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2 de novembro de 2012

O exercício da crítica sadia aos adversários do Espiritismo.

O conjunto de princípios ou fundamentos que formam a base para a doutrina que veio a ser conhecida como espírita é um conjunto de afirmações audaciosas sobre o mundo e nosso papel nele. Muitos desses princípios fizeram ou fazem parte de antigas tradições religiosas (como é o caso da reencarnação). Outros são mais novos e fornecem respostas lógicas e harmônica para velhas questões como: quem somo nós, de onde viemos e para onde vamos.  

Uma vez que a Doutrina Espírita é conhecimento que afirma algo categórico a respeito do mundo e sobre nossa real posição e importância nele, ela está bastante sujeita a críticas das mais variadas origens e interesses. De grupos religiosos que têm posição fundamentalista, até ultra céticos militantes do niilismo existencial (contra o qual o Espiritismo é notoriamente contrário), há muitos interesses que fazem oposição aos princípios espíritas. De novo, isso é bastante natural, afinal o Espiritismo afirma alguma coisa positiva sobre o mundo e tem utilidade reconhecida.  

Adeptos suficientemente esclarecidos a respeito dos princípios espíritas também devem estar cientes das responsabilidades morais que recaem sobre aqueles que apenas dizem seguir seus princípios.  É absolutamente impossível ser espírita (dizer-se espírita é outra coisa) sem levar em consideração o subconjunto de princípios que forma sua ética (ref 1). Assim, qualquer crítica que seja dirigida aos adversários do Espiritismo, por mais correta e isenta de erros que seja, jamais poderá ser exercida de forma a não observar esses princípios éticos, sob pena de ser uma atividade vazia e prejudicial às verdades que ela pretende defender. 

Para convencer adeptos disso, não bastariam palavras. Quis o destino e a  Providência que fosse fornecido  um exemplo: Allan Kardec. Nele temos, portanto, o modelo a ser seguido, muito mais que um manual de procedimentos que se interprete conforme interesses particulares. Podemos analisar alguns trechos para conhecer um pouco a maneira como ele exerceu essa crítica, a fim de que possamos inferir um modelo de "protocolo kardequiano" para construção de uma crítica aos antiespíritas que esteja de acordo com os princípios do Espiritismo.

Um exemplo.

Na 'Revista Espírita' de Abril de 1866 há um artigo de A. Kardec sobre um tema recorrente que já era comum à época: 'O Espiritismo sem Espíritos'. Esse texto em particular fornece vários trechos sobre como Kardec exercia sua crítica a tendências e opiniões internas ao movimento. Os mesmos princípios devem valer para as críticas que se pode fazer ao que é externo ao Espiritismo. Logo no primeiro parágrafo está escrito:
Ultimamente vimos uma seita tentar se formar, arvorando como bandeira a negação da prece. Acolhida inicialmente por um sentimento geral de reprovação, não vingou. Os homens e os Espíritos se uniram para repelir uma doutrina que era, ao mesmo tempo, uma ingratidão e uma revolta contra a Providência. (ref 2)
Observe que não há nomes ou referências pessoais nesse parágrafo, a ponto de hoje não termos ideia sobre os atores que representavam essa corrente de pensamento na época. Kardec designa a tendência sobre o nome geral de 'seita' e declara seu princípio: a negação da prece. Ele então discorre de forma resumida sobre as consequências conhecidas dessa postura, a partir de argumentação que usa os próprios princípios que esposa (um movimento que se diz espírita e que negue a eficácia ou necessidade da prece vai contra a existência da Providência Divina). Kardec cria então a oportunidade para criticar outra instância diferente de movimento:
Eis agora uma outra que se ensaia num novo terreno. Tem por divisa: Nada de comunicações dos Espíritos. É muito singular que esta opinião seja preconizada por alguns daqueles que outrora exaltavam a importância e a sublimidade dos ensinamentos espíritas e que se gloriavam do que eles próprios recebiam como médiuns. Terá ela mais chance de sucesso que a precedente? É isto que vamos examinar em poucas palavras. (ref. 2)
O grifo é de A. Kardec. Ele então se propõe uma simples questão que é analisada no que segue através de um conjunto de princípios e o autor não perde tempo exacerbando os pontos negativos do que pretende criticar. Esse preocupação em invocar os princípios e medir as consequências da adoção de uma determinada postura em detrimento de outra (é como se fizéssemos uma 'simulação' de caso, vamos assumir que isso seja válido e examinar as consequências) caracteriza uma crítica positiva. Com ela aprende-se muita coisa e não apenas porque isso ou aquilo é um equívoco.  

Algumas recomendações para um debate fraterno e sadio

Preliminares (lembre-se e verifique antes):
  • Procure conhecer se o adversário tem mesmo interesse em um debate fraterno sobre determinado tema. Um debate fraterno é aquele cujo principal objetivo é o ganho de conhecimento por ambas as partes envolvidas na discussão;
  • Na maior parte das vezes, esse debate dificilmente será exercido sem nenhum tipo de 'ganho moral' . Por isso, evite discussões desnecessárias com pessoas que claramente buscam atenção para seus próprios pontos de vista. Frequentemente, essas pessoas querem atenção e reconhecimento e fazem isso criticando os outros na esperança que esses lhes dirijam a atenção, mesmo que contrária aos seus próprios pontos de vista;
  • Evite discutir com pessoas que usam exclusivamente a autoridade alheia para defender seus pontos de vista sobre determinado tema. Em geral, invocam nomes meritórios ou escoram-se em trabalhos de outros. Fazem isso muitas vezes de forma distorcida. Quem critica tem a obrigação de conhecer em profundidade aquilo que critica e não está autorizado a usar a invocar a autoridade alheia para se dispensar desse conhecimento;
  • Evite discussões que se tornam fatalmente estéreis com aqueles que claramente demonstrem desprezo ou total aversão aos princípios que você defende. Podemos chamar isso de condição para estabelecimento de um 'diálogo entre surdos', porque os debatedores falam muito e escutam pouco ou quase nada;
  • Por mais diferente que seja o ponto de vista expressado por um adversário, tanto ele como você estão sujeitos as mesmas leis Universais que, de há muito, estabelecem e regem o relacionamento e o futuro, e que nenhum ponto de vista ou opinião poderá modificar isso;
  • É possível que um opositor ferrenho ao seu ponto de vista seja um excelente amigo. Às vezes aqueles que mais comungam conosco o ponto de vista são os que menos temos afinidades. Posicionamentos  intelectuais nada tem a ver com relacionamentos pessoais;
Algumas recomendações mais específicas:
  1. Jamais cite textualmente nomes de pessoas envolvidas em críticas. A citação de nomes tem dois inconvenientes: i) faz com que a crítica se ligue fortemente à pessoa (isso é, potencialmente é criada uma situação em que se possa criticar a pessoa e não o que essa pessoa acredita, o que é bem diferente); ii) a citação ou uso de nomes em textos na internet jamais poderá ser totalmente desfeita;
  2. Se a citação do nome for absolutamente necessária, faça isso de forma fraterna e respeitosa. Procure ressaltar o lado positivo do adversário (ele sempre existe). Deixe muito claro que sua critica se dirige ao ponto de vista expressado e não à pessoa. 
  3. O mesmo vale para citação de nomes de instituições e seus representantes. O respeito a nomes pessoais e instituições é mais alta manifestação de caridade que se pode ter em um debate e os que se dizem e pretendam ser espíritas nunca devem se esquecer disso;
  4. Evite perder tempo e palavras esmiuçando os pontos negativos da crítica opositora. Seja assim breve na descrição do ponto de vista contrário, usando mais síntese nesse exercício de exposição do contrário e a análise profunda daquilo que você pensa, sem degenerar em proselitismo;
  5. Lembre-se sempre que 'se você estivar errado, o problema é seu, se outro estiver errado, o problema é dele', logo, é logicamente inútil o exacerbamento de ânimos e a degeneração do debate na forma de ofensas e ataques pessoais; 
  6. Lembre-se que mecanismos de busca (Google etc) classificam páginas da web conforme o número de citações (referências ou links). Assim, se você cita demais um adversário ou crítico, você está, de certa forma, contribuindo para divulgação das ideias dele, pois o mecanismo de busca não tem como diferenciar entre os links positivos dos negativos (isso vale também para citações no ambiente acadêmico, um artigo científico pode ser muito citado porque é muito criticado...);
  7. Procure fundamentar sua crítica segundo os princípios em que acredita. De novo, ataque apenas ideias e nunca quaisquer tipo de referências pessoais. A crítica aos princípios defendidos do opositor (que pode ser descrito com suas próprias palavras) é fundamento da boa crítica. Uma boa crítica não apenas convence os que a acompanham, mas também sobrevive ao teste do tempo.
  8. Assim, ao exercer a crítica, escreva também para o futuro, ou seja, para aqueles que ainda virão e que, certamente, aproveitarão dos seus escritos no futuro sem perder tempo no detalhamento de fatos relacionados à pessoa ou autor criticado. No longo prazo, todos teremos partido e apenas suas ideias terão alguma chance de permanecerem na Terra.

Conclusão

É preciso entender que ainda por muito tempo teremos que conviver com a necessidade de crítica. O exercício da crítica nasceu, do ponto de vista evolucionista, do instinto de preservação de território necessário na luta pela sobrevivência. Essa necessidade evoluiu para abarcar tudo o que o indivíduo pode tomar posse em sua existência: desde família e bens materiais até o seu próprio ponto de vista.

O Espiritismo é uma doutrina criticável porque afirma alguma coisa sobre o mundo. É impossível desempenhar esse papel e estar imune a pontos de vista contrários. Por isso, o espírita tem a obrigação moral de atuar de forma respeitosa em todo debate sobre princípios que afirme acreditar e onde ele é chamado a dar sua opinião. O fundamentalismo que grassa em muitas religiões ortodoxas é consequência de falha grave em compreender os princípios de liberdade e por certo sentimento de fragilidade e ameaça que seus crentes têm em relação aquilo que acreditam. Quem realmente tem convicção de seus princípios jamais poderá se irritar ou se sentir ofendido pelos que lhes são contrários.

Temos em Allan Kardec um modelo a ser imitado (e não idolatrado) na geração da crítica aos adversários do Espiritismo. Não há diferenças grandes no exercício sadio dessa crítica entre adversários externos ou internos. As diferenças encontram-se em sutilezas de pensamento, falta de compreensão abrangente de princípios etc. Porém, o mesmo protocolo deve ser aplicado. O respeito à figura humana (uma derivação do princípio de caridade que é fundamento da crença espírita) deve ser sempre observados nos menores atos, pois a obrigação de maior compreensão e entendimento cabe ao verdadeiro espírita.

Referências e observações
  1. A parte 'filosófica' do Espiritismo é principalmente representada pela sua ética contida em 'O Evangelho Segundo o Espiritismo'.  
  2. Ver 'Revista Espírita' (abril de 1866). Referência IPEAK;

3 de outubro de 2011

Kardec sobre o Ceticismo.


"Se eu estiver errado, basta apenas um crítico." - Albert Einstein (Seu comentário à primeira edição do livro 'Hundert Autoren gegen Einstein', ou 100 autores contra Einstein, em 1931)

Reunimos aqui algumas citações de Allan Kardec sobre o ceticismo. Outras referências dele sobre o assunto podem ser encontradas nas diversas obras que formam a codificação. Como pioneiro no desbravamento dos princípios espiritualistas e sua verificação por meio de fenômenos considerados insólitos, Kardec enfrentou problemas que legiões de cientistas (metapsiquistas e, modernamente, parapsicólogos) iriam enfrentar quando a questão era defender e explicar de forma satisfatória a fenomenologia psíquica. E a luta que ele teve que enfrentar foi dupla: primeiro contra aqueles que negavam a realidade dos fenômenos, depois contra os que, os aceitando, propunham explicações ilógicas, em franca contradição com a multiplicidade de ocorrências e detalhes observados. 

É importante que se diga que Kardec nunca teve a pretensão, como muitas críticas procuraram mostrar ao longo dos anos, em ser árbitro da verdade:
Confessamos, sem constrangimento, nossa insuficiência quanto aos pontos para os quais não temos resposta. Assim, longe de repelir as objeções e as perguntas, nós as solicitamos (desde que não sejam ociosas e nem nos façam perder tempo com futilidades), pois constituem um meio de nos esclarecermos. (RS, 1858, p. 294).
Há limitações ao conhecimento espírita, isso é um fato que, ao invés de diminuir a importância da doutrina como se pode pensar inicialmente, a engrandece. De fato, o valor de uma teoria está na capacidade que ela tem em fornecer explicações elegantes para uma grande quantidade de fatos. Ora, uma vez que diga alguma coisa sobre o mundo, é igualmente certo que a teoria tem limites. Não é objetivo de uma ciência explicar todo e qualquer aspecto do mundo. Muitos críticos acreditam que o Espiritismo, enquanto uma visão do mundo, deveria fornecer respostas para tudo o que se observa nele. Isso não é verdade. A ciência da matéria também tem suas dificuldades para explicar determinados aspectos da Natureza. Isso é normal e esperado no processo de produzir conhecimento científico que diga alguma coisa sobre o mundo. Por outro lado, muitos críticos controem (e ainda o fazem) labirintos de hipóteses e explicações sem se preocupar em unificar conceitos e buscar uma causa ou origem comum para o que se observa. Para cada fenômeno, uma explicação diferente. Dito isso, é importante prestar atenção ao tipo de crítica :
É logica elementar que, para discutir uma coisa é preciso conhecê-la, visto que a opinião de um crítico só tem valor quando ele fala com perfeito conhecimento de causa. Só então a sua opinião, ainda que errônea, pode ser levada em consideração. Mas, que importância tem ela acerca de um assunto que ele ignora? O verdadeiro crítico deve dar provas, não somente de erudição, mas também de profundo saber com respeito ao objeto em exame, de julgamento são e de imparcialidade a toda prova, sem o que o primeiro menestrel que surgisse poderia arrogar-se ao direito de julgar Rossini e um iniciante em artes o de censurar Rafael. (RS, 1860, p. 269) 
As condições que Kardec aponta para caracterizar um crítico sério estão descritas acima e é instrutivo enumerá-las abaixo:
  1. Um crítico sério deve ter erudição. Por 'erudição' entende-se uma bagagem mínima de conhecimento a respeito do que se pretende criticar. É fácil ver porque essa condição é necessária;
  2. 'Profundo saber com respeito ao objeto em exame'. Esse 'profundo saber' distingue-se da mera 'erudição', pois essa última pode ser caracterizada apenas como quantidade de informação. Há uma diferença entre o saber verdadeiro e a mera informação. Estar informado a respeito de algo é muito diferente de saber porque esse algo existe, como ele ocorre, quais são as condições para que ele ocorra e assim por diante;
  3. 'Julgamento são e imparcialidade a toda prova'. Colocamos essas duas condições justas, pois a 'imparcialidade' é consequência do 'julgamento são'. O 'julgamento são' implica em saber manejar a lógica dentro de leis que são universalmente aceitas, embora essa capacidade possa ser apenas tacitamente apreendida (é fato que há pessoas que tem dificuldade em apreender a lógica em determinados assuntos, assim como há pessoas que tem dificuldade para matemática, outras para as artes e assim por diante).  Se um indivíduo tem dificuldades com raciocínio lógico, ele dificilmente será um bom crítico pois sua opinião, frequentemente, será parcial e tendenciosa. Ao se observar a presença de tendenciosismo e a parcialidade, toda a crítica está comprometida, pois coexistem 'interesses escusos' ou implícitos que o crítico, se for honesto, deverá declarar. 
Tais características que fazem parte de um 'crítico de primeira linha', manifestam-se na maneira como a crítica é desenvolvida. É comum observar-se ataques dirigidos a determinados pontos da doutrina por pessoas  reconhecidamente iniciantes no assunto. Mas isso não ocorre apenas com o Espiritismo. Em toda e qualquer área do conhecimento onde se tem uma teoria ou escola que diga algo positivo a respeito do mundo que nos cerca, é possível apreciar esse fenômeno social, o de detratores despreparados e desesperados em refutar e combater (2). O antigo provérbio português, "só se atiram pedras em árvores que dão frutos," sempre deve ser lembrado. Qual é a causa desse fenômeno? Acreditamos que seja uma tentativa de reafirmação pessoal que pode se manifestar em massa, no coletivo, mas isso nos leva a um assunto que foge ao escopo desse post. Desta forma, a polêmica é consequência do tipo de discussão, que é gerada dependendo da qualidade da crítica. E, sobre isso, explica Kardec:
"Mas há polêmica e polêmica. Existe aquela ante a qual jamais recuaremos: é a discussão séria dos princípios que professamos. Todavia, mesmo nesse caso, faz-se preciso uma distinção: se se trata apenas de ataques gerais dirigidos contra a doutrina, sem outro fim que o de criticar, e feitas por pessoas arraigadas em rejeitar tudo quanto não compreendem, nada disso merecerá a nossa atenção; o terreno que o Espiritismo ganha a cada dia é resposta suficientemente peremptória e prova de que seus sarcasmos não tem produzido efeito." (RS, 1858, p. 293)
Da mesma forma como se pode descrever detalhes sobre o tipo de crítica, existem diferentes tipos de discussões ou 'polêmicas' como Kardec descreve acima. Em particular, deve-se manter distância de polêmica feita por indivíduos 'arraigados em rejeitar tudo quanto não compreendem'. É fácil entender a razão disso diante das características já enumeradas acima. O que fazer então? Kardec recomenda:
"Deixando aos nossos contraditores o triste privilégio das injúrias e das alusões ofensivas, não os seguiremos no terreno de uma controvérsia sem objetivo; dizemos sem objetivo, porque ela não os conduziria à convicção, sendo perda de tempo discutir com pessoas que desconhecem as primícias do que falam. Só nos cabe dizer-lhes: estudai primeiro, e veremos em seguida. Temos outras coisas a fazer do que falar àqueles que não querem ouvir. Por outro lado, que importa, afinal a opinião contrária de tal ou qual pessoa? Será essa opinião de tão grande importância que possa entravar a marcha natural das coisas? As maiores descobertas encontraram os mais rudes adversários, o que não as fez perecer. Deixamos, pois, a incredulidade murmurar em torno de nós, e nada os desviará da rota que nos é traçada pela gravidade mesma do assunto em pauta." (RS, 1860, p. 1)
No comentário acima, Kardec de forma lógica recomenda o silêncio contra determinados tipos de crítica. Fazem parte delas, as que surgem naturalmente de vários tipos de ceticismo, tanto aqueles que se põem contra os fenômenos como os que se colocam contra a teoria. Tal como no exemplo citado sobre a Teoria da Relatividade (1), Kardec chama a atenção ao fato de muitos princípios inovadores não terem sido afirmados senão depois de muitas discussões. Entretanto, muitos críticos podem seguir um caminho ainda mais extravagante. Sobre isso também escreveu Kardec:
Cremos que, em certos casos, o silêncio é a melhor resposta. Há, por outro lado, um gênero de polêmica que nos impomos a norma de abster-nos: é a que pode degenerar em personalismos. Ela não só nos repugna, como nos tomaria um tempo que podemos empregar mais utilmente, além do que seria bem pouco interessante para os nossos leitores, que assinam o jornal para se instruírem e não para ouvir diatribes(2) mais ou menos espirituosas. Ora, uma vez embrenhados nesse caminho, dele seria difícil sair; eis porque preferimos ai não entrar, e julgamos que assim o Espiritismo só terá a ganhar em dignidade. (RS, 1858,p. 293)
Uma 'polêmica personalista' é um debate cujo objetivo implícito é a disputa pessoal buscada por alguns dos polemistas. Aqui estão em jogo forças que distanciam muito o debate de qualquer tipo de discussão equilibrada e imparcial. De fato, não pode haver imparcialidade onde se busque determinados tipos de ganhos (que podemos considerar 'morais', em contraposição a ganhos materiais ou pecuniários). O gosto de se sentir apreciado e vencido em um debate é recompensa considerada de alto preço, que sempre ocorreu em vários setores da sociedade. Infelizmente também reconhecemos que muitos espíritas e mesmo alguns setores do movimento espírita endossam esse tipo de discussão contra a qual Kardec colocou-se já em 1858. E isso por uma boa razão: por se tratar simplesmente de perda de tempo. Tal como qualquer outro recurso, o tempo também é um bem que devemos considerar diante de determinados tipos de ganho, lembrando ainda que o tempo é recurso irreversível: uma vez perdido, é impossível recuperá-lo.  Kardec reconhece ser muito difícil sair desse tipo de caminho porque ninguém quer se sentir vencido, ainda que a discussão tenha objetivo  intangíveis e de pouquíssima importância.

O julgamento da História

Que é feito hoje da memória dos que criticaram Kardec na sua época? Tentamos nos lembrar de alguns nomes do passado. Para ajudar o leitor, listamos alguns desses nomes nas notas de Apêndice deste post (3). Com essa nota, também rendemos nossa justa homenagem a eles.

O Ceticismo como um vício filosófico.

Finalmente, relembramos o que disse Kardec sobre o ceticismo exacerbado. Para ele ficou claro que ele se caracterizava mais como um vício filosófico, algo que nasce não só da falta de conhecimento, mas da falta de madureza intelectual:
Há céticos que negam até à evidência, nem milagres poderiam convencê-los. Há mesmo aqueles que ficariam bem desgostosos se fossem forçados a crer, porquanto seu amor-próprio sofreria com a confissão de que estavam enganados. Que responder a pessoas que por toda parte só vêem ilusão e charlatanismo? Nada; deve-se deixá-los tranquilas, a repetirem, enquanto quiserem, que nada viram e até mesmo que nada lhes pode ser mostrado. Ao lado desses céticos endurecidos, há os que querem ver a sua maneira; os que, firmados numa opinião, a esta tudo querem ajustar, não compreendendo existirem fenômenos que não podem sujeitar-se a sua vontade. Eles não sabem ou não querem adaptar-se às condições necessárias. (RS, 1858, p. 153)
Entre os críticos, há os que poderíamos chamar de 'analfabetos filosóficos' que parecem se enquadrar na classe de contraditores de que fala Kardec. Procuram eles ajustar tudo o que vêem a sua maneira muito particular de ver o mundo, não compreendem - ou não querem compreender - que existe uma realidade maior que não se deixa perceber da mesma forma que a 'realidade menor' de suas vidas particulares, que existem milhares de nuances e detalhes nos fenômenos da Natureza a requerer esforço e dedicação (as vezes de vidas inteiras) para que sejam compreendidos. Jamais negaremos a tais o direito de não acreditar, afinal é assim que vivem os homens, cada um segundo sua visão de mundo, mas seria justo que pudessem destruir fenômenos ou apagar a realidade tão só com efeitos de retórica? 

De qualquer forma, o efeito de suas palavras, ao contrário do que se pode imaginar, é fazer propaganda justamente dos princípios ou ideias que pretendem combater.

Referências


H. Israel, ed (1931). Hundert Autoren gegen Einstein. Leipzig: Voigtländer.
Z. Wantuil e F. Thiesen (1987), Allan Kardec - Pesquisa Bibliográfica e Ensaios de Interpretação.  Vol. II. Ed. FEB.

Notas de Apêndice

(1) Um exemplo clássico tirado da Física moderna é o da teoria da relatividade de Einstein. Para isso ver 'Críticas à teoria da Relatividade'. Poucos sabem que, ao longo de sua carreira como cientista, Einstein enfrentou uma crítica furiosa contra suas conclusões e teorias. Por que? Uma resposta razoável é porque a Relatividade possui respostas definitivas para os fenômenos que ela se propõe a explicar. Mas, igualmente possível é imaginar que muita gente invejou a notoriedade que Einstein adquiriu com o lançamento de sua teoria. Assim, não é difícil perceber porque muitos lançam críticas a médiuns modernos, que alcançaram notoriedade em vida. Há aqui muito mais que mera descrença.

(2) Diatribes: s.f. Crítica severa e mordaz; escrito ou discurso agressivo e injurioso.

(3) A lista abaixo traz alguns nomes de críticos e céticos do Espiritismo da época de Kardec (ano da crítica entre parênteses). Talvez o leitor possa se lembrar de alguns deles. A referência principal de onde tiramos tais nomes é Z. Wantuil e F. Thiesen (1987).

Pe. François Chesnel (1859);
Dr. Jobert de Lamballe (1859);
Sr. Oscar Comettant (1859);
Dr. Louis Figuier (1860);
Sr. George Gandy (1860);
Sr. Émile Deschanel (1860);
Dr. Armand Trousseau (1862);
Pe. Lapeyre (1862);
Pe. P. Nampon (1863);
Sr. Robin (1863);
Pe. A. Barricand (1864);
Mons. Pantaleón Monserra Y Navarro (1864);
Sr. Rewile (1865);
Sr. Jules Claretie (1866);
Pe. Poussin (1868);