Hipnotismo, [pelo qual] eu quero dizer uma condição peculiar do sistema nervoso, na qual ele pode ser lançado por uma manobra artificial ....[é uma posição teórica] interiamente consistente com os princípios geralmente admitidos da ciência fisiológica e psicológica e, portanto [deve ser mais apropriadamente] chamado Mesmerismo Racional. (8)
A ideia de que pessoas seriam 'sugestionáveis' ou poderiam cair em um estado de percepção exacerbada foi tanto uma descoberta como uma explicação conveniente para os desafetos de Mesmer, que incluiam grande parte do mundo médico de sua época, praticantes de uma medicina que pouco tinha evoluido desde a antiguidade. Essa explicação, entretanto, desconsiderou sem razão as inúmeras curas e peculiaridades dos fenômenos  do magnetismo animal. E curas o hipnotismo não foi capaz de prodigalizar, ainda que se integrasse à prática médica (9).  Com vimos, o que fazer com as centenas de evidências de alterações observadas em tecidos biológicos por meio do processo de imposição de mãos?

É inquestionável que o fenômeno hipnótico existe, porém, ele não é a explicação correta para o magnetismo animal, que permanece como um fenômeno de fronteira.

Conclusões

A explicação popular de que o mesmerismo ou magnetismo animal nada mais é do que um fenômeno de sugestão, modernamente conhecida como hipnotismo, é falsa. O magnetismo animal sobrevive conforme atestam centenas de trabalhos científicos com amostras inanimadas ou com vida orgânica simples, desbancando as 'teorias de placebo', que propõem esse efeito como causa única das curas observadas em humanos.

Não obstante isso, o efeito placebo e o hipnotismo existem e são amplamente usados em medicina. Provavelmente o placebo é de causa ainda mais complexa, porque envolve um ser consciente que pode atuar sobre si. Todas esses efeitos secundários (sugestibilidade, excitabilidade etc) podem atuar junto ao magnetismo animal, tornando ainda mais difícil compreender o fenômeno das cura observadas em seus diverso componentes.

Tanto os termos 'fluido magnético' como 'sugestão' ou 'placebo' são containeres genéricos que carecem, eles mesmos da determinação de causas subjacentes. Embora seja possível traçar a atuação bioquímica de processos metabólicos que induzam ou suprimam os sintomas de várias doenças, existem inúmeros caminhos desconhecidos que também desembocam nesses processos, resultando nos mesmos efeitos. Considero particularmente problemático chamar esses mecanismos de 'não-físicos', visto que tudo que existe na Natureza pode ser explicado por uma via racional, dispensando-se qualificativos 'místicos' ou 'miraculosos'.

Para complicar ainda mais as coisas, o Espiritismo vai além e descobriu um terceiro elemento na complexa cadeia de processos de cura: os Espíritos desencarnados. Um médium de cura é um curador ou magnetizador capaz de manipular o fluido magnético potencializado pela ação dos Espíritos. Os Espírios podem tanto aumentar a capacidade curativa do fluido como suprimi-la completamente. Essa é a razão, talvez, porque muitos desses fenômenos não ocorrem de forma homogênea em todos os lugares da Terra. Também é a razão para não acreditar que eles possam atualmente prover uma terapia bem definida, ainda que complementar, tendo em vista seu caráter incontrolável.

Referências e comentários

(1) A. Kardec. O Livro dos Espíritos. 4a Parte, "Das esperanças e consolações". Conclusão, I. Versao www.ipeak.com

(2) A. Kardec. Instruções prátias sobre as manifestações espíritas. Termo "Magnetismo animal". Kardecpedia.com

(3)  A. Kardec. O Livro dos Espíritos. "Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita", II. Versao www.ipeak.com

(4) Aqui temos claramente um problema pois, se entendemos por 'leis físicas' aquelas conhecidas no século 19, o fisicalismo disso resultante deixará muito a desejar. Mas, não parece ser fácil negar esse argumento mesmo com a física moderna, afinal quem tem certeza de que temos as leis finais ?

(4b) A posição de Kardec pode também ter sido motivada pela identificação mais forte do fisicalismo com o materialismo.

(5) Ver, por exemplo:
  1. Burden, B., Herron-Marx, S., & Clifford, C. (2005). The increasing use of Reiki as a complementary therapy in specialist palliative care. International Journal of Palliative Nursing, 11(5), 248-253.
  2. Gronowicz, G. A., Jhaveri, A., Clarke, L. W., Aronow, M. S., & Smith, T. H. (2008). Therapeutic touch stimulates the proliferation of human cells in culture. The Journal of Alternative and Complementary Medicine, 14(3), 233-239.
  3. Radin, D., Schlitz, M., & Baur, C. (2015). Distant Healing Intention therapies: An overview of the scientific evidence. Global advances in health and Medicine, 4(1_suppl), gahmj-2015.
  4. Monroe, C. M. (2009). The effects of therapeutic touch on pain. Journal of Holistic Nursing, 27(2), 85-92.
  5. VanderVaart, S., Gijsen, V. M., de Wildt, S. N., & Koren, G. (2009). A systematic review of the therapeutic effects of Reiki. The Journal of alternative and complementary medicine, 15(11), 1157-1169.
  6. Wardell, D. W., & Engebretson, J. (2001). Biological correlates of Reiki Touch's healing. Journal of advanced nursing, 33(4), 439-445.
  7. Trivedi, M. K., Patil, S., Shettigar, H., Mondal, S. C., & Jana, S. (2015). The potential impact of biofield treatment on human brain tumor cells: A time-lapse video microscopy. HAL archives ouverteshttps://hal.archives-ouvertes.fr/hal-01416895/document
  8. Lucchetti, G., de Oliveira, R. F., de Bernardin Gonçalves, J. P., Ueda, S. M. Y., Mimica, L. M. J., & Lucchetti, A. L. G. (2013). Effect of Spiritist “passe”(Spiritual healing) on growth of bacterial cultures. Complementary therapies in medicine, 21(6), 627-632.
  9. Gronowicz, G., Secor, E. R., Flynn, J. R., Jellison, E. R., & Kuhn, L. T. (2015). Therapeutic touch has significant effects on mouse breast cancer metastasis and immune responses but not primary tumor size. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine, 2015. http://downloads.hindawi.com/journals/ecam/2015/926565.pdf
  10. Teixeira, P. C. N., Rocha, H., & Neto, J. A. C. (2010). Johrei, a Japanese healing technique, enhances the growth of sucrose crystals. Explore: The Journal of Science and Healing, 6(5), 313-323.
(6) Com isso queremos dizer que não é possível a cura ostensiva de doenças. A grande maioria dos trabalhos tratado do alívio e da melhora dos sintomas associados a determinadas enfermidades que são devidamente acompanhadas por seus tratamentos médicos. Isso não significa que a cura completa de doenças não possa acontecer por meio do magnetismo animal. Para isso importa determinar o mecanismo de sua atuação que tornaria possível o seu controle e aumentar seus efeitos.

(7) IML Donalson (20150. Reports on the Royal Commission of 1784 on Mesmer's system of Animal Magnetism. Disponível em :

https://www.rcpe.ac.uk/sites/default/files/files/the_royal_commission_on_animal_-_translated_by_iml_donaldson_1.pdf

(8) J. Braid (1850). "Observations on Trance: Or, Human Hybernation". "Ver vocábulo 'Animal Magnetism' na Wikipedia. 


(9). De fato, a hipnose não constitui terapia. Ver Spiegel, H., & Spiegel, D. (2008). Trance and treatment: Clinical uses of hypnosis. American Psychiatric Pub.




2 de setembro de 2016

A questão sobre o magnetismo animal e o nome "magnetismo" I


A maior parte das pessoas frequentemente emprega as mesmas palavras para designar coisas diferentes. As pessoas têm mais intuição do fenômeno da polissemia do que uma compreensão racional imediata dele. Tomemos como exemplo a palavra "amor". Pode-se compor um dicionário inteiro com diferentes significados dessa palavra, claramente polissêmica. E esse fenômeno ocorre em muitos outros idiomas. Porém, no caso de "amor", não parece existir divergências quanto ao seu uso, já que o significado é dado pelo contexto em que a palavra é empregada. O que "amor" realmente significa é tão fácil de ser apreendido pelo contexto que mais informações são desnecessárias. 

Coisa bem diferente ocorre quando a palavra é pouco usada ou está inserida em um contexto pouco usual (por exemplo, científico). Podem então surgir confusões consideráveis. Isso é o que acontece com o significado do termo "magnetismo", principalmente se usado sem cuidado ou na mistura entre Espiritismo e outros assuntos. Alguns comentários elucidativos são abordados neste post.

Origens da palavra

Frequentemente, a multiplicidade de significados está ligado à origem das palavras. No caso de "magnetismo", é importante conhecer sua origem. Segundo a monumental obra de Wittaker (1), 
Os antigos estavam cientes das propriedades curiosas de dois minerais, o âmbar (ηλεκτρον) e o minério de ferro (η λιτθος Μαγητισ). O primeiro, quando atritado, atraia corpos leves; o último tinha o poder de atrair o ferro.
A referência (1) também cita o conhecimento chinês muito antigo da propriedade de atração dos magnetos. Em (2) encontramos indicações sobre a origem da palavra propriamente dita:
Na Grécia, Aristóteles reportou que Tales de Mileto (625 a C - 547 a C) conhecia a pedra-imã, e Onomácrito nos forneceu o mais antigo nome que se refere a ele, o magnetes que evoluiu para magnitis, de onde se deriva o termo moderno magnetita. Sófocles (495 a C - 406 a C) chama a pedra-imã de "rocha Lidiana", enquanto que Platão (427 a C- 347 a C) no "Timeu" a denomina "rocha Heraclitiana". Esses vários nomes sugerem que, na antiguidade Greco-Romana, os primeiros magnetos eram feitos de minérios encontrados em Sípilo, próximo a uma cidade da Ásia menor chamada "Magnesia ad Sipylum". Essa cidade é a origem da palavra "magnetismo" e "magnetita". (grifo meu)
Outra referência à "Magnesia de Sípilo" (atual Manisa na Turquia) pode ser encontrada em (3). Essa mesma fonte diz que o próprio nome Magnesia "deriva da tribo dos magnetes, que imigraram para a região vindos de Magnésia, na Tessália". Para complicar ainda mais, existe uma outra Magnésia próxima a Manisa, chamada "Magnesita de Meandro" (3). 

De qualquer forma, o significado físico de magnetismo é anterior ao que foi dado no Século XIX para o magnetismo animal, o que portanto difere daquele que aparece citado em várias obras de Kardec (6). Ainda segundo (1), William Guilbert (1540-1603): 
...fez a descoberta capital sobre a razão porque magnetos se orientam de forma definida com respeito à Terra; que é, do fato de a Terra ser ela mesma um grande magneto, tendo um dos polos nas latitudes mais ao norte e outro nas mais ao sul. Assim foi a propriedade da bússola descrita pelo mesmo princípio, de que o polo que busca o norte de todo magneto é atraído pelo polo que busca o sul de outro magneto, e é repelido pelo que busca o norte deste último. Gilbert foi além e conjecturou que as forças magnéticas seriam capazes de explicar a gravidade da Terra e o movimento dos planetas.
Ilustração do fenômeno físico de atração magnética causado por um imã que só ocorre com alguns tipos de corpos materiais.
Modernamente, magnetismo é descrito como:
Uma classe de fenômenos físicos que são mediados por campos magnéticos (4); 
Fenômeno associado a campos magnéticos que surge do movimento de cargas elétricas. Esse movimento ocorre de várias formas. Pode ser uma corrente elétrica em um condutor ou uma partícula carregada movendo-se no espaço, ou o movimento de um elétron em um orbital atômico. O magnetismo está associado a partículas elementares tais como o elétron que tem uma propriedade chamada spin. (5)
Entra o conceito de "ação a distância"


A ação do magneto fornece uma imagem viva da atuação do que parece ser uma força invisível, que atua a distância. Se hoje nos maravilhamos com esse fenômeno, não menos assombrados ficaram os antigos. De acordo com (1):
Agora, um dos problemas da filosofia natural era resolver o problema da ação transmitida entre corpos que não estavam em contato um com o outro, tal como aqueles indicados pela ação dos magnetos ou pela conexão entre a posição da lua de um lado e o fluxo das marés de outro. 
Para os antigos gregos, não poderia haver força se não fosse por ação da pressão ou do contato. Logo, deveria haver a intervenção de um meio que causasse o fenômeno. Essa ideia foi incorporada na física de Descartes, que surgiu quase que ao mesmo tempo de Newton e que defendia a existência de uma substância sutil a permear todo o espaço. Essa substância seria responsável pela força de atração e repulsão nos fenômenos do magnetismo (físico), eletricidade e gravitação (1):
Descartes tentou explicar os fenômenos magnéticos por sua teoria dos vórtices. Adotando a sugestão de Gilbert, ele postulou um vórtex de matéria fluídica ao redor de cada magneto, a matéria do vórtex entrava em um polo e saia pelo outro: assumia-se que essa matéria atuava sobre sobre o ferro e o aço em virtude de uma resistência especial ao seu movimento garantida pelas moléculas dessas substâncias. 
Identificamos nos vórtices de Descartes a ideia antiga de um fluido a impregnar todo o espaço, o famoso éter, que foi usado para explicar a ação a distância e a propagação da luz. Entretanto, a teoria dos vórtices de Descartes foi abandonada diante do triunfo de Newton e seus seguidores com a teoria da gravitação, que dispensava qualquer mecanismo tangível responsável por sua força. A teoria de Newton era eminentemente pragmática, sua  proposta representou acima de tudo um rompimento com a filosofia e sua busca por causa mais profundas dos fenômenos. Para os adeptos de Newton, isso não era necessário porque a teoria já permitia medir e calcular tudo o que fosse de fato possível saber sobre o fenômeno (7):
Não fui capaz de descobrir a razão para essas propriedades da gravidade a partir dos fenômenos e não faço hipóteses. Pois, o que quer que não seja dedutível dos fenômenos precisa ser chamado de hipótese; e hipóteses, sejam elas metafísicas ou físicas, baseadas em qualidades ocultas ou mecânicas, não tem lugar na filosofia experimental. Nessa filosofia, proposições particulares são inferidas a partir dos fenômenos e, depois, generalizadas por meio da indução.
A cisão introduzida por Newton perdura até hoje. A maior parte das teorias da física, entretanto, substituiu esse agente  sutil por outros responsáveis pela força.

Ação de um fluido

Ainda que a física Newtoniana tivesse dispensado o uso de uma substância intermediária responsável pela força de ação a distância, seu uso como agente explanativo continuou a ser feito por cientistas por boa parte dos Séculos XVIII e XIX. Isso pode ser lido na diversas referências históricas nos desenvolvimentos das teorias da eletricidade (1):
Um interesse em experimentos elétricos parece ter sido passado por du Fay para outros membros da corte de Luís XV; e, de 1745 em diante, as Memórias da Academia contêm uma série de trabalhos sobre esse tema de autoria de Abbé Jean-Antoine Nollet (1700-1770), que foi nomeado preceptor em Filosofia Natural da família real. Nollet explicou os fenômenos elétricos como devidos ao movimento de duas correntes de fluido 'muito sutis e inflamáveis' em direções opostas, que ele supunha estarem impregnados em todos os corpos em iguais circunstâncias.Quando um corpo do tipo 'elétrico' é excitado por fricção, parte desse fluido escapa de seus poros formando uma corrente efluente. Sua perda é contrabalançada por uma corrente afluente desse mesmo fluido que entra no corpo do outro lado.
Um copo de plástico eletrizado atrai sem contato um filete de água. Esse fenômeno sempre maravilhou os antigos que imaginaram ser a prova da ação de uma substância invisível entre os corpos
A ideia de dois tipos de fluidos elétricos, um 'positivo' e outro 'negativo' deu origem mais tarde à noção de 'corrente elétrica' em experimentos de eletricidade dinâmica. Ela foi usado de forma fértil por grande parte dos "eletricistas" como uma heurística orientadora de experimentos e pesquisas. E, a partir das explicações criadas para a eletricidade estática, algo parecido foi aventado para o magnetismo (1):
A promulgação da teoria do fluido elétrico único na eletricidade, em meados do Século XVIII, naturalmente resultou em tentativas semelhantes com o magnetismo; o que foi efetivado em 1759 por Aepinus, que supos serem os 'polos' dos imãs lugares impregnados de fluido magnético em quantidade excedente ou em falta em relação às condições normais. 
A teoria do fluido magnético foi adotada pelo ilustre físico eletricista francês Charles A. de Coulomb (1736-1806), cujo sobrenome deu origem à unidade de carga elétrica. Para ele, o magnetismo se devia a decomposição de um fluido neutro em dois fluidos magnéticos (1). Na física, o uso de teorias envolvendo tipos diferentes de fluidos magnéticos foi abandonado por volta de 1850, com a descoberta de outros tipos de magnetismo, como o paramagnetismo e o diamagnetismo. Isso deu origem à teorias moleculares para explicar o magnetismo e a necessidade de se ter um fluido magnético foi descartada nas mesmas bases da teoria de Newton.

Corpos celestes que sofrem ação invisível de objetos distantes e que compõem a imagem do Universo em grande escala. Objetos ferrosos que são atraídos por algumas pedras especiais, sob quaisquer condições e mesmo embaixo d'água. Fluidos imponderáveis e invisíveis, supostamente trocados entre outros tipos de objetos após fricção no ar seco. Eletricidade vítrea e ambárica causadas pela emissão de eflúvios sutis. Esse era o "ambiente teórico" da física no final do Século XVIII e que serviu de palco para o surgimento do magnetismo animal, conforme veremos no próximo post.

Referências

(1) Whittaker E (1951). A History of the Theories of Aether and Electricity. "The Classical Theories",vol. 1, London: Thomas Nelson and Sons Ltd.

(2) du Trémolet de Lacheisserie E, Gignoux D & M. Schlenker (2002). Magnetism I, Fundamentals. Dordrecht, NE: Kluwer Academic Publishers Group.



(5) Enciclopédia Britânicahttps://global.britannica.com/science/magnetism

(6) "O Livro dos Espíritos", IV Parte: Das Esperanças e Consolações, "Conclusão". Versão www.ipeak.com.br

(7) Isaac Newton (1726). Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, General Scholium. Third edition, page 943 of I. Bernard Cohen and Anne Whitman's 1999 translation, University of California Press ISBN 0-520-08817-4, 974 pages.