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7 de maio de 2023

Diferença entre mediunidade e obsessão

A visão no poço dos mártires por G. Henry Boughton (1833-1905)

Uma questão que pode surgir nos estudos de Espiritismo é sobre a semelhança entre mediunidade e obsessão. Afinal, não são ambas resultado da ação dos Espíritos ? Os conceitos não seriam baseados em um mesmo mecanismo mais fundamental? Não é a mediunidade um estado patológico da mente sobre o qual a obsessão também se explica? Tais questões merecem meditação mais profunda como objetivo de se formular respostas.

Especialistas no assunto reconhecem as dificuldades nesses conceitos. Em seu livro Mediunidade: um ensaio clínico [1], o Dr. Nubor Facure pondera (p. 13):

Doença é uma perturbação no bem-estar físico, psíquico, social e espiritual do indivíduo. Sendo assim, pode-se, como máximo de cuidado ético e respeito ao médium, considerar que certas manifestações clínicas da mediunidade podem ser consideradas como "doença", especialmente naqueles momentos em que sua presença perturba o indivíduo na sua homeostase física e psíquica.

É um ponto de vista que reflete a visão médica: doença é tudo aquilo que pode "perturbar o indivíduo em sua homeostase física e psíquica". 

Entretanto, pode-se argumentar que essa definição leva a se considerar como doença qualquer coisa que perturbe um índivíduo como causa. Assim, alguém abalado em sua saúde com excesso de trabalho, por exemplo, poderia acreditar que trabalho é doença. Portanto, as dificuldades em se lidar com a mediunidade nas suas fases iniciais podem perturbar o indivíduo, sem que isso implique em considerá-la como doença em si.

Segundo Kardec

A palavra "médium" tem uma acepção clara segundo Kardec [2] (Vocabulário Espírita):

MÉDIUM. (do latim, medium, meio, intermediário). Pessoa que pode servir de intermediário entre os Espíritos e os homens.

E a mediunidade é a faculdade dos médiuns. Quanto à obsessão, ela está definida, p. ex., em várias partes das obras de Kardec. Por exemplo em [1], Parágrafo 237 (Capítulo 23, "Da Obsessão")

...a obsessão, isto é, o domínio que alguns Espíritos logram adquirir sobre certas pessoas. 

Também encontramos definições semelhantes com, p. ex., no Parágrafo 70 (Capítulo 2,  "Escolhos da mediunidade"):

Um dos maiores escolhos da mediunidade é a obsessão, isto é, o domínio que certos Espíritos podem exercer sobre os médiuns, impondo-se-lhes sob nomes apócrifos e impedindo que se comuniquem com outros Espíritos.

Observamos que a interferência entre os dois fenômenos já transparecia a Kardec que estudou a obsessão como uma perturbação ao fenômeno mediúnico.

É importante considerar que a mediunidade se caracteriza como um processo de comunicação. No fenômeno obsessivo (no contexto mediúnico), seu objetivo não é simplesmente comunicar algo, mas agir sobre o médium de maneira a prejudicar a ele e a todos os que dele se servem. Na obsessão, o canal (não só o médium, mas também a linguagem) se transforma em um instrumento para realização de atos em prejuízo ao círculo mediúnico.

Obsessão fora da mediunidade na acepção restrita.

Entretanto, a obsessão também age sobre pessoas que não podemos considerar, em tese, "médiuns". Desde a mais sutil fascinação, até os últimos graus de possessão (conforme as definições que podemos encontrar em [1]), o sujeito obsediado não está na posse completa de suas faculdades cognitivas. Poderíamos caracterizar esse estado de coisas como um fenômeno mediúnico?

Em parte a confusão se deve a distinção entre possíveis significados dados à palavra mediunidade conforme podemos ler em [3] (grifos nossos):

Quando analisamos um texto ou um discurso onde o termo médium aparece, é importante reconhecer em qual desses sentidos está sendo empregado, a fim de se evitarem mal-entendidos e discussões sem fundamento. Assim, por exemplo, a afirmação feita no parágrafo 159 de O Livro dos Médiuns de que “todos [os homens] são quase médiuns” deverá ser entendida apenas na acepção ampla do termo, pois sabemos, pela questão 459 de O Livro dos Espíritos, que todos somos passíveis de receber a influência dos Espíritos, ainda que sob a forma sutil de intuição. Incorreremos em grave equívoco se concluirmos daí que todos somos mais ou menos médiuns no sentido restrito e usual da palavra, ou seja, se julgarmos que todos podemos produzir manifestações ostensivas, tais como a psicofonia, a psicografia, os efeitos físicos etc.

Dessa forma, a existência de possível generalização semântica do termo mediunidade (a acepção ampla) pode levar a conclusões precipitadas se misturada à concepção mais restrita dada acima por Kardec.

Entretanto, essa distinção no nível da linguagem não resolve o problema que nos preocupa aqui. Ele se liga à provável origem comum que ambos os efeitos (mediunidade e obsessão) podem ter.  É por essa razão que o Dr. Nubor Facure pondera [1] (p. 14, grifos nossos):

As doenças mentais são fragilidades a alma e, por isso, facilitadoras da atuação compartilhada de Espíritos, e escancaram as portas para a obsessão. Esses Espíritos são irmãos nossos comprometidos com a ignorância, quase sempre perturbadores, querelentes e exigents de direitos que cobram do paciente perturbado mentalmente. Esse quadro, extremamente comum, constitui uma associação clínica simbiótica de muita gravidade. Acredito que na esquizofrenia, na bipolaridade e nas paranoias diversas, ocorre uma frequente troca ambivalente entre o orgânico e o espiritual. A associação entre a doença mental e uma perturbação espiritual é, a meu ver, a regra na psicopatologia humana.

No fenômeno obsessivo puro ocorre assim uma simbiose entre os dois mundos que correm paralelos. Nesse fenômeno, não é objetivo principal a comunicação, mas uma influência nociva sobre o Espírito do doente. Uma explicação mais completa sobre os paralelos entre obsessão e mediunidade passa necessariamente por uma teoria neurológica da mediunidade. Algumas sugestões interessantes são dadas por N. Facure na obra que aqui citamos.

Fig. 1 Algumas áreas do cérebro. Segundo o Dr. N. Facure, há uma relação íntima entre o tipo de mediunidade e a área do cérebro do médium provavelmente responsável por sua intermediação. Imagem: Wikipedia.

De forma muito sucinta, na proposta de Facure, existe uma grande dependência do fenômeno mediúnico - principalmente se de efeito intelectual - com o cérebro. Essa dependência é tão grande a ponto de ser talvez possível mapear tipos de mediundidade conforme áreas no cérebro especializadas pela manfestação da consciência. Por exemplo, no chamado "lóbulo frontal" (Fig. 1), vias neurais por onde trafegam as informações destinadas às funções superiores da cognição, a incidência da mediunidade é responsável por fenômenos comunicativos mais elevados (psicografia, psicofonia etc) [4]:

Pelo exposto, podemos compreender que fenômenos como a psicografia, a vidência, a audiência e a fala mediúnica, devem implicar uma participação do córtex do médium já que aqui se situam áreas para a escrita, a visão, a audição e a fala.

Em outras regiões do cérebro - onde estão os circuitos ligados às manifestações mais primitivas e ligadas às sensações - eventual incidência da faculdade pode levar a outros tipos de fenômenos. Por exemplo, o médium sentir as mesmas sensações do Espírito que dele se aproxima. É o que descreve N. Facure com relação ao Tálamo, uma estrutura localizada no chamado "diencéfalo", uma estrutura localizada na base do cérebro [4]:

É possível que muitas das sensações somáticas referidas pelos médiuns, que dizem perceber a aproximação de entidades espirituais, como se estes lhes estivessem tocando o corpo, seja efeito de estímulos talâmicos.

Nesse caso, pela ação do córtex do médium os estímulos espirituais podem ser facilitados ou inibidos pela aceitação ou pela desatenção do médium, bem como por efeito de estados emocionais não disciplinados pelo médium.

Podemos especular que, por não terem carácter comunicativo, tais vias não conscientes podem se manifestar como fenômenos obsessivos. 

Para que o leitor possa fazer uma ideia mais justa do impacto e relevância dessa teoria, consideremos, por exemplo, o que a ciência descreve com as áreas do cérebro responsáveis pela sexualidade [5]:

O comportamento sexual é regulado por estruturas subcorticais, como o hipotálamo, tronco cerebral e medula espinhal, e várias áreas cerebrais corticais que atuam como uma orquestra para ajustar com precisão esse comportamento primitivo, complexo e versátil. No nível central, os sistemas dopaminérgicos e serotoninérgicos parecem desempenhar um papel significativo em vários fatores da resposta sexual, embora os sistemas adrenérgicos, colinérgicos e outros transmissores de neuropeptídeos também possam contribuir.

Agora, imaginemos que tais circuitos sejam em parte afetados pela mediunidade em certo grau, a ponto de se tornar um fenômeno obsessivo. Se esse é o caso, quantas pessoas no mundo, portadoras de distúrbios sexuais ainda pouco compreendidos (citamos, por exemplo, a Pedofilia mas poderíamos falar em inúmeras parafilias) não poderiam estar de fato sob influência obsessiva ? Quantas, consideradas incuráveis, não poderiam se beneficiar de um tratamento que considerasse os aspectos espirituais envolvidos? 

O assunto assim é de imensa importância para a Humanidade. 

Referências

[1] N. Facure (2014). Mediunidade, um ensaio clínico. Ed. Allan Kardec. Campinas, SP.

[2] A. Kardec (1944).O Livro dos Médiuns. 58a Edição. Ed. FEB. Tradução Guillon Ribeiro.

[3] S.S. Chibeni e C. S. Chibeni. Estudo sobre mediunidade. Reformador de agosto de 1997, pp. 240-43 e 253-55. Federação Espírita Brasileira. Uma versão acessível deste trabalho pode ser lido em: 

[4] N. Facure. Neurofisiologia da mediunidade. Link:

[5] S. Calabrò et al (2019). Neuroanatomy and function of human sexual behavior: A neglected or unknown issue?. Brain and Behavior, v. 9, n. 12, p. e01389. Link: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/brb3.1389 


1 de junho de 2016

A mediunidade de Eugênia von der Leyen

"Foi muito esquisito o que aconteceu. O sacristão continuou andando 
e passou através do vigário, como se fosse apenas uma sombra. 
Vi claramente os dois. Pouco depois, o pároco sumiu e 
nunca mais o vi." (Eugênia descrevendo seu contato com 
o pároco Schmuttermeier na igreja, p. 49 de (2))

Se se quiserem desembaraçar da obsessão de semelhantes Espíritos, 
será fácil, orando por eles. É o que sempre esquecem de fazer.
 Preferem aterrá-los com fórmulas de exorcismos, que os divertem muito.
("História de um danado", Revue Spirite, 1860)

Um de nossos leitores (1) comentou sobre um interessante livro ao ler nosso texto "Os vivos e os mortos na sociedade medieval" (3). Trata-se de "Meine Gespräche mit Armen Seelen" (2), que podemos traduzir livremente como "Minhas conversações com almas penadas". É um diário escrito pela princesa Eugenie von der Leyen und zu Hohengeroldseck (1867-1929) entre 1921 e 1929. Nascida em Munique, Eugênia vivera praticamente enclausurada em vários castelos de sua família (Fig. 1) na região de Landsberg na Baviera. De formação fervorosamente católica, Eugênia ou "Eschi" compôs, sob sugestão de seu confessor, relatos periódicos em que atestou "visões" e conversas com falecidos. Obviamente, o círculo social onde Eugênia viveu jamais permitiria qualquer outra interpretação para suas "visões" do que o contato direto com as "almas penadas" do purgatório, o que possibilitou a sobrevivência de seus escritos, confiados totalmente a seu confessor.

Comentamos alguns trechos de seu diário que foi publicado e proibido na Alemanha de Hitler. Citações a essa obra foram avançados por Hermínio de Miranda em seu livro "A reinvenção da morte" (4). Consideramos relevante seus escritos, pois referem-se a uma descrição fora do contexto do conhecimento espírita, o que atesta a universalidade desses mesmos ensinos. Trata-se também de uma ideia interessante, que pode ser adotada por médiuns de variadas sensibilidades: a de se escrever a impressão do fenômeno até suas menores particularidades. 

Alguns relatos

Os relatos de Eugênia parecem ser autênticos, uma vez que a médium nunca mencionou sua ocorrência em vida. Conforme atesta seu confessor:
Eu conheci a vidente durante seus últimos doze anos de vida; todos os dias tinha conhecimento de seus encontros com almas. A meu conselho, ela anotava o que via num diário. Nem ela e, no início, nem eu, tivemos a intenção de publicá-lo... A vidente levava uma vida santa. Era de uma piedade autêntica, humilde como São Francisco, zelosa na prática do bem e desmedidamente generosa: sempre prestativa e pronta a renunciar à própria vontade, disposta aos maiores sacrifícios, querida por Deus e por todos que a cercavam. Quem a conhecia, venerava-a. Jamais desejou atrair a atenção de quem quer que fosse. Tinha um talento especial para prestar favores e proporcionar surpresas agradáveis aos outros. O caráter da princesa é a mais sólida garantia de que merece crédito. Declaro, sob juramento, que a aconselhei a anotar, clara e integralmente, suas experiências reais, mas nunca, e em parte alguma, lhe sugeri quaisquer opiniões minhas. (p. 41)
Fig. 1 Schloss Unterdieβen, onde Eugênia viveu
a partir de 1925. 
A julgar por suas descrições, o convívio de Eugênia com os desencarnados era constante, mas limitado à visão e audição. Seu diário traz exclusivamente contatos com desencarnados. Poucos, porém, chegavam a responder seus questionamentos (todos os grifos são meus):
Cinco horas da tarde. Vi no jardim, entre duas árvores, uma freira. Parecia estar me esperando. Pensei tratar-se de uma velha conhecida e apressei-me a ir ao seu encontro. De repente, ela desapareceu sem deixar vestígios. (p. 45).
24 de fevereiro — Às quatro da manhã acordo e acendo a luz. Junto à minha cama está Crescência e, a seu lado, aquela desconhecida. Perguntei: “Crescência, querida, donde vens?” — “Do espaço intermediário.” — “Como me encontraste?” Ela fez um gesto como para dizer que veio pelo ar. (p. 52)
23 de março — De noite. Outra vez aquela gente. Dezesseis pessoas. Demoraram longo tempo. Cinco deles eu conheço: Viktor, Maria M..., Perpétua R..., aquele sapateiro que vivia dizendo: “Ai, meu Deus!” , Baptista B...; perguntei-lhes: “O que querem vocês?” Nenhuma resposta. Então eu disse: “Vamos rezar por vocês. Não precisam voltar mais.” Aí, diz o Viktor: "Temos de vir!” “Quem o quer?”, perguntei. Não responderam. Ficaram mais um pouco; todos cravaram os olhos em mim, e se foram. Aparecem noite após noite, mas não posso fazer nada; rezo e depois de pouco tempo, todos eles se retiram. (p. 54)
A primeira citação mostra um fenômeno bastante comum em  sua narrativa: o desaparecimento repentino de imagens de pessoas que Eugênia aprende a distinguir das "pessoas de carne e osso". Isso não acontece em um ambiente reservado (e nem sob invocação, o que seria inaceitável para Eugênia), mas a qualquer horário, que ela prefere seja de dia. Na segunda descrição, a médium recebe uma resposta "Do espaço intermediário" e o Espírito afirma que veio pelo ar. Na terceira citação, Eugênia quer saber porque almas do purgatório a procuram. A resposta de um Espírito chamado Viktor é "temos que vir". Eugênia também descreve a presença de dezesseis Espíritos em seu quarto, que tinha, segundo os editores de (2), cinco metros quadrados!

Apesar de seu caráter católico fervoroso, não existem dúvidas em Eugênia de que ela está, quase sempre, cercadas de "almas em sofrimento", Ou seja, ela jamais interpreta o que vê como uma manifestação "do demônio", opinião que é compartilhada por seu confessor. O fenômeno é espontâneo e intermitente. A médium não tem controle dele, embora reconheça que, em algumas situações, perdeu contato com as almas:
Durante alguns dias, sempre à noite, tive febre. Não conseguia conciliar o sono. Nessas ocasiões, nada via e nada escutava. Agora que estou boa, parece que voltam. (p. 55, grifos meus)
A que se deve isso? A mediunidade, segundo Kardec, encontra-se fundada na estrutura do organismo:
79. A faculdade mediúnica é uma propriedade do organismo e não depende das qualidades morais do médium; ela se nos mostra desenvolvida, tanto nos mais dignos, como nos mais indignos. Não se dá, porém, o mesmo com a preferência que os Espíritos bons dão ao médium. ("O que é o Espiritismo?" Cap. II: qualidade dos médiuns.)
Explica-se assim porque a sensibilidade mediúnica pode se enfraquecer durante as enfermidades  do corpo físico do médium.

Um fato curioso sobre a "sensibilidade" de animais (4b) também é relatado por Eugênia:
Vi sentada no cercado de galinhas aquela mulher. Seu jeito é sempre amável. Mas ela não responde. Tendo ido ao galinheiro, pude observá-la bem. Um gato veio andando em direção a ela. Ao enxergá-la, deu um pulo, assustado, para o lado. Senti-me feliz por constatar que, ao menos, o gato vê o que eu vejo. (p. 60)
Mas, para onde iriam as "almas" que Eugênia ajuda? Lemos o seguinte diálogo entre a médium e uma delas:
20 de junho — Estando eu para me flagelar por Weiss, apareceu ele, ao meu lado, com uma expressão feliz e disse: “Tu me remiste.” — “Não fui eu, foi a misericórdia de Deus.” — “Servindo-se de ti!” — “Aonde vais agora?” — “A uma esfera superior.” (p. 125) 
Licantropia

Algumas descrições recentes em livros espíritas falam do fenômeno da Licantropia - algo que aconteceria a Espíritos desencarnados com delitos graves - como um processo de deformação do perispírito. O livro "Libertação" (5) descreve um caso de um Espírito feminino que assassinou seus filhos e que foi deformado sob sugestão hipnótica "à forma de uma loba". A licantropia não aparece em nenhuma obra de Kardec (6), mas o fenômeno é confirmado nos relatos de Eugênia:
19 de dezembro — Chegou o Monstro. Posso vê-lo distintamente. É mais alto que os homens comuns. Tem cabelos hirsutos, negros; resfolga de um modo asqueroso. Protegi-me com a relíquia da Santa Cruz e aspergi água benta na aparição. Fixou-me o olhar algum tempo e depois foi embora pela janela. Nunca em minha vida tinha visto algo tão nauseabundo, a não ser em jardins zoológicos. E esse Monstro, nojento e asqueroso, esteve no meu aposento! (p. 90)
24 de abril— Faz três dias que me visita toda noite um animal  todo preto, intermediário entre búfalo e carneiro. Fiquei muito assustada. Pulou no meu leito. Para remediar minha covardia, recorri à água batismal e o quadrúpede me deixou em paz. (p. 140)
E não apenas nele. Segundo (2), há outras referências (7):
José de Gorres, o grande especialista em mística da Universidade de Munique, escreve em sua obra "Mística cristã" sobre a Irma Francisca do Santíssimo Sacramento, da Ordem das Carmelitas,  que “apareciam, às vezes, a essa Irmã, pessoas falecidas sob formas terríveis, mais parecendo um animal do que gente". (p. 25)
Concordando com André Luiz,  conforme conclui Eugênia, as "almas" nessas condições cometeram delitos muito graves. Por meio da presença da médium, o Espírito passa por uma transformação pelo qual reassume uma forma humana.

Por que eu? Paralelos com as descrições de Yvonne Pereira.

Uma das grandes questões de Eugênia era: por que ela? Por que as "almas" a procuravam? Em seus contatos, elas estão sempre a fitar profundamente seus olhos. Outros buscam tocá-la:
Algo tocou-me no ombro e senti muito medo. (p. 55) 
Aproximou-se de mim, e antes que o pudesse impedir, o dedo dele tocou na minha mão. (p. 63) 
23 de janeiro — Henrique mudou bastante. Nem sei dizer como ou em que, mas já não me inspira tanto nojo. Estou feliz porque não me tocou. (p. 102)
Disse-lhe: “Prefiro que não me toques, embora eu tenha muita vontade de ajudar-te.” (p. 95)
A impressão que temos é que a médium era uma "fonte" (de fluidos) em contato com a qual as "almas" se beneficiavam e transformavam profundamente.
Yvonne Pereira (1900-1984), a grande 
médium brasileira. Impressiona alguns 
paralelos que se pode fazer entre suas 
descrições com as de Eugênia 
von der Leyen.

É difícil deixar de comparar os contatos de Eugênia com as descrições de Yvonne Pereira. Exemplos encontramos no livro "Recordações da Mediunidade" (em azul abaixo, 8), seguido do equivalente quase idêntico com Eugênia (em verde). De novo, os grifos são meus:
Mesmo assim, como não enlouqueci de pavor, ou não me deixei obsidiar, nos momentos em que via o infeliz suicida deixar o sótão, flutuar no espaço atraído pelas minhas forças afins, sem mesmo disso se aperceber, e atingir o escritório para se deter junto de mim e continuar suas eternas convulsões? (8, Cap. 6, "Testemunho")
22 de junho — Desde à uma hora da noite até depois das cinco, esteve “ele” no meu quarto. Foi medonho. Curvou-se sobre mim diversas vezes e sentava-se junto ao meu leito. Chorei de tanto pavor. (2, p. 60)
O ruído provindo do mundo invisível é muito mais impressionante do que a visão, e senti-me chocada. Ainda hoje prefiro ver os Espíritos, qualquer que seja a sua categoria moral, a ouvir os ruídos que eles produzam, pois quaisquer ruídos ou sons provindos do  Além são assaz diferentes dos conhecidos na Terra, são como que difusos pelo ar, cavos, surdos, ocos. (8, Cap. 6, "Testemunho")
Tenho a sensação de que há muitas almas junto a mim, mas nada vejo; ouço, porém, passos e respiração arquejante pertinho de mim; em seguida, um barulho estranho, como se alguém batesse na parede. Apenas ouço e percebo esses ruídos, o que, para mim, é pior do que ver e assistir seja ao que for. (2, p. 55)
A explicação para a atração dos Espíritas por Eugênia pode ser talvez a mesma descrita pela grande medianeira do Brasil:
Se, outrora, como suicida que também eu teria sido, me vi socorrida por almas generosas do Espaço, as quais me ajudaram o reerguimento moral pelo amor de Deus, a lei suprema de mim exigiria agora que, por minha vez, eu socorresse a outrem, pois sabemos que essa lei determina a solidariedade entre as criaturas de Deus, e jamais receberemos favores ou auxílios de outrem sem que, posteriormente, deixemos de transmiti-los também à pessoa do próximo. (8, Cap. 6, "Testemunho")
...que também aparece em Eugênia:
Aproxima-se uma luta que tenho travado já tantas vezes: devo amar esse pobre coitado e não o consigo. Só quando chegar a amar essa alma embrulhada em execração serei capaz de fazer sacrifícios. (2, p. 94)
9 de agosto — Passei por algo pavoroso. Um estrondo me despertou. Acendi a luz e algo de horripilante se inclinava sobre mim. Constantemente meus pensamentos voltam àquilo: uma cabeça gigantesca com olhos tão apunhalantes que não parecem existir, ou antes: o rosto todo era um só olho que me fixava. “Vai-te!" — exclamei — o que procuras comigo?” — “A paz.” — “Não sou eu quem pode dá-la.” — “Mas tu deves!” — “O que me pode obrigar a isso?” — “Amarás o teu próximo como a ti mesmo. (p. 127)
Há muitas outras semelhanças. Por exemplo, a maior parte dos contatos de Eugênia dá-se durante o período da madrugada. Yvonne Pereira também afirma a mesma coisa e fornece, inclusive, uma explicação para esse fato.

Conclusões

É importante entender que a mediunidade de Eugênia é raríssima. Eugênia cai na categoria de médiuns de vigília, conforme a questão 1 no Cap. VI de "O Livro dos Médiuns" de A. Kardec. A espontaneidade, intermitência e falta de controle da médium demonstram sua mediunidade como de caráter neutro e absolutamente independente da crença de Eugênia ou de qualquer ato ou circunstância capaz de provocar os fenômenos.

Entretanto, Eugenia parece não compreender completamente a dinâmica do fenômeno que hoje podemos analisar graças à chave fornecida pelo Espiritismo e informes mais recentes da literatura espírita. Em particular, a atração das "almas" pela presença de Eugênia se deve a sua mediunidade peculiar, sua crença fervorosa no poder superior e sua inclinação para fazer o bem, não obstante a repulsa que descreve sentir pelos seres que a procuram. Ela convenceu-se gradativamente que era sua obrigação ajudá-los. Pouco a pouco, eles melhoram de condição, conforme ela mesma descreve.

Isso é reforçado por outra conclusão interessante: seus rituais (aspersão de água benta, sinais, presença da relíquia da cruz etc) parecem inócuos (9). O benefício conseguido para as "almas" deve-se à atuação de seu fluido por meio de sua vontade: quanto mais passa a amar os infelizes que a procuram, a interessar-se por eles, tanto mais eles conseguem ter seus sofrimentos abrandados.

É provável que outras descrições (7) existam de testemunhos semelhantes que aguardam melhores análise e estudos. Particularmente interessante também é o contexto católico que aprova e recomenda a leitura do diário de Eugênia. Não se fala em visões infernais ou ação demoníaca. O contexto piedoso e de fé que envolvia Eugênia fez sobreviver seus relatos, que não diferem das descrições de médiuns espíritas. E nem poderia deixar de ser, pois o fenômeno é o mesmo.
Referências e comentários

1 - José Ricardo Basílio a quem agradeço a sugestão do livro que deu origem a este post.

2 - E. von der Leyen (1994). "Conversando com as Almas do Purgatório". AM Edições, São Paulo. ISBN 85-276-0305-5.

3 - "Os vivos e os mortos na sociedade medieval".
4 - Conforme indicado por José Ricardo Basílio.

4b - Ver o Capítulo 22 de "O Livro dos Médiuns" de A. Kardec.

5 - Xavier F. C. (1992) "Libertação". 15a Edição. FEB.

6 - Sobre a possibilidade de Espíritos aparecerem em forma de animais, ver "O Livro dos Médiuns", Cap. VI, "Manifestações visuais", questão 35. Também, ao se ler "A história de um danado", na Revue Spirite de 1860, por exemplo, deparamos com interessantes relatos (grifos meus):
(A São Luís) ─ Teríeis a bondade de nos dar algumas informações sobre este Espírito, já que ele não pode ou não quer dá-las?
─ É um Espírito da pior espécie, um verdadeiro monstro. Fizemo-lo vir, mas não foi possível obrigá-lo a escrever, malgrado tudo quanto lhe foi dito. Ele tem seu livre-arbítrio, do qual o infeliz faz triste uso.
14. ─ Esse Espírito é sofredor e infeliz. Podeis descrever o gênero de sofrimento que experimenta?
─ Ele está persuadido de que terá de ficar eternamente na situação em que se encontra. Vê-se constantemente no momento em que praticou o crime. Qualquer outra lembrança lhe foi apagada e qualquer comunicação com outro Espírito foi interdita. Na Terra, só pode ficar naquela casa, e quando no espaço, nas trevas e na solidão.
62. ─ Podeis descrever seu gênero de suplício?
─ É-lhe atroz. Como sabeis, foi condenado a ficar no local do crime, sem poder dirigir o pensamento a outra coisa senão ao crime, sempre ante os seus olhos, e julga-se eternamente condenado a essa tortura.
Tais descrições se assemelham ao que André Luiz descreveu em outros termos (influência hipnótica etc).

7 - Joseph von Gorres (1840). Mística cristã, v. III, p. 476. Editora Manz, Regensburg. O leitor interessado poderá, talvez, estudar do ponto de vista espírita a vida de outros místicos católicos citados na obra incluem:
  • (S) Catarina de Gênova (1447-1510)
  • (S) Teresa D'Ávila (1515-1582)
  • Crescentia Höss de Kaufbeuren (1682-1744)
  • Maria Ana Lindmayr (1657-1726)
  • Heinrich Seuse (1295-1366)
  • Margarete Schäffner (?-1949)
  • Ana Caterina Emmerich (1774-1824)
8 - Pereira Y. (1992). Recordações da mediunidade. Ditado pelo Espírito de A. B de Menezes. 7a Edição. Feb.

9 - Conforme esclarece A. Kardec: 
Nenhum objeto, medalha ou talismã tem a propriedade de atrair ou repelir os Espíritos; a matéria não tem nenhuma ação sobre eles. Um bom Espírito nunca aconselha semelhantes absurdos. A virtude dos talismãs nunca existiu a não ser na imaginação das pessoas crédulas. ("O Livro dos Médiuns", cap. XXV.)

27 de setembro de 2014

Cinco principais "evidências" para existência de vida após a morte.

Quando observado desde sua perspectiva teórica, o Espiritismo fornece um panorama admirável, que demonstra os diferentes graus de manifestação da consciências (Espírito). Esses  graus surgem de formas diversas, frequentemente considerados separados do ponto de vista fenomenológico, mas que mostram a operação de um mesmo e único princípio. Esse princípio é independente da matéria, mas está em parcial interação com ela.

Entretanto, os que não conhecem os princípios espíritas e que estão distantes de considerações filosóficas muitas vezes recebem notícias e reportagens sobre uma variedade grande de "fenômenos anômalos". Esse é o caso de uma grande comunidade de interessados nas teses da sobrevivência (1), em diversos países. O livro "Pare de se preocupar! Provavelmente há vida após a morte" (2) de G. Taylor é um exemplo que resume esse estado de coisa. O título define o grau de envolvimento do autor com a tese: o uso do advérbio 'provavelmente' (em itálico) indica que são apenas possibilidades. Cinco dos principais grupos de fenômenos que são considerados por Taylor "evidências" de vida após a morte são:

1 - Experiências de quase morte "verídicas". O qualificativo "verídica" se aplica às experiências de quase morte em que o paciente reporta a observação de fatos e experiência no "plano material" que são posteriormente confirmadas, fatos "verídicos" que ele não poderia ter conhecido de outra forma porque estava passando pela experiência de quase morte;

2 -  Experiências "Peak-in-Darien". Denominação apenas conhecida de "especialistas" em experiências de leito de morte (3). Trata-se de relatos de pessoas nos instantes finais de vida, que descrevem a presença de parentes falecidos, inclusive contatos com parentes considerados ainda "vivos", porém que realmente se encontram falecidos. Isso acontece porque os que se cercam do moribundo ainda não sabem da situação atual do parente recém falecido.

3 - Mediunidade. A conhecida faculdade de entrar em contato com Espíritos, bastante estudada por Kardec.

4 - Fenômenos de leito de morte. Embora seja comum que pessoas que se avizinhem da morte relatem contatos com parentes falecidos ou outras experiências consideradas extraordinárias (EQMs), há relatos de pessoas sãs, que acompanham esses desenvolvimentos, e que também experimentam "visões". Algumas dessas ocorrências envolvem enfermeiros que percebem uma luz irradiada do paciente, que toma toda a sala e que envolve os que nela estão. Há relatos de testemunhas que observam irradiações deixando o corpo do paciente no momento da morte.

5 - Combinações de mediunidade e visão de leito de morte. Experiências de quase morte que são parcialmente descritas por médiuns, ou informações confirmadas por médiuns em apoio ao que pacientes ouviram e viram durante uma EQM. O mais interessante desses relatos semelhantes a EQM através de médiuns é que eles foram compilados muito antes que os fenômenos de EQM se tornassem populares. 

O que falta para que todas essas "evidências" sejam aceitas? Já discutimos aqui bastante que evidências a respeito de um fenômenos nunca são aceitas antes de uma teoria ou explicação. Há inúmeros casos na história da ciência em que fenômenos foram desprezados sumariamente, simplesmente porque não se entendia corretamente seus mecanismos. Dai o cuidado do autor em apresentar a sobrevivência como uma "possibilidade".

Aqui dá-se algo parecido. Portanto, a rota para sua compreensão maior passa pela aceitação tácita dos conhecimento dos mecanismos de produção, dos elementos geradores (Espírito, perispírito, faculdades do Espírito) para então aceitá-los completamente. 

Referências e notas

(1) Teses que se distinguem do Espiritismo em alguns aspectos, mas que guardam com ele alguma relação, a saber, que defendem a sobrevivência da consciência à morte física.

(2) G. Taylor (2013), "Stop Worrying! There Probably Is an Afterlife". Ver http://www.amazon.com/o/ASIN/098742243X/thedailygrail

(3) B. Greyson (2010) "Seeing Dead People Not Known to Have Died: 'Peak in Darien' Experiences",  Anthropology and Humanism, Vol. 35, Issue 2, pp 159–171, ISSN 1559-9167.



1 de setembro de 2014

Algumas considerações sobre a mediunidade e seu uso.

Sabe-se que mediunidade é uma faculdade inerente ao ser humano, que permite a ele entrar em comunicação com os Espíritos (1). Ela é uma capacidade neutra - isto é, não está ligada ao "bem" ou ao  "mal" ou, de outra forma, não depende do bom ou mal uso que dela se faz. Além disso ela não está disponível equitativamente entre todas as pessoas. Variações no organismo faz com que essa capacidade seja exuberante em alguns enquanto que quase imperceptível na maioria.

No passado, médiuns foram tomados em alta conta, assim como perseguidos. É possível identificar traços de personalidades mediúnicas em várias partes da história humana. Por exemplo, no Antigo Testamento, profetas eram consultados e eram chamados também de videntes (ver, por exemplo, Isaías 30:10, I Samuel,  9:18 e 19). Na antiga Hélade, pitonisas eram buscadas para resolver todo tipo de questão ligada à vida particular ou pública dos antigos gregos. O dogmatismo religioso, porém, em várias épocas também perseguiu médiuns que eram considerados portadores de faculdades desconhecidas e diabólicas. Ainda hoje é possível encontrar grupos religiosos que não os compreendem integralmente. Ainda para outros, que não reconhecem a faculdade, médiuns não passam de aproveitadores da fé alheia.

Em geral, a relação com semelhantes intermediários, sempre se deu por meio de algum contrato comercial. Para a maioria das pessoas, o pagamento ao serviço mediúnico pode parecer natural. Entretanto, a verdade de que se fazem portadores não é produzida por eles que a recebem, gratuitamente, de outro lugar. Relações comerciais com a mediunidade são bastante antigas e estão entre os principais entraves para o desenvolvimento pleno dessa capacidade entre os humanos, pela simples razão de que o que trazem não é fruto do labor integral deles próprios, e pelo fato de que eles, os médiuns, não detém  domínio algum da faculdade de que são portadores.

Assim, a mediunidade, pode desaparecer de um momento para outro. Essa é a principal razão para o surgimento da fraude com médiuns que, no passado, chegaram a realizar feitos notáveis. 

Se você ainda recorre à médiuns profissionais para resolver problemas íntimos, é melhor precaver-se por meio de alguns preceitos simples:
  1. Certifique-se da história pregressa dos intermediários que frequentemente se consultar. Ela é o maior atestado de sua excelência como médium. Não acredite em opiniões superficiais e apressadas que te passarem;
  2. Com relação ao pagamento, preste atenção ao que é pedido e ao que é oferecido em troca. Desconfie prontamente dos que exigem altas somas em troca das informações que dizem trazer.
  3. Não se pode forçar o recebimento de informação do além. Frequentemente, tentativas desse tipo podem levar a informações forjadas para satisfazer a quem paga e, assim, receber dinheiro;
  4. Desconfie sempre de médiuns que façam revelações retumbantes e desproporcionais à grandeza dos fatos que ocorrem na sua vida. Você certamente é o principal responsável por ela e deve avaliar racionalmente se as informações passadas corresponde, de fato, ao que você esperaria. Não é que grandes mudanças não possam ocorrer, mas, com a vida pessoal, elas exigem modificações suas antes para que possam se tornar viáveis a longo prazo;
  5. Desconfie de médiuns que dizem estar em contato contato com seres muito superiores a nós. Quase sempre ele - o médium - é pessoa com os mesmos tipos de problemas que nós, ou, frequentemente, até mais graves. O intercâmbio com as esferas elevadas pode acontecer, porém, nunca em condições suspeitas, continuadas e forçadas. Não faz sentido imaginar entidades existentes em um mundo superior e, ao mesmo tempo, submetidas a pedidos pueris de quem está aqui em baixo;
  6. Saiba o que pedir. Verifique com sinceridade se sua dúvida ou pedido não é simplesmente um problema que pode ser resolvida recorrendo-se a profissionais (terapeutas, psicólogos etc) que, talvez, tenham condições muito melhores do que médiuns para te aconselhar; 
  7. Em geral, muitas revelações importantes são espontâneas e vem precedidas por alguns sinais sutis que ocorrerem na sua vida antes e depois da consulta (sonhos, coincidências, mensagens espontâneas recebidas por pessoas inesperadas etc). É preciso que você, que busca ajuda do Além, tenha também sensibilidade e discernimento para receber, por si próprio, esses sinais.
É provável que a perda de algum ente querido te faça aproximar de algum médium. Se esse for o caso, lembre-se também que você poderá receber consolação invocando-os e pedindo ao Alto para receber o benefício. Frequentemente, essa é a postura correta antes que você seja beneficiário de informações do Além.

Acima de tudo, lembre-se que comércio com as esferas mais altas não pode ser estabelecido nas mesmas bases da Terra. O beneficiário deve ter mérito para receber, o que equivale a necessidade de crédito especial. Esse crédito não pode ser comprado a algum preço. Por outro lado, todos temos, em maior ou menor grau, algum tipo de mediunidade. Dessa forma, é possível que você receba, se não tiver já recebido, o benefício, bastando que se encontre predisposto a ouvir as mensagens mais elevadas.

Referências

(1) Médium - (Do latim - medium, meio, intermediário.) - Pessoa que pode servir de intermediária entre os Espíritos e os homens. (O Livro dos Médiuns, II parte - "Das manifestações espíritas", Capítulo XXXII, Vocabulário espírita)

30 de junho de 2014

Mais sobre super-psi.

Conforme referência que nos foi enviada por Chrystian Lavarini (1), o artigo de M. Sudduth "Super-Psi and the Survivalist Interpretation of Mediumship" (2) merece alguns comentários na esteira do que publicamos aqui recentemente (3) sobre a teoria super-psi. À princípio, esse artigo de Sudduth se apresenta como uma defesa bem elaborada da teoria de super-psi, que se coloca como uma alternativa não materialista à teoria espírita.

Para facilitar a discussão que segue, traduzimos o resumo do artigo de Sudduth:
De acordo com a interpretação da sobrevivência da mediunidade, a existência de individualidades desencarnadas é a melhor explicação para os dados associados a mediunidade física e intelectual. Outros - defensores do que é frequentemente chamado de 'hipótese super-psi' - garantem que os dados da mediunidade podem ser explicados, ao menos igualmente bem, em termos de uma agente vivo (ESP ou psicocinese). Muitos defensores da interpretação da sobrevivência tentam esvaziar as virtudes explicativas da hipótese super-psi argumentando que ela é infalsificável e não tem apoio independente nas evidências. Minha linha argumentativa central neste artigo é que as críticas dos adeptos da sobrevivência à hipótese super-psi são auto-destrutivas à defesa da sobrevivência a partir da mediunidade. Para mostrar isso, primeiro argumento em detalhes que a interpretação da sobrevivência da mediunidade está comprometida de tal forma com psi que ela é indistinguível da hipótese super-psi. A partir dessa perspectiva, pode-se mostrar que qualquer tentativa de se negar virtudes explicativas à hipótese super-psi com base em certo grau de psi que isso exige também acaba por enfraquecer o próprio argumento da sobrevivência.
O conceito de psi

Para compreender a linha argumentativa de Sudduth é importante também conhecer o significado de 'psi' como conceito frequentemente usado  na parapsicologia. 'Psi' seria um tipo de habilidade da mente humana que daria a ela capacidade para produzir diversos fenômenos que, na linguagem típica da parapsicológica, se confundem com os fenômenos mediúnicos - tanto de natura 'física' como 'intelectual' (ou mental). Psi seria, de fato, a fonte desses fenômenos (agentes vivos), enquanto que a informação deles produzida teria como origem a mente de outras pessoas. 

Esvaziada de uma teoria (4), a parapsicologia  tenta construir uma linha de explicação para os fenômenos psíquicos que, em sua maior parte, tem horror à qualquer 'hipótese' externa considerada 'anti-científica' (5). Por causa disso, a parapsicologia se esforçou em construir uma linha meramente empírica de argumentação, onde alguns fenômenos são elevados à categoria de princípios fundamentais. Haveria assim 'fenômenos básicos' (6) como blocos unitários em termos dos quais a explicação de outros fenômenos anômalos seria feita. A consequência disso é que as explicações parapsicológicas soam como tautologias para muitos fenômenos (ver tautologia).  

É preciso compreender que as coisas ficaram assim por causa da própria dificuldade em se justificar psi (7) com base na física conhecida de um lado, o horror a hipóteses adicionais e, de outro, ao ambiente francamente hostil aos fenômenos psíquicos do mainstream acadêmico. 

Diferenças entre a interpretação da sobrevivência e a teoria espírita para a mediunidade.

De fato, a interpretação da sobrevivência a que se refere Sudduth apenas diz que a fonte da informação oriunda dos fenômenos psíquicos está na existência dos Espíritos. Não se detalha o mecanismo através do qual isso seria possível. Por isso, a linha argumentativa do autor de (2) é válida:

1. A hipótese super-psi faz uso de psi em certo grau;
2. A interpretação da sobrevivência usa psi em um grau indistinguível de super-psi;
_____________________________________________
C: Portanto, todas as críticas dirigidas a super-psi também valem para a sobrevivência.

Porém, é importante enfatizar que existem grandes diferenças entre a 'interpretação da sobrevivência' a que se refere Sudduth em seu artigo e a teoria espírita elaborada por A. Kardec (8) para a mediunidade. No caso de Kardec, diversos elementos explicativos (existência de fluidos imponderáveis, perispírito, diferenças de densidade entre corpos etc) existem e interagem para explicar uma variedade de fenômenos psíquicos de uma forma bem mais complexa do que a simples assunção da existência dos Espíritos na interpretação da sobrevivência em questão. Por causa disso, a crítica que Sudduth tece à falta de imunidade da tese da sobrevivência em relação à hipótese de 'super-psi' não se aplica à teoria de Kardec como é fácil perceber. 

Obviamente, o debate entre a  'sobrevivência' e 'super-psi' passa longe de Kardec, já que grande parte dos pesquisadores modernos dos fenômenos psíquicos (e que são favoráveis à sobrevivência) desconhecem a teoria de Kardec em detalhes.

Fenômenos de experiências de quase morte e visão de leito de morte não são fenômenos mediúnicos. Aplicar super-psi em tais casos é claramente problemático. De fato, tais fenômenos indicam, de forma independente da mediunidade, a existência do Espírito e sua sobrevivência.

Um problema ainda maior para super-psi

Os leitores não terão dificuldade em perceber a limitação do argumento de Sudduth a partir do próprio título de seu artigo: 'Super-psi e a interpretação da sobrevivência para a mediunidade' (grifo nosso). Em suma, seu argumento só se aplica à mediunidade. Entretanto, existem inúmeras ocorrências que são fenomenologicamente diferentes da mediunidade:
  • Lembranças e fenômenos associados a vidas anteriores em crianças (9);
  • Lembranças de vidas anteriores em adultos submetidos à regressão de memória;
  • Experiências de quase morte, EQM (10);
  • Visões no leito de morte (11);
Aplicar a ideia de super-psi nesses casos seria proibitivamente desonesto como é fácil perceber. Seria esticar em demasiado uma explicação customizada para um tipo de fenômeno. Inúmeros detalhes concorrem para demonstrar que a ideia da sobrevivência se sustenta de forma independente:
  • Por exemplo, no caso das lembranças de vidas anteriores em crianças, o que 'sobreviveu' de uma existência para outra? Como explicar marcas de nascença associada a vidas anteriores usando super-psi?
  • No caso de experiências de quase morte, o que continua a existir enquanto o cérebro está sem oxigênio? 
  • Porque a imensa maioria das lembranças em EQM diz respeito ao encontro com pessoas já falecidas? Nas visões de leito de morte, porque são reportadas imagens de pessoas falecidas?
O leitor interessado identificará facilmente outros detalhes na fenomenologia psíquica 'não mediúnica', que permite facilmente perceber a simplicidade e amplitude explicativa da tese da sobrevivência. Dessa forma, invocando-se a 'Navalha de Occam' (simplicidade), a tese da sobrevivência apresenta-se como a teoria que deve ser escolhida.

Esse é um assunto interessante que merece ser melhor explorado futuramente, principalmente no que diz respeito às consequências da tese da sobrevivência com base em evidências não mediúnicas.

Notas e Referências

(1) Ver post "Geografia(s) do mundo espiritual" de Chrystian Lavarini.

(2) M. Sudduth (2009) "Super-Psi and the Survivalist Interpretation of Mediumship", Journal of Scientifi c Exploration, Vol. 23, No. 2, pp. 167–193.

(3) Ver tradução comentada do texto de M. Prescott "As duas opções".

(4) Sobre isso ver a tradução do artigo de P. Churchland, "Como a Parapsicologia poderia se tornar uma ciência" que foi publicada em uma série de quatro posts.

(5) A existência dos Espíritos é uma dessas hipóteses. 

(6) ESP ou a chamada 'percepção extra sensorial' e psicocinese são esses blocos constituintes.


(7) Ou seja, como seria possível explicar 'psi'? A interação entre mentes (no caso, por exemplo, da telepatia) não pode ser explicada com base em nenhum elemento mais fundamental. Tentativas foram feitas, porém, o fenômeno não se deixa controlar a ponto de se poder testar facilmente.

(8) Uma boa parte dessa teoria, no que diz respeito à mediunidade, pode ser encontrada em "O Livro dos Médiuns".

(9) J. B. Tucker. (2008). Life Before Life: Children's Memories of Previous Lives.  St. Martin's Griffin, primeira edição.

(10) Ver post: Reflexões sobre o contexto de experiências de quase-morte. Artigo de Michael Nahm (2011).

16 de abril de 2014

Como detectar espíritos


 "A Ciência enganou-se quando quis experimentar os Espíritos, 
como o faz com uma pilha voltaica; foi mal sucedida 
como devia ser, porque agiu pressupondo uma analogia 
que não existe". (A. Kardec, 1)

Em comemoração aos cem mil cliques no "Era do Espírito".
Durante séculos, filósofos se debruçaram sobre o problema da alma como elemento constitutivo do ser humano. Ainda hoje, a neurologia tenta identificar áreas no cérebro responsáveis pelo pensamento, vontade, sentimento e impressões dos sentidos através de observações de padrões neuronais em imagens de tomografia. A parapsicologia busca evidências diretas, daquilo que seja detectável e mensurável, nas várias "anomalias" da chamada "paranormalidade". Apenas tateia o elemento espiritual, considerado uma "hipótese" em suas muitas propostas de estudo empírico, carentes de uma verdadeira teoria (2). Pode-se dizer sem receio de errar que todas as tentativas de "singularizar" o elemento espiritual, tão só usando métodos ou paralelos com o elemento material, falharam até hoje.

Por que isso acontece? Como podemos detectar de verdade espíritos? Discutir isso é o objetivo deste post.

Com a palavra, George Berkeley 
George Berkeley (1685-1753).

Mais recentemente, o filósofo Silvio Chibeni (3) ressaltou que, na filosofia, contribuições importantes foram dadas ao assunto o que é, infelizmente, ignorado por pesquisadores modernos. Por exemplo, na obra "Tratado concernente aos princípios do conhecimento humano" de George Berkeley (3), Chibeni destaca:
Um espírito é um ser ativo simples e não dividido. Enquanto percebe ideias, chama-se entendimento; e enquanto as produz ou opera sobre elas, vontade (will). Logo, não se pode formar uma ideia de uma alma ou espírito. ... A natureza do espírito é ... tal que não pode, em si mesmo, ser percebido, sendo-o apenas pelos efeitos que produz. (4) 
Da opinião de que espíritos devem ser conhecidos da mesma maneira que uma ideia ou sensação surgiram muitos princípios absurdos e heterodoxos, bem como muito ceticismo sobre a natureza da alma.
É até mesmo provável que tal opinião tenha levado alguns a duvidarem se eles têm, afinal, uma alma distinta de seus corpos, ao não conseguirem descobrir, dela, alguma ideia. (5)
Do que vimos, fica claro que não podemos conhecer a existência de outros espíritos senão por meio de suas operações, ou ideias por eles excitadas em nós. Percebo diversos movimentos, alterações e combinações de ideias, que me informam que há certos agentes particulares semelhantes a mim, que as acompanha e contribui para sua produção. 
Portanto o conhecimento que tenho de outros espíritos não é imediato, como o conhecimento de minhas ideias, mas depende da intervenção de ideias que eu possa relacionar a agentes ou espíritos distintos de mim, na qualidade de efeitos ou signos concomitantes. (6)
Nossos processos mentais acontecem através de uma gama de operações que incluem vários elementos cognitivos, sendo as "percepções" apenas alguns deles. Podemos pensar sobre algo, sentir, lembrar coisas, desejar, querer etc. Percebemos a matéria com nossos sentidos. Vejo, por exemplo, um belo vaso com algumas rosas muito vermelhas (Fig. 1). Posso sentir o cheiro das rosas e até mesmo a dor provocada pela penetração de seus espinhos em minha pele.

Consulto um livro de matemática e geometria e nele vejo uma figura com um triângulo retângulo cujos lados projetam áreas quadradas. A soma dos lados menores é sempre exatamente igual ao lado maior (hipotenusa). Com meu raciocino, além de inspecionar a figura, entendo o teorema de Pitágoras (Fig. 1).

Uma poesia é um conjunto de símbolos gráficos sobre uma folha de papel ou projetados em uma tela. Com meus olhos, enxergo os traços. Com meus dedos posso tocar o papel ou sentir seu cheiro. Com meu entendimento, porém, acesso o conteúdo da mensagem (Fig. 1) e posso ser levado a sentir algo mais, caso esse conteúdo, primeiramente acessado pelo raciocínio, reverbere em minhas memórias evocando outros sentimento mais profundos.

Percebemos que as "capacidades de minha mente" não se restringem apenas aos sentidos ordinários ou a meras operações mentais. Mesmo no caso das rosas, pode até acontecer que o cheiro delas evoque alguma memória anterior, que me faça lembrar algo distante no tempo.

Analisemos agora a proposição de "detectar um espírito". Esse é um elemento para o qual não está garantido que sua apreensão será semelhante ao caso do vaso de flores! Filósofos empiristas do Século XVIII estavam interessados em explorar os limites das capacidades de apreensão humana e, por isso, o veredito de Berkeley com relação aos espíritos. Eles sabiam que havia limitações não só aos sentidos ordinários, mas também que nem tudo, para existir, teria que ser exclusivamente apreendido apenas até o limite desses sentidos.

Berkeley nega que espíritos tenham que ser percebidos necessariamente tanto como sensações como ideias. "...não podemos conhecer a existência de outros espíritos senão por meio de suas operações, ou ideias por eles excitadas em nós", diz ele com razão.  As observações de Berkeley são muito atuais, mas jazem esquecidas e, por isso, estão na gênese do atraso de muitas propostas de pesquisa da realidade espiritual.
Fig. 1 Categoria de "coisas" que existem e que são apreendidas de forma diferente pela mente: um vaso de flores, o teorema de Pitágoras e uma poesia de Carlos Drummond de Andrade. Se essas coisas, para existir, não se manifestam à mente da mesma forma, porque o espírito teria que ser acessível apenas através dos sentidos?

E os efeitos físicos?

Por uma dificuldade de compreensão, muitos pesquisadores e entusiastas de fenômenos paranormais ("caça fantasmas", "pesquisadores de casas mal-assombradas" etc) partem de uma analogia que simplesmente não existe no caso dos espíritos - se é que, de fato, consideram sua existência - a de que ele seria detectável diretamente. Assim, se o leitor deste post queria ver discussões de equipamentos e técnicas para a detecção de espíritos, nosso texto não apresenta nada disso. Mas, cremos ter trazido algo muito melhor. Aqui devemos, porém, fazer uma observação.

É verdade que fenômenos de efeitos físicos existem que podem fornecer, diretamente, evidências de fenômenos que impressionam muito os sentidos. Esse é um tipo bastante raro de mediunidade (7), mas é conveniente que a pesquisa em Espiritismo não ficasse exclusivamente presa a eles. Se ponderarmos bem, essas são evidências "intermediárias", porque ocorrem por intermédio de médiuns, logo não são evidências diretas, embora possamos ser levados a imaginar isso.

Portanto, o espírito não pode ser detectado como se faz com constituintes da matéria, por exemplo, como elementos químicos (2), mesmo que altamente dissolvidos ou com traços de apenas algumas poucas moléculas. Esse fato extremamente simples, mas de amplitudes avassaladora, é muito mal compreendido pela esmagadora maioria. Lembramos que Kardec (8) tinha ciência completa desse problema:
As ciências ordinárias assentam nas propriedades da matéria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem subordinadas aos nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas de mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida. Querer submetê-la aos processos comuns de investigações é estabelecer analogias que não existem. A Ciência, propriamente dita, é, pois, como ciência, incompetente para pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento, favorável ou não, nenhum peso poderá ter.
A palavra "detecção" deve portanto ter seu conteúdo semântico expandido para dar conta de uma nova classe de manifestações. Não é que o espírito seja absolutamente indetectável, mas é que, ponderamos, sua evidências são de ordem completamente nova. Vamos estudar um pouco mais sobre isso em um futuro post.

Referências e notas
  1. A. Kardec. "O que é Espiritismo"
  2. Doze obstáculos ao estudo científico da sobrevivência e à compreensão da realidade do Espírito.
  3. S. Chibeni. "A pesquisa científica do espírito". Disponível neste link: http://www.geeu.net.br/artigos/espirito-fcm2010.pdf
  4. G. Berkeley (1710), "A Treatise concerning the Principles of Human Knowledge", § 27;
  5. Ver (3), § 137
  6. Ver (3), § 145
  7. Pelo menos considerando um indivíduo com faculdades sensoriais "normais". A mediunidade parece ser uma extensão não ordinária dos sentidos. Ver SKL#02 A. Xavier (2012). The Non-observable Universe and an Empirical Classification of Natural Phenomena.
  8. A. Kardec. "O Livro dos Espíritos". Introdução ao estudo da Doutrina Espírita. VII. 






16 de março de 2014

Livro VII - Mediunidade Mensurável (de S. Fontana)


O pesquisador Sandro Fontana recentemente publicou o livro "Mediunidade Mensurável - um livro digital que resume uma pesquisa sobre a possibilidade de medir estimadamente a mediunidade de uma pessoa", disponível gratuitamente (1) e contendo sua pesquisa em mediunidade. Esse livro segue a publicação de seu artigo "Mensuração de nível estimado mediúnico" (2). Aqui tecemos alguns comentários sobre essa obra. Certamente, a iniciativa do autor é louvável, por representar uma iniciativa isolada de aplicar o que seria chamado "metodologia científica" a um vasto campo de estudo como é o da mediunidade. 

Essa iniciativa se destaca uma vez que constatamos que trabalhos semelhantes são escassos no meio espírita,  quase que totalmente voltado para o aspecto religioso do Espiritismo. Não podemos nos esquecer do tríplice aspecto, de forma que as questões e problemas relacionados à parte científica são igualmente relevantes.

O trabalho está dividido nas seguintes partes:
  • Introdução (p. 5);
  • Objetivo (p. 7)
  • Kardec e mediunidade (p. 9)
  • A verdadeira, a falsa e a mediunidade intermediária (p. 14)
  • A incógnita constante do médium (p. 21)
  • O surgimento dessa pesquisa (p. 24)
  • Iniciando a tabela (p. 26)
  • A lógica base (p. 28)
  • Expondo médiuns à formulação (p. 35)
  • Os níveis e os médiuns (p. 54)
  • Os tabus (p. 56)
  • A aplicação (58);
  • Conclusão (p. 60)
Logo na introdução, o autor destaca a justificativa do trabalho:
Acredito que o desafio aqui, algo que a necessidade demonstrou ser importante, é tentar ser o mais justo possível, dando um passo além para esse novo século onde o espiritismo precisa resgatar o lado da pesquisa. Hoje temos enraizado profundamente os sedimentos morais/religiosos de espiritismo, porém o lado científico ficou estagnado no tempo e, assim que conseguirmos avançar nele, conseguiremos reforçar, junto da filosofia espírita, os passos seguintes para progredir na marcha evolutiva.
Nada mais justo... Fazer crescer o aspecto científico do Espiritismo certamente é justificativa importante. Porém, não se pode esperar isso com abandono total do que foi construído, em que pese a aparência de "estagnação". Como ciência, o Espiritismo ainda é muito jovem (3) e não dispõe de orçamento próprio do Estado para seu desenvolvimento.

O autor se baseou na definição universal de Kardec para o vocábulo "mediunidade" (ver "Kardec e a mediunidade", p. 9). Um pouco depois, o autor comenta:
Alexandre Aksakof descobriu o efeito anímico no médium, ou melhor, depois de seus estudos, propôs a tese de que o médium, mesmo sem intenção, provoca um efeito que confunde-se com a comunicação mediúnica.
Em diversas partes da obra de Kardec já se afirmava sobre a existência de efeitos anímicos, que não receberam, obviamente, esse nome (4). Por exemplo:
Embora geralmente o sensitivo mediúnico esteja desperto, em certos casos, que se tornam cada vez mais frequentes, o sonambulismo espontâneo se declara no médium, e este fala por si mesmo, ou por sugestão, absolutamente como o sonâmbulo magnético se conduz nas mesmas circunstâncias. (5, grifos nossos)
Aksakof parece ter sido, na verdade, o primeiro pesquisador a diferenciar entre as explicações totalmente anímicas para a mediunidade (advindas quase que integralmente dos meios céticos) daquelas totalmente espíritas, e a ressaltar o papel da influência do médium em meios que não aceitavam as teses de Kardec.

Devemos considerar que os médiuns da época de Kardec talvez não apresentassem suas mediunidades no mesmo grau dos de hoje. Assim como houve redução drástica nas manifestações de efeitos físicos, é provável que efeitos anímicos tenham prevalecido posteriormente, o que torna a questão ainda mais complexa. 

As questões colocadas pelo autor na p. 12 são pertinentes:
Mas e se o médium não for confiável?
E o que o faz não ser confiável?
Até que ponto a comunicação está sendo verdadeiramente efetiva?
Essas parecem ser as questões que motivaram o autor a realizar sua pesquisa. Ou, de outra forma: seria possível desenvolver um método quantitativo para ajudar na resposta a essas questões? A divisão feita entre "mediunidade falsa" (chamada "anímica") da mediunidade intermediária (que seria verdadeira, mas com algum grau de animismo) parece justificar a busca por uma escala de classificação que  transcenderia Kardec. Por isso, na parte seguinte (p. 14), o autor deixa de seguir Kardec (6). 

A questão é que, para Kardec, métodos quantitativos seriam os últimos a serem buscados nessa empreitada. Mediunidade é, fundamentalmente, um fenômeno humano e, com esse tipo de efeito, métodos quantitativos se mostram problemáticos (7), de difícil senão impossível aplicação. O leitor de "Mediunidade mensurável" deve saber que nos movemos em uma região potencialmente infrutífera ao seguir esse caminho. 

 Proposta de quantificação de mediunidade

O autor estima que, na comunicação, 50% vem do "pensamento" do Espírito comunicante e outros 50% do médium (p. 29):
Dessa forma, eu dividi a comunicação em dois momentos, sendo 50% ao pensamento (espírito) e os outros 50% ao repassador/transmissor (médium).
É difícil entender qual foi o raciocínio necessário para propor essa divisão porque "pensamento" (do médium e do Espírito) é algo imensurável e não se pode definir percentagens com atributos imensuráveis. Como afirmamos acima, a palavra "animismo" é posterior à codificação, mas isso não significa que não tenha sido discutido por Kardec. Mais a frente, ainda na p. 29:
Kardec, em toda sua obra, não explicita tal condição de forma clara, acabei descobrindo isso (por acaso) em meus testes e observações. Na Codificação Espírita, ao lê-la, temos a impressão que o espirito não tem problemas em se comunicar e que tudo depende absolutamente da sensibilidade do médium.
Criar percentagens a atributos imensuráveis não tem sentido e esse seria um erro que Kardec não cometeria e não cometeu. Além disso, o problema aqui é que termos usados em meados do século XIX não têm o mesmo significado hoje em dia (como por exemplo, "sonambulismo espontâneo" que pode ser compreendido como "transe anímico"), de forma que não se pode dizer taxativamente que a noção de influência do médium esteja ausente da codificação.

A proposta do autor de quantificação segue uma fórmula (ver p. 30) que aparece como uma média ponderada (%Vm) de valores estimados de vários "atributos" (da mensagem e do médium). Embora o autor reconheça a diferença entre cada tipo de atributo, eles são misturados em uma mesma fórmula com pesos iguais (8), com índices negativos para médiuns considerados fraudulentos.

A aplicação da fórmula é exemplificada por vários casos que parecem seguir a opinião do autor a respeito de determinado médium. Uma vez calculados um índice (%Vm), uma proposta de quatro classes mediúnicas é finalmente apresentada na p. 54.

Claramente existiria uma grande vantagem se fosse possível identificar um bom médium por meio de avaliação quantitativa tão direta como a que é explicada em "Mediunidade Mensurável". Essas vantagens são discutidas nas p. 58-60. É perceptível o desejo do autor em colaborar com o desenvolvimento de novos estudos para a mediunidade, o que, por si só, é algo difícil de constatar nos meios dedicados ao assunto.  

Palavras finais

Mediunidade (assim como a inteligência e a beleza) parece ser uma faculdade humana intrinsecamente imensurável. Entretanto, podemos sim definir medidas quantitativas para o conteúdo da mensagem (9). Por exemplo, dada uma mensagem mediúnica, podemos fazer uma análise sintática e numérica dela, contando-se o número de substantivos, verbos etc. que ela contém. Podemos analisar mais profundamente seu conteúdo, buscando traçar a correspondência fato-informação para cada elemento de mensagem nela presente.

Como é que tal análise poderia caracterizar a mediunidade? Parece ser correto afirmar que, quanto maior a fidelidade do médium na transmissão do conteúdo, mais "desenvolvida" seria a sua mediunidade. Nesse sentido o autor de "Mediunidade Mensurável" identificou a relação entre conteúdo e excelência da fonte que o produz no caso de psicografias.

Entretanto, esbarramos em problemas grandes ao querer criar uma escala numérica de qualificação para médiuns. O problema é que a mediunidade psicográfica (ou psicofônica), apesar de produzir mensagens concretas, ainda é um fenômeno privado do ser humano. Como ponto para meditação, devemos considerar que é possível que o médium seja excelente (no sentido de entrar em contato com muita informação), mas não consiga corretamente colocar no papel todo o conteúdo.

Para exemplificar, imaginemos dois rádios de uma mesma marca. Um está de acordo com suas especificações de fabricação, enquanto que outro tem um problema em seu alto-falante, que não permite interpretar corretamente o que é transmitido. Então, nesse caso simples, não seria possível colocar o rádio defeituoso como uma "outra classe", ou dizer que o rádio perfeito é "superior". O máximo que se pode dizer é que existe um defeito em um dos rádios. Com isso queremos dizer que, no caso da mediunidade, dificuldades de transmissão de conteúdo podem não ser devidas a diferenças intrínsecas entre classes. Em suma, mediunidade ainda é algo bastante complexo para permitir avaliações quantitativas, mesmo nos casos mais concretos.

Referências e notas
  1. S. Fontana. Mediunidade Mensurável. Um livro digital que resume uma pesquisa sobre a possibilidade de medir estimadamente a mediunidade de uma pessoa. Digital e-book. Acesso em 2014. 62 páginas.
  2. Ver apresentação do autor (em 19/agosto/2012): https://www.youtube.com/watch?v=Pb5JSan2DUE
  3. Séculos foram necessários para dar à física a aparência de "modernidade"e para que ela fosse financiada com recursos públicos. Devemos nos confiar totalmente nas aparências?
  4. Ver, por exemplo: "O Livro dos Médiuns", Segunda parte - Das manifestações espíritas, Capítulo XX - "Da influência moral do médium", Questões diversas.
  5. Revista Espírita 1867, Junho, Dissertações espíritas - "O Magnetismo e o Espiritismo comparados".
  6. Essa ausência de quantificação possivelmente é vista pelo autor como um sinal de "estagnação" do método de Kardec.
  7. Veja, por exemplo, as controvérsias envolvendo a definição de um "quociente de inteligência": Mark Snyderman and Stanley Rothman, (1988), "The IQ Controversy, the Media and Public Policy", Transaction Books.
  8. É fato básico que só se pode somar, subtrair, multiplicar ou dividir "banana com banana" ou "maça com maça". 
  9. Ver projeto "Cartas psicografadas": http://eradoespirito.blogspot.com.br/p/projeto-cartas-psicografadas.html

10 de junho de 2012

Um médico descobre a mediunidade

Médiuns receitistas: têm a especialidade de servirem mais facilmente de intérpretes aos Espíritos para as prescrições médicas. (A. Kardec, "O Livro dos médiuns", Cap. 16, II Parte, Das manifestações espíritas, dos médiuns especiais).

O que aconteceria se os praticantes da medicina finalmente levassem em conta o conhecimento transcendente, o da Vida Maior no exercício de suas profissões? E se a mediunidade fosse incorporada de alguma forma e intensidade à prática médica? Podemos prever uma grande mudança nos tratamentos com perspectivas nunca antes imaginadas. Em particular, com aqueles profissionais que trabalham com as doenças mais diretamente ligadas à relação entre o Espírito e a matéria, certamente o impacto seria maior. 

O Dr. Ian Rubenstein é um exemplo desse tipo de mudança. Médico inglês que trabalha em Enfield no norte de Londres, ele passou a se interessar diretamente pela fenomenologia mediúnica. Em um recente artigo "A medium in the Doctor's Office" ("um médium no consultório") que foi publicado na edição de Junho deste ano da revista EdgeScience (1), ele descreve um pouco suas experiências com a mediunidade e o começo de seu interesse pelo assunto:
"...meu interesse no assunto começou quando uma paciente que visitei afirmou estar em contato com meu falecido bisavô. Ela me deu informações muito precisas dele. Isso chamou minha atenção e, depois de uma série de eventos extraordinários e de coincidências misteriosas, comecei a participar de reuniões com médiuns bem treinados e a iniciar o contato com o 'outro lado'."
Admite ele que isso foi uma mudança radical no seu ponto de vista, já que, como médico e na idade de 48 anos, ele não tinha a menor pretensão de começar a receber treinamento como médium. A partir de então ele "teve que aprender a entrar em contato com a parte mais sutil e intuitiva da mente, em um esforço de contato com uma forma de existência espiritual".

Do contato que teve com vários médiuns, ele pode perceber a vantagem prática que tinham com as fenômenos mediúnicos. Em um gesto de grande humildade, ao menos por certo tempo, decidiu suspender seu 'julgamento cético' a respeito do assunto, pelo menos durante as sessões. E, então, passou a receber, como diz, 'informações do nada'. De nomes nunca ouvidos que faziam sentido para membros do grupo até descrições precisas de alguém que havia falecido. Tais ocorrências fizeram com que ele suspendesse sua trégua contra os fenômenos, imaginando tratar-se de um mistura de 'leitura fria' (2) ou de memórias inconscientes proferidas por pacientes a ele durante os anos. Sua impressão final, porém, foi de que, embora isso pudesse fazer parte de uma explicação, não se encaixava absolutamente ao que ele havia experimentado. Havia fatos demais que não se explicavam de forma natural. Então, ele mesmo se surpreendeu ao começar a ter intuições sobre seus pacientes, fatos que ele jamais poderia saber de forma ordinária:
Por exemplo, quando Lucy me procurou em um estado terrível de depressão, não tinha ideia alguma que seu pai havia sido assassinado e que isso tinha sido há 38 anos atrás. Eu estava para prescrever a ela um antidepressivo quando senti um impacto na parte de trás de minha cabeça e ouvi uma voz que me pediu perguntasse a Lucy sobre seu pai, além de ver uma forma espectral de um homem que ditava uma resposta sobre os ombro esquerdo de Lucy. 
Isso pareceu muito espetacular, mas mais importante e útil foi saber de Lucy que ela sempre sentia a presença de seu pai ao redor dela. Depois que confirmei isso, ela me disse se sentir muito melhor e que, de fato, não mais precisaria do antidepressivo.
Dr. Rubenstein.
Portanto, o Dr. Rubenstein passou a ser auxiliado durante seu trabalho com informes que ele não sabia de onde estavam vindo, mas que eram resultado direto de seu interesse em se desenvolver como médium (3). Para ele o contato dá-se de forma totalmente inesperada: na maioria das vezes quando ele está com seus pacientes:
Começa frequentemente com uma imagem mental clara que eu prontamente reconheço como sendo algo que preciso dizer ao paciente. Essas imagens são bastante persistentes. A menos que esforço deliberado seja feito para apagá-las, elas não vão embora enquanto eu não comunico o paciente do que se trata.  

Classicamente isso é conhecido como 'fazendo o contato'. Parece que funciona desse jeito: uma vez que uma imagem ou mensagem inicial se mostra útil ao recipiente (paciente), fica mais fácil  que mais informações sejam conseguidas. Se o recipiente conseguir 'compreender' o que lhe passo, recebo então uma serie de outras imagens que preciso usar de forma a fazer sentido.
Dr. Rubenstein descreve então duas variedades de percepções mediúnicas das quais ele apenas tem a última:
Mensagens visuais e auditivas podem ser subdivididas em formas subjetivas e objetivas. As mensagens subjetivas são percebidas com os olhos da mente ou ouvidas como uma especie de voz interior. As mensagens objetivas são vistas ou ouvidas como que emanando do mundo físico. Algumas vezes é uma mistura estranha das duas formas. 
E, mais a frente:
Recebo na maioria das vezes imagens. Algumas vezes elas parecem óbvias. Em outros casos parecem vir na forma de símbolos para a situação que o paciente está passando. Algumas vezes essas imagens parecem embaralhadas como se fosse um pedaço de informação que tivesse sido depositado na minha mente. Então tenho que desembarçar camada a camada, imagem a imagem 
Ocasionalmente, sinto ou vejo pessoas que estão associadas aos pacientes que estão em consulta. Quando isso acontece, existe frequentemente informação quanto à posição associada ao comunicante.
Obviamente, ele também sente a pressão da censura por seu comportamento tão peculiar durante as consultas. Interessantemente, seus pacientes aceitam sua capacidade melhor do que ele próprio. E, dessa forma, ele se permite utilizar frequentemente dessa habilidade. Segundo ele, 'se a situação está difícil, seria bobagem recusar ajuda, mesmo dos desencarnados'. 

Notas e referências

(1) Rubenstein I. (2012). A medium in the doctor´s office, Seção 'The Observatory', EdgeScience, 11. Publicado pela Society for Scietific Exploration;

(2) 'Leitura fria', em inglês, 'cold reading' é uma hipótese cética usada para supostamente explicar a possibilidade de médiuns obterem informações. Por meio de grande habilidade, médiuns tirariam 'informação do nada' a partir da leitura cuidadosa da maneira como pessoas do 'círculo' se sentam, como mexem os olhos, as mãos etc.

(3) Rubenstein, I. (2011). Consulting Spirit: A Doctor’s Experience with Practical Mediumship (Anomalist Books)