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18 de março de 2012

O Espiritismo como forma de conhecimento (texto de Érico Bomfim)


Ao longo de nossos estudos no eradoespirito também podemos postar textos ou artigos originais de pessoas que tenham interesse em participar do blog. Este é um exemplo. Trata-se de um texto interessante para reflexão escrito por Érico Bomfim. Saiba mais sobre este autor no final do post. 

O Espiritismo se opõe frontalmente às tendências majoritárias da filosofia recente. Ao resgatar a sobrevivência da alma e a reencarnação, o Espiritismo é visto como uma verdadeira anomalia na história do pensamento; é visto como afinado com ideias antiquadas e primitivas, como sendo um aglomerado de velhas supertições. No entanto, como explica Kardec (2009a) “uma ideia não é supersticiosa senão porque ela é falsa; ela cessa de sê-lo desde o momento em que é reconhecida verdadeira. A questão, pois, é saber se há, ou não, manifestações de espíritos”.

É em razão de seu conteúdo, portanto, que o Espiritismo sofre ataques. Nunca em razão de sua forma. No entanto, os mais diversos conteúdos são examinados pelas ciências. Segue-se daí que não é o conteúdo que determina uma atividade humana como sendo uma ciência. É a forma. Explicamos.

Por forma, aqui, entendemos as estruturas de acordo com as quais constroem-se as diversas ciências, segundo a epistemologia contemporânea (ver Apêndice). Por conteúdo, entendemos o assunto abordado. Por exemplo, a Filosofia da Natureza, dos pré-socráticos, e as diversas ciências da natureza estudam, por vezes, os mesmos assuntos. No entanto, suas formas são diferentes. O nível de especulação na primeira é muito maior, porque o de observação é muito menor.

A observação restringe as teorias (muito mais do que as “comprova”). É por isso que confia-se muito mais nos postulados da astronomia do que nos da cosmologia pré-socrática. Pode-se dizer que a confiança que se tem na ciência se dá porque nela a observação dos fatos tende a não permitir que os equívocos se perpetuem. De fato, quando uma teoria está errada, espera-se que os fatos o mostrem.

O Espiritismo está para todos os sistemas metafísicos anteriores (religiosos ou filosóficos), assim como a astronomia está para a cosmologia pré-socrática. O Espiritismo é a primeira atividade humana a estudar o suprassensível pela forma científica. Todos os sistemas anteriores tinham um alto nível de especulação. A coisa é bastante simples: nunca antes houve uma ciência que perguntasse aos espíritos (após verificar sua existência* ) como é o seu mundo. É por fazer isso que os postulados espíritas gozam de tanta segurança. Negar o Espiritismo porque ele parece “anacrônico” ou “antiquado” seria como negar que o Sol é o centro do sistema solar porque Jesus não pode ter encarnado na periferia. Ora, se a Astronomia observa que o Sol está no centro do sistema solar, ele não se deslocará para satisfazer a um capricho cristão. Do mesmo modo, se os espíritos reencarnam e progridem, e se essas são leis do mundo espiritual, não deixarão de fazê-lo porque isso parece uma ideia ultrapassada. “A questão, pois, é saber se há, ou não, manifestações de espíritos”, porque, se houver, não deixará de haver porque são vistas como superstição. Mas ainda se fará uma objeção: será possível fazer ciência do que não se dá aos sentidos, mas está além desses; será possível fazer ciência do suprassensível?

A História, muitas vezes, nos fala de um passado do qual nós não tivemos a experiência e nem por isso deixa de ser ciência. A ninguém ocorre questionar que o Brasil se tornou independente de Portugal em 1822 por não poder vê-lo com seus próprios olhos. As manifestações espíritas equivalem aos documentos históricos, porque tanto as primeiras como os segundos nos pintam um mundo do qual nós não podemos ter conhecimento a não ser através deles.

Os críticos que unirem obstinação e ignorância extrema farão ainda um ataque final: “Como poderá haver ciência do sobrenatural, uma vez que este foge a quaisquer leis e regularidades, que são necessidades da atividade científica?” De fato, segundo Marilena Chaui (2010) a atitude científica “opera um desencantamento ou desenfeitiçamento do mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas e relações racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos a todos”.

Ora, todo aquele que está familiarizado com Kardec sabe que nada ilustraria melhor sua postura do que o trecho citado acima. Mas para os que ainda não o estão, deixemos que o próprio Kardec lhos mostre:
O Espiritismo repudia, no que lhe concerne, todo efeito maravilhoso, quer dizer, fora das leis da Naureza. Ele não faz nem milagres nem prodígios, mas explica, em virtude de uma lei, certos efeitos até hoje reputados como milagres e prodígios, e por isso mesmo demonstra sua possibilidade.(Kardec, 2009a) 
[O Espiritismo] diz e prova que os fenômenos sobre os quais se apoia não têm de sobrenatural senão a aparência. (…) Mas eles não são mais sobrenaturais que todos os fenômenos aos quais a Ciência hoje dá solução, e que pareceram maravilhosos numa outra época. Todos os fenômenos espíritas, sem exceção, são a consequência de leis gerais e nos revelam um dos poderes da Natureza, poder desconhecido, ou dizendo melhor, incompreendido até aqui, mas que a observação demonstra estar na ordem das coisas. (…) Aqueles que o atacam a esse respeito é porque não o conhecem(Kardec, 2009). 
O maravilhoso, expulso do domínio da materialidade pela ciência, entrincheirou-se no da espiritualidade, que foi o seu último refúgio. O Espiritismo, em demonstrando que o elemento espiritual é uma das forças vivas da Natureza, força incessantemente agindo concorrentemente com a força material, fez de novo entrar os fenômenos que dela ressaltam no círculo dos efeitos naturais, porque, como os outros, estão submetidos a leis. Se o maravilhoso foi expulso da espiritualidade, não tem mais razão de ser, e é então somente que se poderá dizer que passou o tempo dos milagres (Kardec, 2009b).
O Espiritismo, portanto, longe de se nutrir do sobrenatural, operou o desencantamento final do Universo.

Apêndice: alguns critérios para se avaliar uma teoria ou hipótese.

Aqui são expostos de maneira muito geral e extremamente simplificada alguns esboços dos critérios das principais teorias da filosofia da ciência contemporânea para se avaliar uma teoria ou hipótese:
  1. Popperiano: Para o filósofo da ciência Karl Popper, uma hipótese só é científica se for falsificável, isto é, apenas se houver algum fato que, se observado, a torne falsa. Uma hipótese que sabe-se de antemão que se encaixa em qualquer fato observável não é, portanto, tolerável na ciência. Por exemplo, se um criacionista diz que Deus forjou as provas da evolução para testar a nossa fé, é difícil imaginar qualquer fóssil ou qualquer prova da evolução que, se encontrado, convença-o de que sua hipótese é falsa. Ainda que se encontre um ancestral de uma espécie qualquer congelado e em perfeitas condições, o criacionista dirá que Deus criou aquela prova para testar a nossa fé. Não há qualquer fato que, se observado, torne a hipótese criacionista falsa, para um criacionista. Sua hipótese de que Deus criou as provas da evolução para testar a nossa fé se adapta a qualquer fato que se verifique, porque o criacionista alegará que Deus, sendo onipotente, pode ter criado qualquer prova da evolução, com aquele intuito de nos testar.
  2. Kuhniano: para o filósofo da ciência Thomas Kuhn, uma teoria resiste até que acumule anomalias, ou seja, fatos que ela não explica. Em outras palavras, quando observam-se diversos fatos que uma teoria não explica, essa teoria é substituída por outra em que os fatos se encaixem. A teoria em que os fatos se encaixam é parte de um paradigma estável, porque não acumulou anomalias.
  3. Lakatosiano: Para o filósofo da ciência Imre Lakatos, uma teoria é tão melhor quanto mais antecipa os fatos. Uma teoria que prevê os fatos, além de se adequar aos já observados, é considerada integrante de um programa de pesquisa progressivo. A teoria que faz previsões equivocadas e precisa de explicações adicionais para dizer por que errou, correndo assim atrás dos fatos, integra um programa de pesquisa degenerante.
(*) Não tratamos aqui das evidências da sobrevivência e da comunicabilidade dos espíritos. Este seria um assunto para muitos artigos.

Referências

Chaui M. (2010). “Convite à Filosofia”. Ed. Ática. São Paulo.
Chibeni S.. “O que é Ciência?”
Kardec A. (2009) . “O Livro dos Espíritos”. Ed. IDE. Araras, SP.
  • (2009a) “O que é o Espiritismo".  Ed. IDE, Araras, SP.
  • (2009b) “A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo”.  Ed. IDE, Araras, SP.

Sobre Érico Bomfim.

Nascido em 1991, no Rio de Janeiro e cursando (2012) o último ano de bacharelado em piano pela UFRJ.