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2 de novembro de 2012

O exercício da crítica sadia aos adversários do Espiritismo.

O conjunto de princípios ou fundamentos que formam a base para a doutrina que veio a ser conhecida como espírita é um conjunto de afirmações audaciosas sobre o mundo e nosso papel nele. Muitos desses princípios fizeram ou fazem parte de antigas tradições religiosas (como é o caso da reencarnação). Outros são mais novos e fornecem respostas lógicas e harmônica para velhas questões como: quem somo nós, de onde viemos e para onde vamos.  

Uma vez que a Doutrina Espírita é conhecimento que afirma algo categórico a respeito do mundo e sobre nossa real posição e importância nele, ela está bastante sujeita a críticas das mais variadas origens e interesses. De grupos religiosos que têm posição fundamentalista, até ultra céticos militantes do niilismo existencial (contra o qual o Espiritismo é notoriamente contrário), há muitos interesses que fazem oposição aos princípios espíritas. De novo, isso é bastante natural, afinal o Espiritismo afirma alguma coisa positiva sobre o mundo e tem utilidade reconhecida.  

Adeptos suficientemente esclarecidos a respeito dos princípios espíritas também devem estar cientes das responsabilidades morais que recaem sobre aqueles que apenas dizem seguir seus princípios.  É absolutamente impossível ser espírita (dizer-se espírita é outra coisa) sem levar em consideração o subconjunto de princípios que forma sua ética (ref 1). Assim, qualquer crítica que seja dirigida aos adversários do Espiritismo, por mais correta e isenta de erros que seja, jamais poderá ser exercida de forma a não observar esses princípios éticos, sob pena de ser uma atividade vazia e prejudicial às verdades que ela pretende defender. 

Para convencer adeptos disso, não bastariam palavras. Quis o destino e a  Providência que fosse fornecido  um exemplo: Allan Kardec. Nele temos, portanto, o modelo a ser seguido, muito mais que um manual de procedimentos que se interprete conforme interesses particulares. Podemos analisar alguns trechos para conhecer um pouco a maneira como ele exerceu essa crítica, a fim de que possamos inferir um modelo de "protocolo kardequiano" para construção de uma crítica aos antiespíritas que esteja de acordo com os princípios do Espiritismo.

Um exemplo.

Na 'Revista Espírita' de Abril de 1866 há um artigo de A. Kardec sobre um tema recorrente que já era comum à época: 'O Espiritismo sem Espíritos'. Esse texto em particular fornece vários trechos sobre como Kardec exercia sua crítica a tendências e opiniões internas ao movimento. Os mesmos princípios devem valer para as críticas que se pode fazer ao que é externo ao Espiritismo. Logo no primeiro parágrafo está escrito:
Ultimamente vimos uma seita tentar se formar, arvorando como bandeira a negação da prece. Acolhida inicialmente por um sentimento geral de reprovação, não vingou. Os homens e os Espíritos se uniram para repelir uma doutrina que era, ao mesmo tempo, uma ingratidão e uma revolta contra a Providência. (ref 2)
Observe que não há nomes ou referências pessoais nesse parágrafo, a ponto de hoje não termos ideia sobre os atores que representavam essa corrente de pensamento na época. Kardec designa a tendência sobre o nome geral de 'seita' e declara seu princípio: a negação da prece. Ele então discorre de forma resumida sobre as consequências conhecidas dessa postura, a partir de argumentação que usa os próprios princípios que esposa (um movimento que se diz espírita e que negue a eficácia ou necessidade da prece vai contra a existência da Providência Divina). Kardec cria então a oportunidade para criticar outra instância diferente de movimento:
Eis agora uma outra que se ensaia num novo terreno. Tem por divisa: Nada de comunicações dos Espíritos. É muito singular que esta opinião seja preconizada por alguns daqueles que outrora exaltavam a importância e a sublimidade dos ensinamentos espíritas e que se gloriavam do que eles próprios recebiam como médiuns. Terá ela mais chance de sucesso que a precedente? É isto que vamos examinar em poucas palavras. (ref. 2)
O grifo é de A. Kardec. Ele então se propõe uma simples questão que é analisada no que segue através de um conjunto de princípios e o autor não perde tempo exacerbando os pontos negativos do que pretende criticar. Esse preocupação em invocar os princípios e medir as consequências da adoção de uma determinada postura em detrimento de outra (é como se fizéssemos uma 'simulação' de caso, vamos assumir que isso seja válido e examinar as consequências) caracteriza uma crítica positiva. Com ela aprende-se muita coisa e não apenas porque isso ou aquilo é um equívoco.  

Algumas recomendações para um debate fraterno e sadio

Preliminares (lembre-se e verifique antes):
  • Procure conhecer se o adversário tem mesmo interesse em um debate fraterno sobre determinado tema. Um debate fraterno é aquele cujo principal objetivo é o ganho de conhecimento por ambas as partes envolvidas na discussão;
  • Na maior parte das vezes, esse debate dificilmente será exercido sem nenhum tipo de 'ganho moral' . Por isso, evite discussões desnecessárias com pessoas que claramente buscam atenção para seus próprios pontos de vista. Frequentemente, essas pessoas querem atenção e reconhecimento e fazem isso criticando os outros na esperança que esses lhes dirijam a atenção, mesmo que contrária aos seus próprios pontos de vista;
  • Evite discutir com pessoas que usam exclusivamente a autoridade alheia para defender seus pontos de vista sobre determinado tema. Em geral, invocam nomes meritórios ou escoram-se em trabalhos de outros. Fazem isso muitas vezes de forma distorcida. Quem critica tem a obrigação de conhecer em profundidade aquilo que critica e não está autorizado a usar a invocar a autoridade alheia para se dispensar desse conhecimento;
  • Evite discussões que se tornam fatalmente estéreis com aqueles que claramente demonstrem desprezo ou total aversão aos princípios que você defende. Podemos chamar isso de condição para estabelecimento de um 'diálogo entre surdos', porque os debatedores falam muito e escutam pouco ou quase nada;
  • Por mais diferente que seja o ponto de vista expressado por um adversário, tanto ele como você estão sujeitos as mesmas leis Universais que, de há muito, estabelecem e regem o relacionamento e o futuro, e que nenhum ponto de vista ou opinião poderá modificar isso;
  • É possível que um opositor ferrenho ao seu ponto de vista seja um excelente amigo. Às vezes aqueles que mais comungam conosco o ponto de vista são os que menos temos afinidades. Posicionamentos  intelectuais nada tem a ver com relacionamentos pessoais;
Algumas recomendações mais específicas:
  1. Jamais cite textualmente nomes de pessoas envolvidas em críticas. A citação de nomes tem dois inconvenientes: i) faz com que a crítica se ligue fortemente à pessoa (isso é, potencialmente é criada uma situação em que se possa criticar a pessoa e não o que essa pessoa acredita, o que é bem diferente); ii) a citação ou uso de nomes em textos na internet jamais poderá ser totalmente desfeita;
  2. Se a citação do nome for absolutamente necessária, faça isso de forma fraterna e respeitosa. Procure ressaltar o lado positivo do adversário (ele sempre existe). Deixe muito claro que sua critica se dirige ao ponto de vista expressado e não à pessoa. 
  3. O mesmo vale para citação de nomes de instituições e seus representantes. O respeito a nomes pessoais e instituições é mais alta manifestação de caridade que se pode ter em um debate e os que se dizem e pretendam ser espíritas nunca devem se esquecer disso;
  4. Evite perder tempo e palavras esmiuçando os pontos negativos da crítica opositora. Seja assim breve na descrição do ponto de vista contrário, usando mais síntese nesse exercício de exposição do contrário e a análise profunda daquilo que você pensa, sem degenerar em proselitismo;
  5. Lembre-se sempre que 'se você estivar errado, o problema é seu, se outro estiver errado, o problema é dele', logo, é logicamente inútil o exacerbamento de ânimos e a degeneração do debate na forma de ofensas e ataques pessoais; 
  6. Lembre-se que mecanismos de busca (Google etc) classificam páginas da web conforme o número de citações (referências ou links). Assim, se você cita demais um adversário ou crítico, você está, de certa forma, contribuindo para divulgação das ideias dele, pois o mecanismo de busca não tem como diferenciar entre os links positivos dos negativos (isso vale também para citações no ambiente acadêmico, um artigo científico pode ser muito citado porque é muito criticado...);
  7. Procure fundamentar sua crítica segundo os princípios em que acredita. De novo, ataque apenas ideias e nunca quaisquer tipo de referências pessoais. A crítica aos princípios defendidos do opositor (que pode ser descrito com suas próprias palavras) é fundamento da boa crítica. Uma boa crítica não apenas convence os que a acompanham, mas também sobrevive ao teste do tempo.
  8. Assim, ao exercer a crítica, escreva também para o futuro, ou seja, para aqueles que ainda virão e que, certamente, aproveitarão dos seus escritos no futuro sem perder tempo no detalhamento de fatos relacionados à pessoa ou autor criticado. No longo prazo, todos teremos partido e apenas suas ideias terão alguma chance de permanecerem na Terra.

Conclusão

É preciso entender que ainda por muito tempo teremos que conviver com a necessidade de crítica. O exercício da crítica nasceu, do ponto de vista evolucionista, do instinto de preservação de território necessário na luta pela sobrevivência. Essa necessidade evoluiu para abarcar tudo o que o indivíduo pode tomar posse em sua existência: desde família e bens materiais até o seu próprio ponto de vista.

O Espiritismo é uma doutrina criticável porque afirma alguma coisa sobre o mundo. É impossível desempenhar esse papel e estar imune a pontos de vista contrários. Por isso, o espírita tem a obrigação moral de atuar de forma respeitosa em todo debate sobre princípios que afirme acreditar e onde ele é chamado a dar sua opinião. O fundamentalismo que grassa em muitas religiões ortodoxas é consequência de falha grave em compreender os princípios de liberdade e por certo sentimento de fragilidade e ameaça que seus crentes têm em relação aquilo que acreditam. Quem realmente tem convicção de seus princípios jamais poderá se irritar ou se sentir ofendido pelos que lhes são contrários.

Temos em Allan Kardec um modelo a ser imitado (e não idolatrado) na geração da crítica aos adversários do Espiritismo. Não há diferenças grandes no exercício sadio dessa crítica entre adversários externos ou internos. As diferenças encontram-se em sutilezas de pensamento, falta de compreensão abrangente de princípios etc. Porém, o mesmo protocolo deve ser aplicado. O respeito à figura humana (uma derivação do princípio de caridade que é fundamento da crença espírita) deve ser sempre observados nos menores atos, pois a obrigação de maior compreensão e entendimento cabe ao verdadeiro espírita.

Referências e observações
  1. A parte 'filosófica' do Espiritismo é principalmente representada pela sua ética contida em 'O Evangelho Segundo o Espiritismo'.  
  2. Ver 'Revista Espírita' (abril de 1866). Referência IPEAK;

26 de fevereiro de 2011

Crenças Céticas XII - Tomando carona no ceticismo: Críticas ao 'Espiritismo' em Ateus.net


Vamos agora analisar alguns textos utilizando as discussões que apresentamos anteriormente sobre as crenças céticas. Com isso, fornecemos alguns fatos, como exemplos interessantes, que confirmam nossas exposições sobre o ponto de vista cético.

Nosso objetivo aqui não é discutir as crenças do ateísmo, mas fazer alguns comentários em torno de um artigo que pretende levantar críticas contra o Espiritismo, notadamente sobre a relação desse com as disciplinas acadêmicas. O artigo intitulado 'Espiritismo, Ciência e Lógica' é longo, mas uma síntese do pensamento do autor desse texto pode ser compreendida lendo-se a comparação que ele faz através de um quadro entre suas noções de 'Ciência' e de 'Espiritismo'. Esse quadro está mais ou menos no meio do artigo, e passamos a discuti-lo abaixo.

Um pouco antes desse quadro pode-se ler:

E o Espiritismo nessas mudanças? O fosso entre as metodologias da “ciência espírita” e as demais “ciências” do mundo material foi progressivamente aumentando.

Por 'mudanças' aqui, o autor entende as revoluções da física moderna que levaram a uma noção diferente do mundo em comparação aos critérios e interpretações da física chamada 'clássica'. Ele afirma que existe um 'fosso' entre as  'ciências do mundo material' e o 'Espiritismo'. Vejamos os pontos principais de sua argumentação, analisando o quadro comparativo que o autor coloca como argumentos a favor da existência de tal 'fosso':

"Ciência"

1) Comum novas gerações de cientistas refutarem trabalhos anteriores. Aversão a critérios de “autoridade”.

Aqui a palavra 'refutar' está sendo empregada de forma pouco precisa. Alguém já ouviu falar em 'refutação' dos trabalhos de Newton, Einstein, Maxwell? Será que 'Einstein refutou Newton'? Será que 'Maxwell foi refutado pela teoria dos campos'? Será que a Mecânica Quântica refutou a mecânica clássica?   Existem casos históricos de teorias - que eram as preferidas dos acadêmicos - terem sido suplantadas por outras. Um exemplo interessante foi a teoria do flogisto (antes dos desenvolvimentos da termodinâmica na Física), ou a teoria dos continentes fixos (na Geologia), suplantada pela tectônica de placas. Na Física, as teorias clássicas podem ser derivadas das teorias não-clássicas (ex., relatividade e mecânica quântica) a partir de determinados limites.  A tese de 'refutação' não se defende muito bem.

Também, a observação em análise demonstra conhecimento idealizado do mundo acadêmico: com relação à aversão aos 'critérios de autoridade', isso é um mito que corre entre cientistas. Todos sabem que um artigo científico receberá tratamento muito diferente se for publicado por um estudante (ou autor desconhecido) ou um prêmio Nobel, ainda que tenha o mesmo conteúdo. A autoridade se constrói no conceito: o 'nome' (número de artigos, citações, impacto etc). Ele conta muito e se correlaciona fortemente com quanto um pesquisador ou grupo de pesquisadores irá receber do governo ou de seus financiadores para a realização de pesquisa. Essa é a razão porque cientistas procuram sempre ter seus currículos atualizados com novas publicações e alunos. 

2) Obras de grandes mestres (Principia Mathematica, Origem das Espécies, etc.) ainda lidas como referência, fontes de valor histórico e como uma forma de adentrar no raciocínio do autor. Os estudantes, porém, usam bibliografia recente, expandida e corrigida.

É verdade, e, frequentemente, se acham erros de interpretação imperdoáveis em tais 'bibliografias recentes, expandidas e corrigidas' para tristeza dos estudantes (Campanario, 2006; Hubizs, 2003). Qualquer pesquisador sério sabe que não há nada melhor do que uma consulta aos autores originais para se encontrar os princípios que fundamentam as diversas teorias de sua ciência.

3) A lógica é usada como ferramenta apenas. O raciocínio precisa estar corroborado em evidências

Somos também brindados com essa preciosa observação: 

"Kardec depositava fichas demais na lógica. Ela é importante sem dúvida e tê-la é um requisito mínimo. Mas quem a estuda não demora a descobrir que ela não tem tanto poder assim como dizem."
Ao longo do texto, seu autor confunde a validade de pressupostos de uma argumentação lógica com a própria argumentação lógica. Não só Kardec, mas toda a comunidade de cientistas deposita fichas demais na lógica porque não existe outro método de raciocínio disponível.

4) O bom senso e a experiência usual nem sempre são seguidos (Relatividade e Mecânica Quântica que o digam. Idem para a “ação à distância” de Newton). Opta-se por soluções pragmáticas, ainda que esdrúxulas.

O autor diz que a 'Ciência opta por soluções esdrúxulas' e que isso é o resultado da Ciência se afastar do 'bom senso' e da 'experiência'.  Para quem compreende bem os fundamentos da Mecânica Quântica, ou da Relatividade sabe que essas teorias da Física estão estruturadas de forma lógica - sim a mesma lógica que o autor disse que 'não tem tanto poder assim como dizem'. Sob determinadas interpretações particulares, esses ciências podem revelar aspectos do Universo e do mundo que não estão de acordo com a experiência comum do dia-a-dia dos humanos. 

5) Há grande discussão em torno da filosofia da ciência quanto à questão da melhor metodologia para o estabelecimento de novos conhecimentos (refutabilidade, crise de paradigmas, etc.).

A Epistemologia é uma área acadêmica da filosofia. Entretanto, não existe consenso entre especialistas da área sobre o impacto dos estudos da epistemologia nas ciências. Na verdade, há quem defenda que estudos da Epistemologia não tem serventia na Ciência (Holton, 1984). Embora seja altamente positivo que estudantes das ciências se debrucem também sobre esse ramo da filosofia, sabe-se que a Epistemologia não é matéria obrigatória nos currículos da Física, Biologia, Química etc. Prefere-se não perder tempo com o assunto, embora sua aparente relevância para o desenvolvimento da Ciência.

6) Teorias inverificáveis, mas belas, são postas de lado.

Aqui,o que se entende por 'belas teorias'? Pois 'beleza' não é algo intrínseco do objeto admirado, depende também de quem admira. Uma teoria que é bela para um cientista pode não ser para outro. Exemplos dessa situação existem muitos na história da ciência. A teoria do movimento da Terra era insustentável para os defensores da Terra fixa e vice-versa.

Que exemplo que se pode dar de uma teoria inverificável? Como podemos saber que uma teoria é inverificável hoje diante dos avanços da tecnologia? Toda teoria é construída sobre algum fundamento empírico, entretanto, muitas teorias poderosas foram propostas bem antes de se registrar qualquer evento ou fenômeno que a suportasse.

7) Apropriações entre ramos da ciência (malthusianismo no darwinismo, biologia na sociologia – darwinismo social, eugenia) hoje são vistas com reservas. 

Talvez o mais apropriado aqui fosse dizer 'integração' e não 'apropriações'. De qualquer forma, a frase parece conferir status de ciência ao Darwnismo Social e a Eugenia. Talvez o objetivo seja dizer que determinadas interpretações ou extrapolações a partir de teorias científicas não mais são aceitas facilmente: o darwinismo social e a eugenia da biologia, o malthusianismo do darwinismo. A sociologia é uma teoria independente da biologia. 

8) Ciências que não têm acesso direto ao seu objeto de estudo (astronomia, história, etc.) lançam mão da análise indireta dos efeitos que chegam até nós. (espectro de luz, documentos históricos). 

Entretanto, porque ateus, céticos e materialistas exigem 'provas objetivas e repetitivas' dos fenômenos psíquicos? Por que a ênfase no 'rigor' e na 'objetividade'? A imensa maioria dos fenômenos chamados 'paranormais' não é acessível aos sentidos. Kardec foi a primeira pessoa a reconhecer as manifestações do Espíritos só podem ser acessadas indiretamente. 

9) Orações, Meditação e estados alterados de consciência são passíveis de estudo, mas isso não significa que seja verdade aquilo que seus praticantes dizem. 

Alguns estudos acadêmicos estrangeiros apontam para algo diferente, anômalo ou peculiar nos seres humanso: sua origem e natureza espiritual. Obviamente, todo cientista é livre para pesquisar o que bem entender, as limitações que se impõem vem da falta de recursos financeiros,  tempo (que é conseqüência da falta de recursos) ou capacidade intelectual.

A frase faz transparecer que a Ciência (no sentido de comunidade acadêmica) tem preconceito com relação a certas fontes de conhecimento. Mesmo assim, essa opinião contrasta com a de pesquisadores sérios em Parapsicologia que, frequentemente, reportam o que seus 'sujets' sentem (como informação importante), sem falar nos pesquisadores de experiência de quase morte. Infelizmente ainda não se desenvolveram métodos não humanos de se acessar as realidades do pós vida ou mesmo para praticar uma simples telepatia.

10) Não faz afirmações morais. Descobertas podem, inclusive, entrar em choque com a moral vigente. 

O objetivo das ciências naturais não é mesmo fazer afirmações morais. Mas isso não pode ser contado como uma virtude como a observação parece sugerir. O mais correto é dizer que as ciências naturais são neutras. De outra forma, aplicações tecnológicas (derivadas das descobertas científicas) podem tanto ser usadas para o bem como para o mal (Exemplos: avanços da genética, pesquisas nucleares etc).

"Espiritismo"

1) Medo de se distanciar da ortodoxia kardequiana. Culto à autoridade contido no espírito da Verdade ou Kardec. Há exceções, óbvio.

O culto à ortodoxia é o que mais se vê no ambiente acadêmico. Mais uma vez, a frase deixa transparecer conhecimento superficial do mundo acadêmico - que é o ambiente onde as ciências acadêmicas são 'produzidas'. Confunde-se repetidamente 'ciência' (teoria, hipótese, conhecimento) com o movimento humano que a produz. Assim confunde-se igualmente 'Espiritismo' com 'Movimento Espírita' tanto quanto 'ciência acadêmica' com 'academia'. 

O que na frase é chamado de 'culto' é o que ocorre em qualquer ambiente humano, que, no caso da Ciência, tem como objetivo proteger suas teorias contra revisões ou alterações mal intencionadas. Um cientista defende uma boa teoria com o mesmo zelo que um fazendeiro sua propriedade, e não há o que se achar estranho nisso. Pelo contrário, o oposto seria algo bastante inexplicável.

2) Livros de Kardec ainda utilizados sem alterações, mesmo no que há de errado. Notas de rodapé corrigem alguns erros.

Imaginemos uma situação hipotética: uma nova edição do 'Principia' de Newton sendo lançada repleta de 'revisões' e 'correções' a partir da relatividade restrita e geral. Imaginemos que os livros editados por Mawxell, Newton, Galileu, Boltzmann e outros grandes físicos fossem relançados com revisões completas - não notas de rodapé. Imagine lançar o livro fundamental de Charles Darwin em uma edição totalmente revisada conforme as novas descobertas da genética.

As obras dos pesquisadores pioneiros (em todas as áreas do conhecimento) representam um manancial de conhecimentos originais, onde se podem encontrar os princípios ou fundamentos das ideias e teorias e, portanto, não são passíveis de revisão.

Há muitas coisas que ainda devem ser 'descobertas' nas obras de Kardec. Justamente por não se dar o devido valor a certas passagens, é que não se consegue construir uma teoria correta sobre muitos fenômenos considerados 'anômalos'. 

3) A lógica é utilizada como meio de prova ou refutação de hipóteses, não havendo verificação de se a natureza pensa igualmente.

Quem 'pensa' em matéria de criação e teste de hipóteses são os seres humanos. A Natureza não pensa, ela simplesmente é. Aqui aparece a mesma crítica à lógica que o autor do texto diz 'que não tem tanto poder como pensam' (ver item 3 em 'Ciência' acima).

4) O senso comum, ao lado da lógica, é superestimado.

Em boa parte dos desenvolvimentos da Ciência, o 'senso comum' é utilizado como sinônimo de 'razoabilidade', ou seja, é uma percepção humana que permite distinguir o que é razoável do que não é. O mesmo ocorre com a lógica. (Ver considerações do item 3 em 'Ciência').

5) O conhecimento espírita ainda é majoritariamente indutivo, baseado em moldes científicos do século XIX (positivismo). 

Se por 'positivismo' entendermos a necessidade de se fundamentar o conhecimento em fatos ou fenômenos naturais, é compreensível que o Espiritismo tenha caráter 'positivo' neste sentido. Afinal aquilo que Kardec descreve em 'O Livro dos Médiuns' não é invenção dele, mas constitui uma fenomenologia verificável. É necessário que seja assim, pois a base do conhecimento não pode ser a crença ou a invenção. Toda ciência - ainda que nascida como pura teoria - só se estabelece ao se conectar a uma classe de fenômenos observáveis (não necessariamente através sentidos humanos). A ciência moderna continua a ser positiva ou positivista nesse sentido. 

Entretanto, é falso considerar o desenvolvimento e fundamentação do Espiritismo em uma acepção particular do positivismo: aquela que crê que o mundo deve ser explicado a partir de entidades que sejam acessíveis apenas aos sentidos humanos. Um positivista nessa definição só acredita naquilo que os sentidos lhe apresentam. Kardec aceitou a existência dos Espíritos e de muitas outras coisas a partir de evidências indiretas (afinal Espíritos não podem ser vistos ou 'detectados' por nenhum tipo de equipamento.

6) Persiste a presença de hipóteses “ad hoc” inverificáveis para sustentar pontos nebulosos da doutrina. (ex: vida “invisível” em outros planetas) .

Se o plano invisível existe na Terra, porque não poderia existir em outros planetas? Por que esse privilégio? Há aqui interpretação limitada da noção dos 'mundos habitados' . Ela não se refere a planetas, mas a planos de existência. Ao exigir 'hipóteses verificáveis' o autor está sendo incongruente com sua crítica de Kardec - o de acusá-lo de 'positivista'.

6) Apropriações correntes são feitas sem garantia de que são válidas (ação e reação, noções de mecânica quântica, etc.)

É verdade. Há muitas pessoas que fazem uso de paradigmas de ciências bem estabelecidas como modelos de entidades de natureza espiritual. Isso não só no Brasil como no exterior onde, dizem, o Espiritismo de Kardec não existe. Há que se explicar porque isso ocorre nesse contexto (além da argumentação simples exposta pelo autor), demonstrando que isso não é característica da Doutrina Espírita. Para ver um exemplo recente do uso de noções de Física Quântica, consulte a revista Neuroquantology.

7) Pede um lugar “especial” entre as ciências por não ter acesso direto ao seu objeto de estudo (espíritos).

Aqui temo outra afirmação totalmente falsa. Por isso é importante distinguir entre a noção de  disciplina acadêmica (disciplina que tem corpo de pesquisadores, cátedra, laboratórios, verbas, corpo de edição com publicações sujeitas à avaliação por pares etc) com ciência ou conhecimento sobre o qual ela discorre. Toda vez que dizemos 'O Espiritismo é Ciência', não estamos a afirmar  que ele é uma disciplina acadêmica nesse sentido especial. Assim, a afirmação não é válida.

Ainda assim, é possível ver que os 'objetos da Natureza' descritos e utilizados pela Doutrina Espírita são entidades que têm sua existência no mundo em que vivemos. Se eles não são objeto de estudo das disciplinas acadêmicas, então quem os estudará?

8) Verdades podem ser extraídas de “estados alterados de consciência”, vulga mediunidade. Contudo, nenhuma proposta rigorosa para a separação do joio e do trigo foi apresentada. 

Será correto igualar 'estados alterados de consciência' com a mediunidade? Se definirmos estado de consciência normal como o estado mental durante a vigília, então, quando dormimos ocorre mediunidade? Se o estado de vigília e sono são estados normais de consciência, então alguém bêbado terá mediunidade?

As 'propostas rigorosas' passam todas pelo crivo neo-positivista tece longas críticas à existência da própria fenomenologia psíquica. Aqui vemos transparecer incoerência: a Ciência aceita 'explicações esdrúxulas' e evidências indiretas fugindo do 'bom senso', mas  as investigações na esfera psíquica ou espiritual deve passar por um 'crivo rigoroso'. 

8) Produz cartilhas de certo e errado. Eufemismos são usados para se alegar que “não é bem assim…” 

Fica difícil avaliar essa afirmação do autor de 'Espiritismo, Ciência e Lógica' se ele não deu nenhuma referência a quais são essas 'cartilhas'.

Existem maneiras mais sofisticadas e razoáveis de se defender o ateísmo. Está claro que o referido artigo não só é tendencioso em relação à Doutrina Espírita, mas constitui uma defesa precária do ateísmo, que merece nosso respeito como crença. 


Referências

J. M. Campanario, (2006), Using textbook errors to teach physics: examples of specific activities. Eur. J. Phys. 27, 975–981 doi:10.1088/0143-0807/27/4/028

G. Holton (1984), Do Scientists need a Philosophy?, Times Literary Supplement 2, 1232.

J. L. Hubisz, (2003), Middle school text don’t make the grade. Phys. Today 56, 50–4