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1 de março de 2020

O sistema de Sírius segundo Emmanuel

Representação do Cão Maior superimposta ao mapa Stellarium. Sírius é a estrela mais brilhante do céu.

(...) Pouco depois, ei-la que aporta em portentosa esfera, inconfundível em magnificência e grandeza. O espetáculo maravilhoso de suas perspectivas excedia a tudo que pudesse caracterizar a beleza no sentido humano. A sagrada visão do conjunto permanecia muito além da famosa cidade dos santos, idealizada pelos pensadores do Cristianismo. Três sóis rutilantes despejavam no solo arminhoso oceanos de luz mirífica, em cambiâncias inéditas, como lampadários celestes acesos para edênico festim de gênios imortais. (...) Ao crepúsculo, quando se despediam no espaço os raios dos três sóis diferentes, em deslumbramento de cores, Alcione reuniu-se a numeroso grupo de amigos e orou com fervor, suplicando as bênçãos do Pai misericordioso. O firmamento enchia-se de claridades policrômicas e deslumbrantes. Satélites de prodigiosa beleza começavam a surgir na imensidade, envolvendo a paisagem divina num oceano de luz. (Emmanuel, "Renúncia", ver [1])

É comum encontrar descrições de sistemas astronômicos em mensagens mediúnicas.  Camille Flammarion, por exemplo, descreve um relato de A. Aksakof de que um médium teria feito revelações em 1859 sobre a existência de dois satélites em Marte [2], 18 anos antes da descoberta. Outros exemplos de descrições já foram abordadas neste blog [3]. Diante das dificuldades em se confirmar tais previsões, ressaltamos a cautela que devemos ter na sua interpretação. Isso porque o contexto ou ambiente não é aquele dos olhos terrenos, mas a impressão dos Espíritos. Muitas vezes, a descrição é embelezada pelo lirismo que o autor espiritual, pelo filtro mediúnico, pretende conferir às palavras, o que pode não corresponder exatamente à intenção do autor. De qualquer forma, teoricamente, os Espíritos (superiores) podem produzir descrições de objetos ainda inacessíveis a observatórios terrestres.

Tal é o caso da descrição que abre este post. Foi colhida do livro Renúncia e antecede o Capítulo II, que, como narrativa, tem seu início no ano de 1662. O autor espiritual, Emmanuel, conhecido guia de F. C. Xavier descreve o sistema estelar de Sírius ou a "estrela do cão" (ou α  Canis Majoris) como é conhecida na Terra. Os personagens principais de Renúncia são Pólux e Alcíone. Alcíone, um Espírito superior habitante do sistema de Sírius, visita alguma região inferior do Plano Espiritual para consolar e advertir um outro espírito (Pólux) a quem ela está ligada por laços afetivos. Uma vez que Pólux estava em um plano de vida inferior, não percebe a aproximação de Alcíone. Pólux, com intensas saudades dela, começa a orar e pede que seja concedida a oportunidade de se encontrar e ouvir Alcíone. Depois de confortar e orientar Pólux, Alcíone retorna ao sistema de Sírius. Tal como no caso relatado em [3], trata-se de uma descrição do Mundo Espiritual. 

A evolução de nosso conhecimento sobre Sírius

Até 1846, o nosso Sistema Solar somente ia até Urano. Nesse ano (1846), foi descoberto Netuno [4]. Plutão não era conhecido até 1930. Em 1992, um corpo foi o primeiro objeto transnetuniano descoberto depois de Plutão. Sem falar de novidades da sonda espacial New Horizons, em 2015. Então, usando de uma expressão coloquial, “se dentro do nosso quintal" ainda estamos detectando novos corpos, imaginemos no Sistema de Sírius, distante 8 anos-luz da Terra?

Novidades, de fato, vieram com o desenvolvimento de inúmeras técnicas mais recentes de detecção de planetas em outros sistemas estelares, a partir de uma primeira descoberta de um planeta a orbitar uma estrela da sequência principal, feita em 1995 [5]. Essa técnica tornou-se quase que uma área independente na Astronomia [6]. Hoje contamos com uma coleção de muitos exoplanetas conhecidos [7]. 

Há diversos trabalhos acadêmicos que propõem o caráter triplo de Sírius [8,9]. A estrela principal (chamada Sírius A) foi descrita como contendo uma companheira - claramente visível em telescópios, mesmo que amadores - chamada 'Sírius B'. A descoberta de Sírius B ocorreu em 1862 e foi realizada pelo fabricante de telescópios Alvan Clark e seu filho. Essa companheira é uma estrela muito pequena (do tipo 'anã branca') e orbita a principal com período de aproximadamente 50 anos. De fato, Sírius B é descrita como a mais brilhante anã-branca visivel. Ao longo do tempo reportaram-se irregularidades no movimento de Sírius B que foram creditados à existência de um terceiro corpo. Parece que tal corpo, em alguma época anterior foi observado, mas não conclusivamente descoberto.

Concepção artística moderna de um planeta em um sistema estelar triplo.
Em artigo recente [9], os autores discutem a possibilidade de observação desse terceiro corpo com base em medidas tomadas com o telescópio espacial Hubble. Uma conclusão preliminar (não inteiramente absoluta) descarta tal corpo dentro de um intervalo de massa específico. Esse descarte, é importante ressaltar, é feito para um intervalo de massa, o que implica que, corpos com pequena massa (ainda que emitindo luz, tal como as 'anãs marrons') poderiam existir. É importante lembrar que, dado o brilho intenso de Sírius A, a observação do sistema inteiro, inclusive um terceiro corpo, é bastante difícil. 

Uma 'anã marrom' é uma estrela de pequena massa que emite pouca luz visível e uma quantidade muito grande de infravermelho. Aos olhos humanos, uma anã marrom, se existir no sistema de Sírius, seria observada como uma estrela de cor magenta, desde que o observador estivesse bem próximo do sistema. O céu de um planeta que orbitasse uma das estrelas do sistema de Sírius, seria composto de três sois: Sírius A (o principal que dominaria o brilho do céu), Sírius B (a anã branca, menos luminosa e branca) e o ainda-a-ser-descoberto Sírius C de cor rosa-avermelhada, consideravelmente menos brilhante. O brilho relativo dessas estrela como visto desde o planeta dependeria da sua posição nesse no sistema triplo.

É interessante considerar que apenas recentemente as anãs-marrons foram propostas e descobertas como objetos que preenchem a lacuna entre as estrelas e os grandes planetas como Júpiter. Uma anã-marrom pode produzir luz por fusão de Deutério [16]. Entretanto, o pico de sua emissão de energia está no infravermelho que, como radiação eletromagnética, pode ser aparente aos Espíritos como luz.

Entretanto, a observação de um corpo desse tipo, desde a Terra, seria muito difícil, dada a distância e sua pequena luminosidade. A linha de investigação de um terceiro corpo ao redor de Sirius B é promissora, no sentido de que se prevê que o excesso de infravermelho observado com estrelas anãs-brancas seja explicável [10,11] como produzido por uma companheira muito mais débil como uma anã-marrom ou por um disco de poeira. Um trabalho científico de 2008 (ver [12]) parece ter detectado um excesso de infravermelho ao redor de Sírius B que pode ser interpretado como evidência da existência de uma companheira no limite inferior de estrelas do tipo 'anãs-marrons'. Em [9] é discutido, no limite de erro do Hubble, que uma estrela desse tipo poderia existir de forma estável tanto ao redor de Sírius A como de Sírius B. Não se esgotam em [9] outras possibilidades de  órbitas estáveis, já que esse trabalho seguiu uma linha particular de investigação no sistema restrito de três corpos. 

A narrativa dos Dogons

Ainda sobre Sírius, é preciso citar ao menos de passagem o trabalho feito pelo africanista Marcel Griaule (1893-1956) junto ao grupo étnico dos Dogons e publicado em 1950 [12b] em parceria com G. Diertelen. Segundo Griaule, esse povo teria cultuado Sírius e conhecido seu caráter triplo, mesmo sem contar com telescópios. O conhecimento avançado dos Dogons sobre Sírius seria um importante ingrediente da religão desse povo. A referência [12b] é uma descrição pormenorizada da crença Dogon sobre Sírius feita por esses pesquisadores.

O trabalho de Griaule alimentou especulações mais recentes, como as do livro de R. Temple "O Mistério de Sírius" [13], que creditou o conhecimento dos Dogons a avançadas raças alienígenas provenientes de Sírius (consoante a tese dos 'deuses astronautas' de von Däniken). Toda essa história serviu para fomentar um intenso debate entre ufologistas e céticos (inclusive com contribuições por Carl Sagan) que, no afã de desqualificar a tese ufológica, lançaram dúvidas sobre todo o trabalho de Griaule.

De acordo com recentes reinterpretações [14,15], Griaule teria na verdade tomado de forma exagerada descrições passadas aos Dogons por meio de europeus ainda no Século XIX ou depois, dado o conhecimento do pesquisador em astronomia. De fato, edições posteriores do livro de Temple afirmam que Sírius C teria sido descoberta em 1995 e citam o trabalho de Benest e Duvent [8] que é, na verdade, um estudo teórico. Entretanto, a descrição cética do trabalho de Griaule-Diertelen pode ser uma 'conspiração' para desqualificar esses pesquisadores. Infelizmente para nós não é possível lançar dúvidas no trabalho do africanista Griaule (e Diertelen). Apenas registramos que invenção de fatos  pode existir em ambos os lados do debate.

Conclusão

É possível que a busca por uma terceira componente em Sírius tenha sido sugerida aos astrônomos pelos estudos de Griaule e a controvérsia com os céticos. Por outro lado, hoje (em 2020) ainda não é possível afirmar que um terceiro corpo com luz própria orbite o sistema duplo Sirius A-B. Com o avanço das técnicas de medida, a situação pode mudar radicalmente. Esse mesmo avanço na técnica permitiu concluir que uma provável Sírius C como previsto por  Benest e Duvent [8] (que orbitaria Sírius A a cada 6 anos) não deve existir, deixando abertas outras possibilidades.

A narrativa de Emmanuel oferece uma segunda opção de informação que pode gerar futuras buscas. Seria possível refinar estudos em astrodinâmica e propor novas possíveis órbitas que estão fora dos limites de massa deduzidos por estudos recentes? Seria possível confirmar que o excesso de infravermelho na luz de Sírius B se deve a uma companheira minúscula? Quais são as regiões do sistema Sírius A-B em que um terceiro corpo inacessível à óptica do Hubble pudesse ser encontrado?

Este post sugere que uma possível Sírius C seria uma "anã-marrom" como são conhecidas estrelas de massa reduzida. Foi uma descoberta relativamente recente que tais objetos podem produzir luz própria pela fusão de Deutério [16].

Colaboração

Texto escrito em colaboração com Maurício Brito que sugeriu o tema e chamou a atenção para a controvérsia dos Dogons.

Mauricio Brito: Jornalista - Bacharel em Comunicações Sociais, espírita atuante na Comunhão Espírita de Brasília e Centro Espírita da Fraternidade Cícero Pereira-CECIPE, ambos em Brasília/DF. Aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada/IPEA - Brasília/DF. email: mauriciobrit@gmail.com

Referências

[1] F. C. Xavier. Renúncia - História real. Século de Luís XIV. Em França, Espanha, Irlanda e Américas. Heroísmo e Martírio de Alcíone. Cap. I, "Sacrifícios do Amor", p. 25, Ed. FEB. 27a Ed. (1944)

[2] C. Flammarion. Mysterious Psychic Forces: An Account of the Author's Investigations in Psychical Research, Together with Those of Other European Savants. Small, Maynard and Company (1907).


[4] Smart, W. M. (1947). John Couch Adams and the discovery of Neptune. Popular Astronomy, 55, 301. http://adsabs.harvard.edu/full/1947PA.....55..301S

[5] Discovery of Exoplanets. Wikipedia. Acesso em Fevereiro de 2020.

[6] Perryman, M. (2012). The history of exoplanet detection. Astrobiology, 12(10), 928-939.

[7] A questão da encarnação em diferentes mundos: um novo tipo de matéria?

[8] Benest, D., & Duvent, J. L. (1995). Is Sirius a triple star?. Astronomy and astrophysics, 299, 621. Ver http://articles.adsabs.harvard.edu//full/1995A%26A...299..621B/0000621.000.html

[9] Bond, H. E., Schaefer, G. H., Gilliland, R. L., Holberg, J. B., Mason, B. D., Lindenblad, I. W., ... & Young, P. A. (2017). The Sirius system and its astrophysical puzzles: Hubble Space Telescope and ground-based astrometry. The Astrophysical Journal, 840(2), 70. Ver: https://iopscience.iop.org/article/10.3847/1538-4357/aa6af8/pdf

[10] Zuckerman, B., & Becklin, E. E. (1992). Companions to white dwarfs: very low-mass stars and the brown dwarf candidate GD 165B. The Astrophysical Journal, 386, 260-264. Ver: http://adsabs.harvard.edu/full/1992ApJ...386..260Z 

[11] Farihi, J., Becklin, E. E., & Zuckerman, B. (2005). Low-luminosity companions to white dwarfs. The Astrophysical Journal Supplement Series, 161(2), 394. Ver: https://iopscience.iop.org/article/10.1086/444362/pdf

[12] Bonnet-Bidaud, J. M., & Pantin, E. (2008). ADONIS high contrast infrared imaging of Sirius-B. Astronomy & Astrophysics, 489(2), 651-655.Bonnet-Bidaud, J. M., & Pantin, E. (2008). ADONIS high contrast infrared imaging of Sirius-B. Astronomy & Astrophysics, 489(2), 651-655. Ver: https://www.aanda.org/articles/aa/abs/2008/38/aa8937-07/aa8937-07.html

[12b] Griaule, M. and G. Dieterlen (1950). "Un systeme soudanais de Sirius," Journal de la Societe des Africanistes 20: 273-294. Ver: https://www.persee.fr/doc/jafr_0037-9166_1950_num_20_2_2611

Sobre o 'Enigma de Sírius', um vídeo recente pode ser acessado aqui: https://www.youtube.com/watch?v=nTDSt9niRfI (Acesso em fevereiro de 2020).

[13] Temple, R. (1976). O mistério de Sirius. Madras, 2005. Trad. S. Maria Spada.

[14] Coppens, P. (2020). Dogon shame. Ver: https://www.eyeofthepsychic.com/dogonshame/

[15] de Montellano, B. R. O . The Dogons Revisitedhttp://www.ramtops.co.uk/dogon.html

[16] LeBlanc, F.  (2010). An Introduction to Stellar Astrophysics. United Kingdom: John Wiley & Sons.

1 de janeiro de 2020

O que a neurologia tem para ensinar aos médiuns? (Dr. Nubor Facure)

Interessante texto do Dr. Nubor Facure, explorando algumas possíveis conexões entre a neurologia, o sentido da visão e uma aplicação avançada para a vidência mediúnica. 

A visão

O nosso olhar é uma das propriedades mais ativas do cérebro. Nós mobilizamos dois terços (ou quase 70%) do córtex cerebral quando estamos olhando para uma criança correndo. Existem 30 áreas cerebrais que estarão atuantes nessa visão trabalhando seus detalhes. Precisamos saber quem é, sua localização, com que velocidade se locomove, para onde se dirige, que roupa usa, suas cores, o risco que corre, o parentesco que tem conosco, se vem até nós para dizer alguma coisa e se precisamos abrir os braços para abraçá-la ou acudir em um perigo de queda.

Nosso registro visual não é do tipo fotográfico, ele é interpretativo, constrói uma paisagem com aquilo que vê. O que vemos cria uma “representação” do que “pensamos” estar vendo. Disso decorre que, mais de noventa por cento dessa atividade se processa na mente, e é isso que permite que cada um veja conforme lhe pareça e não como a coisa é.

Por que vemos?

Só há visão humana com a luz. Tudo começa com uma onda de energia vibratória que atinge nossa retina refletindo nela a imagem dos objetos. Aqui a luz atua sobre cones e bastonetes produzindo milhares de combinações em branco e preto ou coloridas, numa mistura de três cores fundamentais: vermelho, verde e azul – a cor é quase um milagre, e é bom saber que ela existe em nós e não nos objetos.

Quando a energia luminosa é convertida em impulso nervoso ele percorre o cérebro produzindo uma serie de outros fenômenos que vão nos permitir “qualificar” o que vemos dando-lhes propriedades:

A mansidão do luar
A quietude dos vales
A algazarra dos pássaros
A correria das fontes
O brilho das estrelas
O sorriso farto das crianças
O vermelho forte dos morangos
O vermelho brilhante do por do sol
O vermelho suave das rosas

A visão e a linguagem 

Nossa mente cria representações simbólicas para aquilo que estamos vendo. Damos-lhes qualidades para compreender sua existência. As propriedades dos objetos e cenários acima descritos não são qualidades primárias, são “imaginações” que criamos para relatar, interpretar e explicar como essas coisas são para nós. Aprendemos a usar as nossas representações com seus significados para que possam fazer parte da nossa linguagem corriqueira, dispensando a presença do objeto visualizado. Nossa infância é povoada de imaginações que aprendemos a ouvir e criar para representar o mundo e aliviar nossas angústias e medos. Criamos os anjinhos com asas, o homem que é metade homem e metade cavalo, a fadinha que produz estrelinhas, os monstros, os gigantes e os anõezinhos, as bruxas e os heróis.

Entretanto, a maior invenção que criamos para representar nossas imagens foi a escrita. Só o ser humano é capaz de representar um objeto por um conjunto de letras, uma palavra, uma frase ou um poema. Conta-se que uma águia é capaz de ver uma letra a 15 metros de distância, mas, seguramente ela não sabe ler, dar significado a essa letra e compreender o que ela diz.

O capricho da anatomia – dividindo a imagem

Quando a imagem atinge a parte posterior do cérebro, na região occipital, ocorrem fenômenos anatômicos importantes e curiosos. As informações se distribuem em camadas a partir de um ponto central, no último giro do lobo occipital. Ali construímos o foco do nosso olhar, a partir do qual, alguns detalhes da imagem se esparramam como uma casca de cebola. Uma parte será enviada ao lobo parietal no giro angular, outra para a região temporal no giro medial e uma terceira via atinge, também no lobo temporal, o giro fusiforme.

Vamos ver qual é o propósito dessa tríplice divisão:

O giro angular e suas vizinhanças

Situada no lobo parietal, esse giro desempenha funções interessantíssimas – ele nos permite dispor de um GPS no cérebro – nos localiza no espaço e permite que sejamos informados “onde” está determinado objeto. Imagine pegar uma xícara no meio de várias louças e copos, os desajeitados sempre aprontam pequenos desastres caseiros.

No lobo parietal direito alguns experimentos cirúrgicos conseguiram estimular as proximidades dessa área e o paciente referir que se sentia fora do corpo – ocorre uma projeção da imagem corporal para fora do corpo - semelhante aos conhecidos relatos metafísicos de “experiências fora do corpo” que hoje conta com vastíssima comprovação na literatura médica.

O lobo temporal

Aqui há regiões que nos permitem ter noção “do que é” e dos movimentos das pessoas e dos objetos identificados. Para sabermos a importância dessa função, basta circular pelo corredor de um shopping center, onde várias pessoas vêm apressadas em nossa direção, obrigando-nos a desviar de um ou de outro – aqui também os desastrados se dão mal, trombam frequentemente.

O giro fusiforme

Passa-se nele um fenômeno de extrema importância – é uma área onde é projetado o rosto das pessoas, sendo assim processada a identificação dos amigos e dos desconhecidos, uma distinção fundamental para a sociabilidade e a sobrevivência. E nesse particular, todos nós tropeçamos, nos lembrando daquele rosto, mas, nos foge, com frequência, o nome da pessoa.


Um breve resumo

Concluímos, então, que logo após termos as imagens registradas no lobo occipital, elas esparramam suas conexões para áreas vizinhas a fim de tomarmos conhecimento da cor, da forma, do movimento e da localização precisa do objeto visualizado – para cada uma dessas funções há um grupo particular de neurônios executando essa tarefa. Diz a neurologia que nós temos sim, um neurônio para nossa avó e outro para a Angelina Joli.

Podemos resumir algumas de nossas afirmações anotadas acima:
  • O mundo visível é uma imaginação da mente – a isso se chama percepção visual.
  • O estímulo visual atinge o “cérebro”, mas é a mente que constrói a representação do que vê – criamos uma imagem mental do que pensamos estar vendo.
  • Cada um de nós constrói suas imagens visuais conforme suas expectativas, suas memórias e sua cultura.
  • Há regiões diferenciadas no cérebro situadas no entorno da região occipital, para percepção do espaço e o que contém ele, a localização de objetos ou de pessoas, sua movimentação, sua forma, sua cor e sua identidade facial.
Entre o cérebro e a mente

Ensina a neurologia que a imagem que nos chega aos olhos não é interpretada como um reflexo que se projeta em um espelho. Cérebro e mente vão construir o que “pensam” estar vendo. Portanto, para tudo que vemos, o cérebro e a mente montam uma representação daquilo que imaginam ser o que está sendo visto. Vale a pena repetir com os cientistas que nossa realidade é pura imaginação. Mais importante, ainda, é saber que cada um de nós imagina o mundo a seu modo.

A neurologia ensina que, ao construirmos nossas imagens mentais, ajuntamos algumas peças que se conjugam nessa imaginação. Primeiro, a expectativa – se espero ver um anjo devo lhe dar asas como uma de suas propriedades. Repetindo o que já aprendemos, a visão é um processo ativo, nossa mente é quem põe nos objetos ou nas pessoas as características que espero ver nela. Depois, atuam as nossas memórias – se já conheço o pequi do serrado fica fácil identificar esse fruto quando o encontro no meio da panela de arroz tingindo-a com sua cor amarelada. Ao ver um rosto na multidão saberei de quem se trata caso minhas memórias detectem nosso parentesco ou amizade. Finalmente, interfere a nossa cultura, pessoal e coletiva – o peão que reconhece os animais na roça, o mecânico que trabalha com as peças do motor, o médico que manuseia os instrumentos da cirurgia, o cozinheiro que escolhe os ingredientes da comida, o mateiro que transita fácil pela floresta, o piloto que pousa o avião mesmo com a névoa da tempestade – todos eles enxergam detalhes que seu conhecimento possibilita compor.

As extravagâncias da patologia

Lesões, inflamações, tumores e síndromes diversas são capazes de desencadear manifestações que deturpam nossa visão. Fora dos quadros neurológicos clássicos de cegueiras e hemianopsias, vale a pena apontar curiosidades que ocorrem em algumas pessoas.

Afetada a área que identifica o movimento dos objetos ou das pessoas, o indivíduo relata curiosidades inacreditáveis – um deles diz que não pode por seu leite no copo. Ao virar a garrafa, ele não percebe a descida do líquido que acaba entornando – não há como perceber que o leite desceu da garrafa enchendo o copo. 

Outra conta que não há como andar no shopping, ela nunca sabe se as pessoas estão vindo em sua direção, e é terrível tentar atravessar a rua quando os carros estão passando. 

Um terceiro nota que, aqueles pássaros que voam ali por perto, na verdade parecem parados, mas, eles aparecem ora num lugar ora noutro, deixando-o confuso. 

As cores mudam de tonalidade ou desaparecem em pacientes com epilepsia - eles podem relatar “crises” visuais nas quais percebem em seu campo de visão o desenrolar de uma cena como se fosse um filme. Podem de início ser suas imagens em branco e preto, vindo depois o colorido adequado preencher o cenário.

A mediunidade - vendo Espíritos

A vidência é um tipo raro de mediunidade. Crianças costumam ver muito, assim como os idosos, nas fases finais da vida.  Os bons médiuns videntes fazem relatos muito interessantes que podemos compreender melhor conhecendo o que nos diz o cérebro conforme estamos estudando. Precisa ser dito que o médium não vê o Espirito, é o Espírito que se faz ver – usando a coparticipação de uma fisiologia especial que dispõe o médium vidente.

A percepção de uma entidade espiritual acontece por uma combinação de fenômenos – é preciso uma combinação dos fluidos do encarnado com o desencarnado, ocorre uma sintonia fluídica com assimilação pelo perispírito do médium daquilo que lhe projeta o Espírito desencarnado. E, finalmente, a imagem que o Espírito quer mostrar tem sua expressão no cérebro físico do médium onde terá que submeter-se ao que estudamos sobre ele.

Vamos aos exemplos nos relatos dos médiuns.

O que podemos aprender

1 - No livro dos Médiuns, Allan Kardec, ensina que, a vidência é um tipo de mediunidade rara que não se deve provocar seu desenvolvimento, deixar que ela siga seu curso natural, evitando o risco de sermos iludidos por efeito da imaginação. O cérebro é farto de informações e a mente é muito criativa, podendo nos fazer ver o que não existe.

2 – No mundo fantasioso da criança é comum ela conversar com personagens construídas pela sua imaginação, mas, nem tudo é fictício no mundo da criança. No histórico de muitos médiuns, eles relatam a sua vidência desde a infância e, nessa época, não tinham conhecimento suficiente para identificarem que parte da conversa era mesmo com entidades espirituais.

3 – No idoso e nos pacientes terminais, há relatos de visitas de Espíritos familiares que se fazem ver pelo paciente - a veracidade desses relatos merece crédito inquestionável – isso a Doutrina Espírita é farta em comprovações.

4 – Na epilepsia, embora a neurologia acadêmica ainda não admita, é possível que certas crises sejam precipitadas por entidades perturbadoras, e podemos conjecturar que as imagens visualizadas nas crises tenham a ver com a dimensão espiritual – nas palavras de Kardec, a vidência geralmente é um episódio fugaz, lembrando muito uma “crise” cortical – por excitação de neurônios na região occipital (palavras minhas).

5 – A vidência não é um fenômeno contínuo, costuma ocorrer em flashes, circunscritos frequentemente a um foco, num determinado ponto do ambiente – as vezes o Espírito aparece sistematicamente no mesmo lugar, ora aqui ora ali – pelo que estudamos, a fixação do Espírito numa determinada localização ocorre por estímulo de neurônios de localização no cérebro do médium e não como fato real. Não é culpa do Espirito aparecer sempre ao lado do piano, é o cérebro do Médium que só consegue o enxergar ali.

6 – A aparência com que se apresenta o Espírito tem a ver com a estimulação de neurônios da área occipito-temporal, que nos permite identificar as formas dos objetos – o conceito popular ensina que, a descrição das formas depende dos olhos de quem vê – atentem para o vestido da noiva no seu casamento, cada convidado fará a descrição que mais lhe afeta. É por isso que nas visões tanto podem serem descritos santos como demônios – asas, auréolas, tridentes ou mantos de luz.

7 – Quando Wilder Penfield (1891-1976) iniciou as primeiras neurocirurgias para cura da epilepsia, o paciente era operado acordado, com o cérebro exposto. Isso permitia que certas áreas do cérebro pudessem ser estimuladas eletricamente pelo neurocirurgião. Dr. Penfield conseguia obter, com essa técnica, que o paciente relatasse o que estava vendo ou sentindo ou movimentando seus dedos. Ele podia, também, emitir algumas palavras, gritos, ver cenas do seu passado, descrever locais onde vivera ou onde se sentia projetado.

Allan Kardec ensina que nossa alma quando emancipada parcialmente do corpo, poderá “enxergar” quadros ou cenários arquivados em seu próprio cérebro físico. Isso significa que nossos neurônios armazenam sinais que nos permitem recompor memórias de coisas vistas ou vividas – penso eu que essa é uma vulnerabilidade muito apropriada para atuação dos obsessores.

Também do mesmo autor:

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