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2 de novembro de 2020

Comentários a um trabalho recente sobre psicografias


Fazemos aqui alguns comentários ao trabalho recente de Freire et al "Testando a alegada escrita mediúnica: um estudo experimental controlado", apresentado na lista de referências como a Ref. [1] e citado em [1b]. Nosso objetivo é fazer uma apreciação inicial dele, sobre como seus resultados podem ser interpretados diante de eventuais críticas ou contra-críticas - tanto espíritas como céticas.

Resumo

Por ser bastante elucidativo como apresentação, traduzimos abaixo o resumo de [1]:

Contexto: a mediunidade é entendida como um tipo de experiência espiritual em que uma pessoal (isto é , um médium) diz estar em comunicação com, ou sob o controle de seres espirituais. Nas últimas décadas, ressurgiram estudos sobre aspectos psicológicos, psiquiátricos e neurocientíficos da mediunidade, assim como estudos avaliando alegações de que médiuns podem obter informação anômala de pessoas falecidas.

Objetivo: avaliar a evidência da recepção de informação anômala de pessoas falecidas em textos produzidos através da alegada mediunidade de escrita (cartas psicografadas) sob rigorosas condições eperimentais de controle.

Método: oito médiuns e 94 consulentes participaram no estudo. Dezoito sessões de escrita mediúnica foram realizadas usando consulentes organizados em protocolo duplo-cego. Depois, cada consulente recebeu uma carta alvo e cinco cartas de controle pareadas por gênero e idade. Os consulentes pontuaram às cegas a acurácia das seis cartas tanto com conforme uma escala global como para cada um dos itens objetivamente verificáveis de informação apresentada nas cartas. Pontuações de cartas de controle e tratamento foram comparadas. 

Resultados: não houve diferenças na avaliação global e adequação específica das pontuações entre cartas de controle e alvo. Os médiuns envolvidos na pesquisa não foram capazes de mostrar evidências de fornecer informação anômala sobre pessoas falecidas sob condições de controle rigoroso. Discutimos sobre o estabelecimento de um compromisso razoável entre condições ecologicamente válidas e de controle.  

​Não foram poucos as pesquisas desde a época de Kardec que provaram que a mediunidade "não existe" com base em resultados negativos de experimentos. Mas, cada nova negativa sempre foi pontuada por manifestações mais ou menos extraordinárias, obtidas em condições de "inexistência de controle" ou com médiuns igualmente extraordinários que são, entretanto, muito raros.  O consenso presente, envolvendo as chamadas "ciências psi" é de que não é possível reproduzir facilmente (leia-se "replicar à vontade") o fenômeno. De qualquer forma, não foi objetivo do trabalho [1] "provar" qualquer coisa em relação à realidade do fenômeno ou demonstrar sua inexistência.

A seção "Discussão" de [1] discorre sobre três possíveis causas para o resultado negativo: i) que a mediunidade não existe; ii) que os médiuns usados não são, de fato, (bons) médiuns para produzir  fenômeno e; iii) não observância das "condições ecológicas" da manifestação pelo uso das condições de controle rigoroso. Os autores de [1] tomam a maior parte do espaço da seção citada discutindo sobre tais condições ecológicas, e sobre a influência negativa da presença dos consulentes "representantes" (proxy sitters).

Os autores propõem ser desnecessário usar de tais representantes porque "não há realimentação imediata enquanto um médium está escrevendo uma carta psicográfica", ou seja, não ocorreria "cold reading" (leitura fria), supostamente existente em sessões em que médiuns, estando face a face com seus consulentes, "leem mensagens ocultas" nas expressões e gestos  desses últimos, o que permitiria aos primeiros escreverem sobre os parentes falecidos. 

Em síntese: o protocolo usado é uma exigência da teoria cética da leitura fria como causa da mediunidade. Obviamente que isso gerou consequências para o resultado da pesquisa.

O problema da replicabiliade de "psi"

No contexto da parapsicologia, fenômenos psíquicos são explicados pela chamada "hipótese psi". Psi é concebido como uma causa difusa e desconhecida, que é supostamente captada pela mente humana nos "sensitivos".  Alguns parapsicólogos associam faculdades praticamente oniscientes a psi, que pode acessar o passado, o presente e o futuro, e é independente da distância. 

Além disso, psi se comporta como um deus caprichoso: não é possível garantir que atuará da mesma forma em todos os experimentos em que supostamente atuou, nem mesmo se agirá de fato. No trabalho "Porque a maior parte das descobertas em psi são falsas: a crise da replicabilidade, o paradoxo de psi e o mito de Sísifo" [2],  T. Rabeyron explora e fornece uma descrição atualizada das principais interpretações e trabalhos sobre psi. 

O problema da replicabilidade é a tendência observada em estudos (não só em parapsicologia, mas em psicologia e em medicina) de um determinado efeito "deixar de ser observado" ao se tentar replicá-lo posteriormente. Uma das causas imaginadas para isso são as chamadas "práticas de pesquisa questionáveis" que existiriam nos trabalhos iniciais de um pesquisa e deixariam de existir - com o suposto efeito - em trabalhos aprimorados posteriores. 

Conforme analisado por Rabeyron, esse não é, entretanto, o problema de psi. Houve muitas tentativas de replicação em parapsicologia, algumas em que o fenômeno se manifestou, enquanto outras não. O problema parece se relacionar com uma interferência do "observador" (ou experimentador), porque psi supostamente também interage com ele. O experimento do artigo [1], se interpretado segundo psi, seria mais uma instância do problema da replicabilidade. A situação é tão grave que o autor de [2] conclui ser impossível, simplesmente por repetição exaustiva de experimentos (dai a referência ao "Mito de Sísifo"), demonstrar de forma satisfatória o efeito e nem sua causa:

O problema subjacente é que, mesmo se um efeito significativo seja encontrado a cada passo, não há como concluir nada sobre a natureza do efeito e, consequentemente, não há como se produzir conhecimento científico sobre a fonte de psi: ele provém dos participantes? Do experimentador? Ele tem origem em cada experimentador separadamente? Ou ele é uma influência mais forte do primeiro que analisa os dados? Ou, talvez, daquele que projetou o experimento? [2]
O "efeito do declínio" ou "desparecimento de "psi" é então entendido como um problema de replicabilidade genuíno devido à interação do experimento com o experimentador:  
Um experimento de psi é como um ovo onde a casca encerra um sistema organizado fechado. Pode ser possível manter o efeito psi desde que esse envólucro organizacional não seja rompido, isto é, desde que o ovo não seja quebrado para ver o que há dentro. Nessa interpretação, as interações de psi são possíveis desde que o observador não interfira no sistema. Uma vez feito isso, "o jogo acabou". Isso explicaria porque a fonte de psi não pode ser determinada precisamente porque o processo de determinação destruiria as condições necessárias para a emergência de psi. [2]

É importante reconhecer que, em nenhum momento, o trabalho [1] considera a hipótese "psi". Porém, para a comunidade científica em que ele se insere, o resultado podem ser interpretados em função da replicabilidade de psi (ou seja, fora da "hipótese da sobrevivência").

Apelo a Kardec

Numa época em que se fala tanto de Kardec nos meios espíritas (o que é muito bom), como ele procedia nesse tipo de pesquisa? Certamente, não usava o método de "grupo de controle e tratamento" para analisar mensagens psicografadas. Seu procedimento foi desenvolvido ao longo de 15 anos de investigações. Consistia essencialmente  na observação comparada do ambiente onde o fenômeno ocorria na presença de médiuns. Kardec sempre esteve ciente de que o fenômeno, para acontecer, depende de inúmeros detalhes e não apenas do(s) médiun(s). 

Sua advertência justificada em fatos é:

Os fenômenos espíritas diferem essencialmente dos das ciências exatas: não se produzem à vontade; é preciso que os colhamos de passagem; é observando muito e por muito tem­po que se descobre uma porção de provas que escapam à pri­meira vista, sobretudo, quando não se está familiarizado com as condições em que se pode encontrá-las, e ainda mais quando se vem com o espírito prevenido. (Grifos nossos) [3]
Ao longo de mais de uma década, Kardec desenvolveu uma espécie de intuição ou sensibilidade sobre quem seria um bom médium para cada tipo de mediunidade possível. Então, passou a convidar pessoas que ele julgava por essa intuição para as sessões da Sociedade Espírita. É óbvio que, dispondo de bons médiuns desde essa perspectiva e conhecendo as condições de ocorrência do fenômeno [3b], ele conseguiu resultados extraordinários. 

Finalmente, é importante ressaltar a postura de Kardec em suas pesquisas. Ele não considerava a sobrevivência como uma mera "hipótese de trabalho", nem buscou orientar seu trabalho de forma a ressaltar a comunicação com "supostos falecidos". O impacto que essa postura tem sobre o sucesso das manifestações ainda merece ser estudado.

Os médiuns julgados

Recomendamos vivamente ao leitor a leitura do artigo "Médiuns julgados" na Revue Spirite de janeiro de 1858 [4]. Nele Kardec analisa um caso de não replicabilidade obtida com médiuns americanos (ou seja, isso não acontece apenas com "médiuns brasileiros" como destacado em [1b]). Para não cansar nosso leitor, destacamos desse artigo um importante comentário de Kardec:
Essa experiência prova, uma vez mais, da parte de nossos adversários, a absoluta ignorância dos princípios sobre os quais repousam os fenômenos das manifestações espíritas. Entre eles há a idéia fixa de que tais fenômenos devem obedecer à vontade e reproduzir-se com a precisão de uma máquina. Esquecem completamente ou, melhor dizendo, não sabem que a causa deles é inteiramente moral e que as inteligências, que lhes são os agentes imediatos, não obedecem ao capricho de ninguém, sejam médiuns ou outras pessoas. Os Espíritos agem quando e na presença de quem lhes agrada; freqüentemente, quando menos se espera é que as manifestações ocorrem com mais vigor, e quando as solicitamos elas não se verificam. (Grifos nossos) [4]
Eis ai boa parte da razão para a não replicabilidade dos fenômenos psi dada por Kardec em 1858. O leitor deve notar que não estamos a falar nada novo, mas de algo que, logo nas primícias da Codificação, era conhecido. 

Essa descoberta original de Kardec confirma as conclusões do trabalho de Rabeyron [2], porque nunca se produzirá conhecimento sobre a verdadeira causa de psi enquanto não se souber exatamente o que ele é. E não há como saber o que ele é, pois, em grande parte dos experimentos "projetados" para isso, ele se recusa a manifestar...

Conclusão

Com relação ao trabalho [1] nossa conclusão, baseada na seção "Discussão", é que os autores consideram relevante o problema da manutenção das "condições ecológicas" para a replicação positiva do efeito buscado. Tais condições ecológicas concordam com a necessidade de observar ou medir o fenômeno onde ele ocorre, sem amarras metodológicas e sem impor condições que possam destruir a manifestação. Isso concorda com as conclusões de Kardec logo no início da Codificação.

O que então aconteceu? Pode ser que o resultado negativo não se deve à presença dos consulentes proxy (como grupo) sem força de vontade suficiente para permitir comunicação, mas à própria tentativa de forçar comunicações, o que não agradou aos responsáveis "do lado de lá". Pode ser também que alguém (uma única pessoa) tenha atuado como escolho ao experimento (ou várias pessoas). Dado a descrição que fazem dos médiuns (de que eles são considerados bons em relatos "anedóticos" de sessões), a ideia de que a culpa seria deles é mais remota. A "hipótese da sobrevivência" é um fundamento que gera inúmeras consequências: se há comunicação, pode não ser o caso que ela seja possível no intervalo de tempo projetado para o experimento: "é preciso que sejam colhidas de passagem", como diria Kardec.

Se existem problemas de percepção da excelência mediúnica em grupos espíritas no Brasil, eles não serão resolvidos pela aplicação da metodologia do trabalho comentado aqui. Como na época de Kardec, não será simplesmente pela separação entre grupos em "controle" e "tratamento" dos recipientes das mensagens que se resolverá esses problemas. 

Do ponto de vista epistemológico, um experimento é sempre um resultado de uma teoria que tem determinadas hipóteses subjacentes. É importante, entretanto, prever ou considerar o risco de que uma metodologia, baseada em hipóteses que não correspondem à realidade do fenômeno, pode se tornar um escolho para a manifestação dele. Portanto, deve-se considerar protocolos que anulem todas efeitos que não a "hipótese nula", porém, não demais ao ponto de destruir todas as condições para a manifestação dessa mesma hipótese.  

De forma geral: é plenamente justificável em algumas ciências (como é o caso da fisiologia, medicina, sociais etc) estabelecer controles para tornar evidente um efeito. A ideia é que, a aleatorização de amostras e a separação entre grupo de controle e tratamento, elimine todas as condições externas que não aquelas ligadas ao efeito que se pretende tornar relevante. Mas, o que acontece se o fenômeno depender de condições externas para ocorrer? É uma consequência lógica (ou seja, independente da ciência em particular) que, nesse caso, o efeito a ser pesquisado desaparece, não se observando diferenças entre grupo de controle e de tratamento. 

A história da fenomenologia mediúnica mostra que médiuns extraordinários são muito raros. A regra geral é que mesmo excelentes médiuns não podem ser encontrados facilmente. E mais, ainda na presença desses, eles não são capazes de fornecer comunicações conforme desejos ou caprichos dos sitters

Dos problemas discutidos aqui, o mais grave, segundo nosso entendimento, é tentar forçar comunicações. É provável que, mesmo médiuns medianos, comunicações excelentes sejam possíveis, desde que observadas as condições naturais e não forçadas de ocorrência. 

É quando se pretende encerrar o fenômeno dentro de um quadro ou contexto pré-definido que ele deixa de ocorrer. E isso é válido tanto nos ambientes de pesquisa acadêmica do assunto como provavelmente nos muitos ambientes espíritas (independente da nacionalidade) em que comunicações são buscadas "a qualquer preço". 

Referências e comentários adicionais

[1] E. S. Freire et al. Testing alleged mediumistic writing: An experimental controlled study. EXPLORE, 2020. https://doi.org/10.1016/j.explore.2020.08.017

[1b] J. Sampaio (2020). Muitos resultados negativos na análise de cartas psicografadas por médiuns brasileiros. Disponível em: http://espiritismocomentado.blogspot.com/2020/10/muitos-resultados-negativos-na-analise.html (acesso em outubro de 2020)

[2] Rabeyron, T. (2020). Why most research findings about psi are false: the replicability crisis, the psi paradox and the myth of Sisyphus. Frontiers in Psychology, 11, 2468. https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2020.562992/full (Acesso em outubro de 2020)

[3] A. Kardec. O que é o Espiritismo? Capítulo I - Pequena conferência Espírita, Primeiro diálogo - O crítico. Versão www.ipeak.com

[3b] Tanto isso é verdade que, em inúmeras passagens da Revue Spirite, Kardec registra sempre ter pedido autorização a S. Luís para invocar os Espíritos. Ela sabia muito bem que não se pode forçar comunicações, pois são vários os impecilhos para sua ocorrência genuína.

[4]  A. Kardec (1858). Revue Spirite. Os Médiuns julgados. Janeiro de 1858, p. 50. Versão FEB disponível em https://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1858.pdf (acesso em outubro de 2020).


1 de novembro de 2015

No espírito das manifestações psíquicas: em direção a uma teoria espíritas dos fenômenos paranormais.


 Se todo efeito tem uma causa, 
todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente.
 (A. Kardec, 
"O Espiritismo em sua mais simples expressão", 
história do Espiritismo.)

Portanto nós também, pois que estamos rodeados 
de uma tão grande nuvem de testemunhas, 
deixemos todo o embaraço, e o pecado 
que tão de perto nos rodeia, 
e corramos com paciência 
a carreira que nos está proposta(Paulo, Heb. 12:1)

Debates recentes sobre a natureza e a causa de muitos fenômenos psíquicos ficaram polarizados entre duas explicações antagônicas. De um lado, os apoiadores do chamado "super-psi" buscam explicar todos os eventos hipotetizando a existência de "superpoderes" humanos ainda desconhecidos, que seriam responsáveis por todos os eventos. Por outro lado, proponentes da ligação homem-espírito explicam muitos fatos como uma interação entre uma força desconhecida da natureza - os Espíritos - e a mente humana. Além disso, a existência dos Espíritos está diretamente ligada à noção de sobrevivência, portanto, espiritualistas modernos e espíritas são chamados  "sobrevivencialistas".

Muito do que se lê sobre super-psi foi criado durante o aparecimento da "Metapsíquica" (1) como uma rejeição às explicações espiritualistas em termos de influência dos Espíritos (Ver resenha que escrevemos sobre o "Livro de Eugene Osty sobre as 'Faculdades Supranormais'"). Naquela época, pesquisadores das ciências psíquicas buscavam aceitação científica (isto é, queriam ser aceitos academicamente), de forma que evitavam a todo custo o que ainda hoje é considerado uma explicação "não naturalista": a existência dos Espíritos. Entretanto, a ideia de uma "super mente" resulta em uma consequência simples, mas frequentemente esquecida: a falta de versões modernas para antigos surtos de "mesas girantes", "raps", materializações e mesmo ocorrências menos expressivas como a clarividência sonambúlica (que foi estudada por A. Kardec no século XIX e também por muitos outros pioneiros), além do mesmerismo. Se super-psi realmente existe, é preciso explicar sua falta hoje em dia diante do fato de que a população mundial aumentou desde o século XIX.

Por outro lado, é mais fácil reconhecer a necessidade de uma causa externa e necessária para iniciar e manter o fenômeno. Essa causa foi corretamente identificada nos Espíritos. Muitos dizem que a ideia de mentes independentes flutuando ao nosso redor e provendo o "hardware" para vida após a morte ainda precisa ser provada. Entretanto, desde que são forças muito sutis, devemos proceder de forma mais científica e admitir sua existência para medir as consequências.  

Partículas virtuais e portadores de informação.

Na física, as "partículas mediadoras" ou "portadores de força" (2) são responsabilizadas por muitas das forças da Natureza. As assim chamadas "partículas virtuais" (3) não são observáveis diretamente, mas são elementos importantes que existem em muitos eventos físicos a envolver forças fundamentais. Não há distinção entre partículas "reais" e "virtuais", exceto pelo fato de as últimas terem um tempo de vida muito mais curto do que as primeiras. Entretanto, as características únicas do mundo quântico permitem que as "partículas virtuais" comportarem-se de forma não autorizada às reais - por exemplo - conforme dizem as interpretações da teoria, partículas virtuais podem viajar para trás no tempo. Partículas virtuais são constantemente criadas e destruídas no vácuo.

Essa comparação é apenas um metáfora imaginável para explicar a regra dos Espíritos nos fenômenos psíquicos: são os elementos mediadores necessários para dar origem e manter todos os fenômenos psíquicos. Espíritos são os "portadores de informação" para certos seres humanos que podem entrar em contato com eles.
Um diagrama de Feynman mostrando a troca de um fóton virtual em uma interação elétron-elétron. A ideia de "partículas virtuais" é uma metáfora para a regra desempenhada pelos Espíritos nos fenômenos psíquicos como "portadores" de informação para muitos eventos "psi".
Parte do conteúdo "super-psi" associado a eventos como "experiências de quase morte" (EQM) ou "experiências fora do corpo" (EFC) são totalmente devidas a nossa própria essência espiritual. Portanto, a interação entre a natureza espiritual do ser humano e as forças espirituais é certamente a melhor hipóteses de partida para a variedade e intensidade das experiências psíquicas em geral. Alguns exemplos são comentados abaixo.

Exemplos 

Consultas psíquicas. O caráter não convencional ou controverso de muitas descrições que reportam consultas a médiuns, por exemplo, "leituras" de fotografias, podem ser explicadas assumindo que médiuns são diretamente assistidos pelos Espíritos. É necessário admitir que estamos cercados por "nuvens de testemunhas" ou, como lemos em (4):
Os Espíritos estão em toda parte, ao nosso lado, acotove­lando-nos e observando-nos sem cessar. Por sua presença in­cessante entre nós, eles são os agentes de diversos fenôme­nos, desempenham um papel importante no mundo moral, e, até certo ponto, no físico; constituem, se o podemos dizer, uma das forças da Natureza.
Daí vem esse poder misterioso que certos médiuns têm em devassar o futuro, em saber as circunstâncias de um assassinato, o caráter de uma pessoa falecida etc. Entretanto, muito ainda precisa ser estudado sobre o mecanismo do conhecimento mediúnico: os Espíritos acessam as memórias internas dos médiuns a fim de construir uma mensagem simbólica que é reinterpretada pela mente do médium (também um Espírito) com várias distorções. Tal é a fonte das frequentes imprecisões nos relatos mediúnicos.

Acesso anômalo à informação de lugares distantes. Embora as EFCs sejam invocadas para explicar o acesso oculto de informação de lugares distantes, não devemos desprezar o papel de "orientação" desempenhado pelos Espíritos. Alguns médiuns brasileiros (um exemplo é Yvonne Pereira) reportaram ter permissão apenas para vistar alguns lugares sob supervisão de seus guias espirituais. Portanto, muito médiuns não podem controlar para onde vão: o caráter incontrolável da experiência psi está diretamente relacionado à influência (externa) exercida pelos Espíritos.

Ausência de "raps" e mesas girantes (6). No passado, o fenômeno das mesas girantes deu origem ao movimento espiritualista. "Raps" e outros efeitos físicos foram historicamente relatados nos Estados Unidos (1848) de onde ganharam o mundo. Isso foi descrito como uma invasão organizada (5) de tão comuns que eram os eventos. Por que o silêncio hoje? Novamente, a explicação está nos Espíritos. As condições para a existência de tal "invasão" não mais existem, eles deixaram de apoiar os fenômenos, embora alguns eventos espalhados apareçam de tempos em tempos (7), principalmente na forma do assim chamado "poltergeist". Esse são de novo fenômenos bastante incontroláveis, que surgem tão repentinamente como desaparecem. Na sua forma "benigna", efeitos físicos ainda existem hoje em dia como manifestações de mediunidade de cura.

Falha em se replicar a telepatia e outros testes parapsicológicos. Desde que a mente humana não é um sistema isolado, mas sofre a influência tanto das redondezas físicas como espirituais, os Espíritos podem ser responsabilizados por muitas falhas na replicação de testes parapsicológicos. Não devemos limitar a influência dos Espíritos aos médiuns reconhecidos. De fato, qualquer pessoa pode ser influenciada por Espíritos dentro de certo grau.  Aqueles que têm maior nível de influência são chamados médiuns. Desde que Espíritos são independentes, eles podem aceitar a colaboração em um dado experimento (não obstante a ignorância do pesquisador de sua influência) e, em tais casos, os resultados serão muito bons. Acrescente a isso a necessidade de sintonia entre os Espíritos e os participantes: a simples presença dos Espíritos no ambiente físico do experimento não é garantia de sucesso. 
A telepatia é frequentemente vista como uma interação "mente-mente". Entretanto, dada a natureza espiritual do homem, não se pode desprezar o papel importante que os Espíritos podem ter em experimentos de telepatia. Como "portadores de informação", eles podem aumentar ou diminuir o nível de informação trocada entre participantes do experimento.
Palavras finais 

As duas causas, natureza espiritual da mente humana e a influência dos Espíritos, não podem ser separadas quando uma explicação para os muitos fenômenos psíquicos deve ser dada. De fato, elas são complementares: a capacidade dos médiuns em realizar um "ato psíquico" é bastante modificada pela ação e intervenção de um Espírito. Não somente isso, os Espíritos realizam controle direto, não obstante o desejo contrário do médium. Embora seja possível encontrar exemplos em que a habilidade do médium é a causa principal (por exemplo, durante EFCs e EQMs), em muitos desses casos, Espíritos guiam e exercem controle. Em resumo, eventos psíquicos são maximizados todas as vezes que os seguintes ingredientes estão presentes (7):
  • Uma pessoa capaz de entrar em contato com Espíritos (um médium);
  • A presença de um ou vários Espíritos;
  • Uma "sintonia" ideal entre a pessoa e o(s) Espírito(s);
  • Se controle máximo é exigido, um acordo com o(s) Espírito(s) deve ser conseguido primeiro, quando então a reprodução do evento será alcançada. 
A intenção do experimentador e sua presença (o assim chamado "Efeito do Experimentador", 8) podem ultimamente ser associados aos Espíritos. Intenções negativas ou positivas requerem estados mentais negativos ou positivos que agem como verdadeiras "evocações"; portanto, o ambiente se torna naturalmente favorável ou não a determinado resultado experimental de muitos testes.
A teoria do controle requer que todas as causas necessárias e suficientes para um dado fenômeno devem ser reconhecidas e propriamente tratadas. Portanto, a replicabilidade ou reprodutibilidade de um experimento psi somente acontecerá quando os Espíritos forem levados em consideração com causas necessárias.  
O que escrevemos aqui foi baseado em parte em muitos ensinos dos Espíritos sobre a questão que estão disponíveis na literatura espírita (de Kardec e de outras fontes nacionais).

Referências

(1) Ver C. Richet (1923) "Mediums and Metapsychics" published in Charles Richet's "Thirty Years of Psychical Research", London: W. Collins Sons & Co. Ltd, disponível aqui: http://www.survivalafterdeath.info/articles/richet/mediums.htm



(4) Kardec A. "O que é Espiritismo?", Capítulo II - Noções elementares de Espiritismo: Sobre Espíritos. 18 Parágrafo.

(5) Doyle A. C. (2007). "The history of Spiritualism". Book Tree.

(6)  Colborn, M.L.C. (2007). The decline effect in spontaneous and experimental psychical research. JSPR 71, 1-22

(6) Um caso recente ocorreu no Brasil. Vários outros são descritos aqui

(7) Para saber mais, leia "O livro dos médiuns" por A. Kardec. Uma versão online pode ser lida aqui.

(8) https://en.wikipedia.org/wiki/Observer-expectancy_effect

30 de abril de 2013

IV - Como a parapsicologia poderia se tornar uma ciência. (P. Churchland)

Numa série de posts, apresentamos uma tradução comentada do artigo "How Parapsychology could become a science" (Inquiry: An Interdisciplinary Journal of Philosophy, Volume 30, Issue 3, 1987) do filósofo Paul Churchland. Este artigo é uma crítica epistemológica bem embasada à parapsicologia, crítica que deveria ser seriamente considerada pelos praticantes dessa disciplina, se eles pretendem, de fato, fazê-la avançar. Alem disso, Churchland lança dúvidas bem fundamentadas sobre o paradigma materialista presente. Vale a pena estudar com atenção este trabalho. Todas as referências dele serão apresentadas no último post. O texto em azul é do artigo.

3. Parapsicologia: o lado experimental.
Já tive a chance de expor minha principal crítica à tradição experimental da Parapsicologia. É uma crítica metodológica e ela em nada diz contra a honestidade ou o cuidado daqueles que conduzem os experimentos relevantes dela. A discussão até este ponto tem sido deliberadamente não crítica no que diz respeito à confiabilidade dos resultados experimentais em Parapsicologia.

Isso acontece porque a validade da crítica metodológica que fiz é bastante independente de quão confiáveis esses resultados são. Mas, seria errôneo da minha parte para com o leitor levá-lo a achar que quaisquer resultados dessa área devam ser aceitos. Certamente, nenhum deles é amplamente aceito fora da comunidade relativamente pequena da Parapsicologia. Não há análogo do movimento Browniano em que eles, tanto quanto nós, possamos confiar.

De fato, não está claro que eles tenham qualquer resultado positivo e replicável absolutamente (1). A história dessa área está cheia de escândalos mais ou menos sérios, que vão das sessões fabricadas da década de 20 e 30, a manufatura deliberada de dados falsos pelo renomado S. G. Soal na década de 40, passando pela "psicofotografia" expertamente maquinada por T. Serios na década de 60 até a os experimentos mal controlados de R. Targ e H. Puthoff ao redor de Uri Geller (um não declarado, mas bem treinado mágico) nos anos 70. Essas e outras óperas cômicas já foram bastante discutidas em outro lugar (Randi, 1982) e, portanto, não vou me ocupar com elas aqui (2). Mas, elas merecem ser citadas não porque foram escândalos. Esses casos são lições importantes porque foram tomadas em grande conta na época em que apareceram como formando as melhores evidências para os fenômenos paranormais já obtidos. E elas merecem também ser comentadas porque as fragilidades que acabam revelando são endêmicas na alma humana.

Por outro lado, não podemos rotular todo mundo de tolo, nem mesmo a maioria. Parapsicólogos frequentemente reportam resultados completamente negativos e que melhor testemunho de honestidade do que esse? O que queremos saber é o que devemos fazer com aqueles poucos estudos que foram aparentemente conduzidos com integridade e zelo escrupuloso e que mostram, estatisticamente, desvios significativos em relação àquilo que pensamos ser fisicamente explicável?


Não há resposta completamente geral que seja adequada a essa questão. Cada caso deve ser tratado em seu próprio mérito. Mas, uma coisa podemos exigir, antes de ficarmos empolgados com qualquer um deles, é que possam ser replicados (3), preferivelmente por um laboratório independente. As razões para isso não tem nada a ver com estupidez ou falsidade. Se, durante cinco anos de pesquisa parapsicológica, 1000 experimentos estatísticos forem realizados com honestidade e cuidado máximo, estamos certamente no caminho de se obter uma percentagem muito pequena de casos que se aproximam ou excedem o nível de "significância", com base apenas em fundamentos estatísticos. Isso significa que haverá uma pequena quantidade de resultados "positivos", mesmo que isso nada tenha a ver com o paranormal e ainda que os investigadores tomem o máximo de cuidado com os protocolos experimentais (4).


Esses resultados positivos, supomos, serão publicados. Mas veja só. Se 500 dos 1000 experimentos originais foram esquecidos porque os investigadores desapontados decidiram seguir carreira em outra direção; e se 400 dos 500 remanescentes foram esquecidos porque eles também deram resultado negativo e os investigadores procederam apenas à análise dos 100 restantes e se; desses, 80, embora submetidos da forma mais honesta possível, nunca são publicados porque os editores se tornaram impacientes com resultados parapsicológicos ainda mais negativos, então os resultados "acidentalmente significativos" de, digamos, 3 ou 4 experimento dos 1000 originais serão considerados contra uma amostra de apenas 20 experimentos publicados. Assim, esses últimos herdarão uma significância imerecida (5).

A única maneira de revelar esses acidentes estatísticos (e casos reais, insistimos, são inevitáveis) é justamente repetir aqueles que se mostraram significativos e ver se os resultados originais são reobtidos. Pelo que sei, nenhum resultado genuinamente anômalo sobreviveu a tal teste. Há, naturalmente, muitos resultados surpreendentes que foram e continuam a ser replicados, frequentemente na grande mídia ou em fóruns públicos. Mas, embora impressionantes, eles não são parapsicológicos (6). 

O caminhar sobre brasas é um exemplo. Ele tem sido realizado centenas de vezes em muitas culturas diferentes e é frequentemente associado a fatos paranormais. Existe um "instituto de autoajuda" aqui na minha comunidade que mantém sessões de caminhar sobre brasas na praia nas primeiras horas da manhã. Tais sessões são consideradas a culminação de seminários de autoajuda de cinco horas de duração e o objetivo deles é mostrar ao público pagante o que eles aprenderam sob a tutela de seus mentores, fazendo-os caminhar vivamente sobre uma cama cuidadosamente preparada com carvão em brasa. Alguns caminhantes adquirem bolhas nos pés com a experiência, mas a maioria deles não e eles, naturalmente, ficam impressionados com o espetáculo. A explicação que é passada para eles é que eles aprenderam a amplificar seus "campos biomagnéticos" que estão em volta de seus pés e que serve para protegê-los do calor.

Isso é uma bobagem sem tamanho, naturalmente, mas o carvão está, de fato, a uma temperatura bem alta.  Embora já estejam bastante consumidos, eles ainda podem ser vistos avermelhados, pelo menos na escuridão. O truque é que não há truque. Nesse estágio de combustão elevada, o carvão tem a densidade do isopor e uma capacidade térmica bem baixa. Embora a temperatura seja alta, o carvão simplesmente não contém energia térmica suficiente e não pode conduzi-la aos pés rápido o suficiente para causar queimaduras sérias nos quase 1,6 segundos de contato total dos pés com o carvão (quatro passos de 0,4 segundos cada). As pessoas pensam que podem ser queimadas por qualquer coisa, mesmo que minimamente incandescente, mas nem sempre isso é verdade. A camada de carvão deve se preparada com muito cuidado, entretanto, então eu não recomendo fazer isso por si mesmo, especialmente com lascas de carvão vegetal, o material mais à mão provável. Eles são mais quentes do que brasas de madeira e eles se partem liberando mais calor. Não tente sequer pisar neles.

O que recomendo é tentar o seguinte. No escuro, de forma que você possa melhor julgar o estado de aquecimento do carvão, pegue uma lasca quase em extinção com uma pinça de churrasco e toque-a levemente com a palma da mão ou planta do pé. Esse tipo de experiência permite grande nível de controle e é bastante seguro. Você ficará surpreso em ver o quão benigno é essa operação com o carvão, ao menos para tempos de contato menor que meio segundo. Caminhar sobre brasas é não só real como replicável, mas não é paranormal (ver Leikind and McCarthy,1985; P. M. Churchland 1986b).

Outro espetáculo comum é do tipo de leitura de mente clarividente que é encenado por mágicos da mídia, profissionais ou não. Aqui, não posso dar nenhum resumo de quão intricadas são essas performances: mágicos tem inúmeras maneiras de nos enganar. Mas, posso comentar algo sobre isso a fim de dar uma amostra de como  se parece.


Minha esposa e colega, Patricia Churchland, uma vez deslumbrou sua classe de filosofia lendo em voz alta e com olhos fechados frases escritas em uma pilha de envelopes bege que um estudante tinha passado para ela no começo da aula. Em cada ocasião de "leitura clarividente" de um envelope ainda fechado, ela perguntava se qualquer estudante teria submetido uma frase anunciada. Enquanto o estudante em questão manifestava incrível concordância, ela abria o envelope para checar casualmente a precisão de sua leitura e, então, passava para o próximo envelope e à adivinhação de seu conteúdo (7).

Ela conseguia acertar tudo. O truque é bem impressionante e exige apenas a colaboração de um estudante entre o grupo, alguém que falsamente concorde com o sucesso da "leitura" do primeiro envelope. De fato, ela apenas compensava sua primeira leitura com base na confirmação explícita do estudante em quem confiava. Enquanto abria o envelope para "checar a precisão" de sua primeira leitura, ela estava na verdade lendo o que outro estudante perfeitamente honesto tinha escrito no primeiro envelope. Essa frase era a base para a segunda "leitura". Enquanto mantendo o segundo envelope misteriosamente diante de si, ela anunciava o conteúdo do então primeiro envelope. O autor do conteúdo daquele envelope então confirmava com admiração o "sucesso" da leitura e o envelope era simultaneamente aberto para "checar" o acerto. Isso fornecia a base para a terceira leitura e assim por diante, até completar toda a pilha. O resultado era uma classe de estudantes em completo pandemônio. Poderes psíquicos evidentemente são mais fáceis de se obter do que se pode imaginar. 

Esses dois exemplos, leitura psíquica e caminhar sobre brasas não tem relação direta com a Parapsicologia acadêmica. Mas, eles ajudam-nos a ver como fenômenos paranormais ostensivos podem ser facilmente criados a partir do normal e do ordinário (8). E eles ajudam a nos armar contra os predadores dessa área, que são muitos. Devemos ter simpatia por aqueles que tentam fazer pesquisa paranormal responsável em relação às bobagens anunciadas pela mídia, práticas de culto e a atividade de exploradores inescrupulosos. É o mesmo que tentar um serviço legítimo de acompanhamento numa zona de meretrício declarado. Qualquer policial de passagem poderia se livrar de uma suspeita inicial, assim como de uma segunda e terceira suspeitas.

Comecei este trabalho perguntando se a Parapsicologia poderia se tornar uma ciência. Minha resposta é que ela precisa de uma teoria que a organize. E ela também precisa de uma tradição experimental que objetive a tarefa positiva de testar e refinar uma teoria geral alternativa da mente, ao invés de se dedicar a tarefa negativa de encontrar buracos inexplicáveis no materialismo. Parapsicólogos ainda não forneceram o material conceitual necessário para a construção desse programa de pesquisa coerente e bem motivado, mesmo admitindo que o materialismo é, de fato, falso. Essa é a razão porque a Parapsicologia ainda é uma pseudociência.

Notas

1 – Como Churchland segue no ‘vácuo teórico’ da Parapsicologia, a dúvida torna-se companheira inseparável dele, o que permite questionar a existência de fenômenos autênticos.

2- No caso de Ted Serios, não é verdade que o ‘admirável Randi’ tenha conseguido replicar as psicopictrografias dele.  O caso de Ted Serios está envolvido em um mistério e merece, por si, um estudo a parte. O que Churchland questiona principalmente é o caráter de ‘espetáculo’ que muitos eventos anômalos são revestidos, o que traz, naturalmente, suspeitas sobre sua validade e real existência na mente dos céticos, suspeitas que são amplificadas pelo caráter comercial em que se revestem os espetáculos. 

3 – A ‘replicação’ a que Churchland se refere aqui vem na esteira da suposta necessidade da Parapsicologia se comparar a uma ciência ordinária. No caso dessas ciências, a facilidade, simplicidade e o caráter ‘automático’ dos fenômenos confere facilmente a característica de reprodutibilidade. Isso não pode ser exigido dos fenômenos psíquicos, o que Churchland parece ignorar largamente.

4 – Veja que o caminho seguido pela Parapsicologia acadêmica, o de se dedicar ao estudo quantitativo de arranjos ‘paranormais’ leva inexoravelmente a essa crítica de Churchland. De fato, do ponto de vista puramente estatístico, em lançamentos sucessivos de uma moeda, há uma chance não nula de que várias faces ‘cara’ apareçam sucessivamente. Isso é um resultado meramente acidental e nada tem a ver com ‘paranormalidade’ a exigir necessariamente uma explicação do tipo 'psicocinése'. Esse ‘ruído’ estatístico deve ser obrigatoriamente suprimido ou isolado se o objetivo for expor, por meio desse método particular, a realidade de eventos paranormais. Trata-se, assim, de mais um escolho ao desenvolvimento da Parapsicologia, que fornece aos críticos muitos argumentos fortes.

5 – Notamos que essa observação crítica de Churchland também vale para qualquer outro fenômeno natural raro e não apenas aos de natureza parapsicológica. Ele representa uma crítica metodológica grave no caso da Parapsicologia, uma vez que o caminho de 'comprovação' escolhido envolve separar o efeito genuíno do ruído estatístico inerente em qualquer tipo de experimentação de múltiplas tentativas.

6 – Nessa classe estão, naturalmente, os fenômenos mediúnicos ostensivos que foram renegados pela corrente acadêmica e experimental da Parapsicologia por representarem eventos anômalos difíceis de serem replicados em laboratório.

7 – Essa simulação de leitura psíquica é, naturalmente, um truque que fornece combustível aos críticos da fenomenologia paranormal, mas que, obviamente, cai na classe das explicações muito fáceis. De fato, qualquer fenômeno natural pode ser imitado por truque e não apenas os fenômenos psíquicos. 

8 – Ver comentário 7.

As referências desse artigo podem ser encontradas em:

Churchland P. M. & Churchland P. S. (1999) On the Contrary, critical Essays, 1987-1997", A Bradford Book, 1st edition.

Referências

Leikind, B. J., and W. J. McCarthy (1985) An investigation of firewalking. The Skeptical Inquirer, 10, no. 1:23-35.

Feyerabend, P. K. (1963b). "How to be a good empiricist-A plea for tolerance in matters epistemological". In Philosophy of science: The Delaware seminar. Vol. 2, edited by B. Baumrin. New York: Interscience Publications, 3-19. Reprinted in Brody B., ed. 1970, Readings. in the philosophy of science. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 319--42. Also in Morick H., ed. 1972, Challenges to empiricism. Belmont, Calif.: Wadsworth, 164-93.

Leikind, B. J., and W. J. McCarthy (1985) An investigation of firewalking. The Skeptical Inquirer, 10, no. 1:23-35.

Randi, J. (1982) Flim-flam! Psychics, ESP, unicorns, and other delusions. Buffalo, N.Y.: Prometheus Books.








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2 de abril de 2013

III - Como a parapsicologia poderia se tornar uma ciência. (P. Churchland)


Numa série de posts, apresentamos uma tradução comentada do artigo "How Parapsychology could become a science" (Inquiry: An Interdisciplinary Journal of Philosophy, Volume 30, Issue 3, 1987) do filósofo Paul Churchland. Este artigo é uma crítica epistemológica bem embasada à parapsicologia, crítica que deveria ser seriamente considerada pelos praticantes dessa disciplina, se eles pretendem, de fato, fazê-la avançar. Alem disso, Churchland lança dúvidas bem fundamentadas sobre o paradigma materialista presente. Vale a pena estudar com atenção este trabalho. Todas as referências dele serão apresentadas no último post. O texto em azul é do artigo.


2. Parapsicologia: o lado teórico.

Podemos aplicar essa moral ao caso da parapsicologia? Acredito que sim. Mas, não é minha intenção aqui fazer uma apologia fajuta das pesquisas 'psíquicas' e cair fora. O que tenho em mente, ao invés disso, é o seguinte: a teoria cinética do calor é um claro exemplo de um sucesso científico que teve muita sorte; que características gerais da teoria e/ou que características de metodologia de seus proponentes foram responsáveis por tal sucesso? Se pudermos responder essa questão, então poderemos enfrentar a próxima questão lógica. Será que as teorias propostas e a metodologia usada pelos proponentes da parapsicologia têm qualquer relação mostrada pelo nosso caso de sucesso? (1) Vamos ver.

A primeira vantagem que os teóricos cinéticos tinham era uma alternativa sistemática e detalhada concernente aos fenômenos em questão. A nova teoria especificava que qualquer gás, por exemplo, era constituído de um grande número de partículas que colidiam de forma perfeitamente elástica entre si, partículas que tinham massa, volume e velocidade. Ela previa que a pressão exercida pelo gás em um vasilhame era nada mais que o efeito da colisão incessante dessas partículas em sua parede. Ela afirmava que o calor total de qualquer sistema era a soma da energia cinética das suas moléculas constituintes. Dizia ainda que a temperatura global de um sistema nada mais era que o nível de energia cinética de suas moléculas médias.  E, dado que a noção de massa, velocidade e energia cinética eram bem entendidas então, um grande número de eventos microscópicos poderia ser tratado com a linguagem e as leis da mecânica Newtoniana. Os proponentes da teoria cinética podiam tratar os desafios que os confrontavam com um número impressionante recursos teóricos.

Naturalmente, havia ainda muitas coisas que ainda demandavam explicações - a massa e a velocidade dos corpúsculos, a diferença entre calor específico mostrado por diferentes substâncias e o desaparecimento do calor latente durante os fenômenos de fusão e evaporação. Mas a própria teoria fornecia abordagens teóricas e experimentais bem definidas a esses problemas, abordagens que deram frutos em curto tempo. Na ausência de dessa teoria específica, poderosa e altamente detalhada, o progresso jamais teria sido alcançado (2).  

Será que a parapsicologia tem qualquer corpo de teoria que descreva o que a mente não material é, uma teoria sobre os elementos não físicos que a compõem e sobre quais leis não físicas governam a interação entre esses elementos e deles com o mundo material? Deixo claro que esta questão diz respeito à existência dessa teoria e não a sua verificação (3) Será que a parapsicologia tem qualquer corpo significativo de teoria com a qual é possível tratar os fenômenos empíricos? O fato embaraçoso é que ela não tem. (4) Um busca nas páginas do Journal of Parapsychology - um dos mais respeitáveis órgãos de comunicação parapsicológica (5) - vai mostrar muitos experimentos projetados para revelar alguma capacidade surpreendente de homens e animais. Mas o leitor não achará nada na direção de uma teoria bem definida, sistemática e positiva concernente à substância mental ou às propriedades mentais e as leis quantitativas e formais que governam sua interação e comportamento. 

Fig. 1 Churchland considera que a parapsicologia se assemelha a uma pescaria coletiva, onde a linha de pescar é jogada em uma direção qualquer seguindo um impulso local e se obtém uma quantidade grande de resultados inexplicáveis, pois a parapsicologia não tem um núcleo teórico que oriente a realização e o  progresso dessa pesquisa.
Se é que se encontra uma teoria, ela é vaga, impressionística e não quantitativa, usualmente voltada para explicar uma classe muito restrita de fenômenos, de forma que ela parece idiossincrática (6) ao autor. Não há um núcleo teórico estabelecido que tenha reunido a comunidade a partir de sucessos passados ou cuja forma presente tenha se moldado em resposta a falhas experimentais anteriores, um programa que faça a disciplina seguir adiante. Tais elementos, tão caros às ciências estabelecidas, estão sumariamente ausentes na causa em questão. Para um filósofo ou historiador de ciência, a parapasicologia parece uma disciplina surpreendentemente ateórica. Além da assunção vaga de que agentes conscientes têm um aspecto não físico de algum tipo, que se expressa as vezes na forma de percepção paranormal ou manipulação paranormal, simplesmente não se encontra um núcleo aceito de uma teoria geral.

O que se percebe na maior parte das vezes é uma busca experimental voltada para a isolação e demonstração de efeitos que transcendem uma explicação em termos das ciências físicas. Caracteristicamente, tais experimentos estão preocupados em identificar casos de sucesso na percepção de algum tipo ou de outro, onde a percepção é considerada como fisicamente impossível (por exemplo, visão remota, telepatia, clarividência) ou a manipulação ou controle são considerados como fisicamente impossíveis (psicocinesia, telepatia). Tais experimentos são usualmente bem elaborados, utilizando os mesmos recursos eletrônicos high-tech dos mais bem estabelecidos ramos da ciência e exploram as mesmas técnicas de avaliação estatísticas aprovadas em todo lugar. De fato, a motivação experimental é tão bem desenvolvida que ela pode ser aplicada a qualquer conjunto de variáveis arbitrárias que se suspeite terem alguma relação estatística significativa entre si. 

Como resultado, a pesquisa parapsicológica se parece com uma pescaria coletiva (7). Na falta de uma teoria geral que discrimine uma parte do lago da outra, o anzol experimental é lançado aqui e ali conforme o impulso momentâneo sugere fazer assim. O resultado coletivo é uma amontoado de resultados mal motivados que conduzem a disciplina a nenhuma direção particular, pois eles não motivam nenhuma modificação no núcleo da teoria que os guia (8), pois não há esse núcleo. 

Há outros problemas com a metodologia de se olhar para algum efeito, qualquer efeito, que não possa ser explicado em termos físicos. Pois, quando tais resultados são encontrados (ou melhor, alega-se que são encontrados), eles, de fato, podem ser misteriosos do ponto de vista físico, mas são igualmente misteriosos do ponto de vista não físico. A razão é que parapsicólogos não são capazes de fornecer uma explicação melhor do que qualquer físico, pois a parapsicologia não tem recursos teóricos significativos para construir tais explicações. Se alguém conseguir fazer com que o resultado de uma longa série de lançamentos de moedas tenha 100% de acurácia, não constitui explicação desse resultado simplesmente se afirmar que o sujeito "tem precognição" (9). Isso é o mesmo que dizer que o amobarbital faz você dormir porque tem as "virtudes do sono". Uma explicação real deveria citar os mecanismos não físicos envolvidos, identificar os fatos empíricos que os refletem, apelar para as leis que os governam e, então, deduzir exatamente o efeito surpreendente observado. A parapsicologia não faz nada disso.

J. B. Rhine (1895-1980) testando sujeitos com baralhos Zenner. Diante da ausência de uma motivação para se desenvolver uma teoria, a pesquisa parapsicológica se concentrou em produzir dados obstinadamente, na ideia errônea que isso bastava para caracterizar a parapsicologia como ciência.
Compare tudo isso com a teoria cinética do calor. A pesquisa experimental conduzida pelos teóricos cinéticos não tinha como objetivo encontrar um resultado experimental contrário à teoria clássica. Seu objetivo era testar algumas previsões específicas da teoria cinética. Quando um resultado experimental foi encontrado, eles tiveram sucesso não porque desafiavam qualquer explicação clássica, mas porque resultavam em explicações e predições ainda mais precisas, se colocadas em termo da teoria cinética corpuscular. A teoria cinética não brilhava por luz refletida de uma falha, ela tinha luz própria. 

Ao contrário, a parapsicologia brilha por luz refletida das falhas do materialismo, se é que ela brilha. A parapsicologia não tem sucesso explanatório por si própria, porque ela não tem uma teoria substancial que ela possa denominar como sendo sua própria. Se não há teoria detalhada, não pode haver explicações detalhadas. E, se não há explicações detalhadas, então a parapsicologia não pode brilhar por si. 

A ausência de uma teoria significativa é um problema muito sério. Mas, ainda mais sério, eu acho, é a falta de qualquer movimento, por parte da comunidade parapsicológica em toda sua história, em tentar reparar esse problema. A preocupação presente dos profissionais dessa área tem se concentrado em anedotas passadas ou presentes em torno de maravilhas psíquicas e/ou experimentos desenhados para demonstrar um efeito parafísico. Mas, nenhum efeito, não importa o quão impressionante ele seja, poderá ser identificado como 'parafísico', a menos que se encontre também uma explicação de sucesso em termos de uma teoria parafísica detalhada (10). Na ausência de tal explicação, o efeito não representará nada. Ele não passará de mais um efeito surpreendente e presentemente inexplicável. E, em nada adiantará descrevê-lo como 'parafísico'.

A saber, a perseguição obstinada de resultados experimentais parafísicos, dentro de um vácuo teórico genuíno, me parece algo metodologicamente estéril, ainda que os experimentos sejam feitos com o mais meticuloso cuidado e produzam algum resultado genuíno. O movimento Browniano era também um resultado profundamente embaraçoso e também foi encontrado por pesquisadores respeitáveis usando técnicas respeitáveis. Mas, ele não serviu em nada contra a termodinâmica clássica e nunca serviria, apenas quando a nova teoria cinética desse a sua existência uma forma inteligível. O que a parapsicologia precisa, antes de tudo, é, portanto, uma teoria específica e substancial que dê forma as suas vagas aspirações e sirva como guia sistemático a sua atividade experimental. Enquanto essa teoria não existir, ela nunca será uma ciência, não importa quantos experimentos ela acumule (11).

Há um vício metodológico com que todos estão familiares. Filósofos, em particular, estão acostumados com ele e são acusados de cultivá-lo. O vício consiste em tentar fazer progressos teóricos de grande envergadura na ausência de resultados experimentais sistemáticos para controlar o desenvolvimento teórico subsequente: os resultados são descritos como 'castelos no ar'. Aqueles que procedem desse jeito protestarão que eles são teóricos. E, com certeza, eles são. Eles dirão que suas teorias são coerentes e imaginativas. E, com certeza, elas podem ser. Mas, o resultado final tem muito pouco a ver com ciência.


O vício tem um equivalente oposto, menos observado na prática, que é tão obtuso em seu resultado final quanto o primeiro. Ele consiste em tentar fazer progressos experimentais de envergadura na ausência de uma teoria sistemática que guie a tradição experimental e que a modifique à luz dos resultados. Esses aparecem na forma de um monte de correlações entre parâmetros de significação questionável. Os que procedem dessa forma protestarão a dizer que são experimentalistas. E, do mesmo modo, respondemos que eles o são. Eles protestarão dizendo que seus testes são feitos de forma honesta e precisa. E, assim, eles podem ser. Mas, o resultado final terá pouco a ver com ciência. Como os aspirantes anteriores, tais pessoas apenas brincam de fazer ciência (12).

Avançando um pouco mais no exame da tradição parapsicológica representada nas páginas de seus jornais de divulgação, poderíamos imaginar que ela sofre do primeiro defeito. Mas, dessas duas doenças, não é a primeira, mas a segunda, eu afirmo, que descreve melhor a fraqueza da parapsicologia (13).






Comentários

(1) Grifo em itálico nosso.

(2) Essa afirmação é a base para se compreender a diferença entre ciência e não ciência. O que caracteriza a atividade científica, já dissemos várias vezes com base em estudos anteriores, é a existência de uma teoria embasada em resultados experimentais que oriente o progresso experimental. Sem essa teoria, simplesmente amontoar resultados não constitui ciência. Churchland aplica repetidamente esse princípio ao analisar a parapsicologia aqui.

(3) Grifo em itálico nosso. A primeira preocupação importante é saber se há uma teoria. Não importa que ela não seja ainda verificada experimentalmente.

(4) Grifo em itálico nosso. Note a afirmação forte e direta de Churchland contra a parapsicologia.

(5) A referência pode ser acessada aqui.

(6) Isto é, cada pesquisador tem a sua explicação própria de um fenômeno. Como não há uma teoria dominante, surge um 'labirinto de hipóteses' tão variado quanto a quantidade de tendências e gostos particulares de cada pesquisador.

(7) Grifo em itálico nosso. Ver comentário na Fig. 1.

(8) Grifo em itálico nosso.

(9) Grifo em itálico nosso. Essa observação de Churchland descreve bem o estado atual da pesquisa em parapsicologia: o da explicação em termos meramente textuais. Palavras como 'retrocognição', 'precognição', 'efeito PK', 'psi-gama', 'psi-kappa' são etiologias cuja definição está ligada diretamente às ocorrências e que são constantemente usadas como 'explicações' para um fenômeno, em um movimento claramente suspeito.

(10) Grifo em itálico nosso.  

(11) Grifo em itálico nosso. A justificativa final que consagra o princípio porque a parapsicologia não pode ser encarada como uma ciência. Embora se possa fazer pesquisa aparentemente científica pelo uso de equipamentos, técnicas e procedimentos tecnológicos considerados 'avançados', jamais se conseguirá  ciência de verdade na ausência de uma teoria.

(12) Grifo em itálico nosso.

(13) Esforços na direção de inserir a parapsicologia como uma atividade normal em campus universitários  foram feitos, encontrando, entretanto, dificuldades enormes. Ver:

24 de março de 2013

II - Como a parapsicologia poderia se tornar uma ciência. (P. Churchland)



Numa série de posts, apresentaremos uma tradução comentada do artigo "How Parapsychology could become a science" (Inquiry: An Interdisciplinary Journal of Philosophy, Volume 30, Issue 3, 1987) do filósofo Paul Churchland. Este artigo é uma crítica epistemológica bem embasada à parapsicologia, crítica que deveria ser seriamente considerada pelos praticantes dessa disciplina, se eles pretendem, de fato, fazê-la avançar. Alem disso, Churchland lança dúvidas bem fundamentadas sobre o paradigma materialista presente. Vale a pena estudar com atenção este trabalho. Todas as referências dele serão apresentadas no último post. O texto em azul é do artigo.

Continuação de 'I - O argumento da tolerância'.

A "teoria predileta" desta história é a teoria clássica do calor e energia, que tem como princípio central que todas as interações mecânicas envolvem ao menos a conversão de energia mecânica em calor. Isso significa que, qualquer sistema isolado de corpos em movimento deve eventualmente 'parar', assim como ficam em repouso bolas de bilhar em uma mesa de sinuca depois de uma jogada. A energia (mecânica) cinética é dissipada pelo sistema como calor. Todo o ambiente, a borda da mesa, o ar adquirem uma temperatura levemente maior do que a que tinham antes da jogada.

O ponto importante aqui é a generalidade de um princípio chamado 'segunda lei' da termodinâmica clássica. De acordo com esse princípio, qualquer sistema de interações mecânicas, que seja fechado à entrada de energia externa, um catavento, um pêndulo oscilante, um conjunto de bolas de ping-pong colidindo em um caixa, deve eventualmente sempre entrar em repouso.

O fenômeno importante e falsificante dessa estória é o movimento Browniano, descoberto pelo botânico Robert Brown no começo do século 19. O movimento Browniano é a incessante agitação de partículas microscópicas suspensas em água ou ar, tal como espórulos de plantas ou partículas de fumaça. O movimento caótico e aparentemente eterno de tais partículas pode ser visto, e é frequentemente visto, através de um microscópio, mas não foi considerado como tendo qualquer relação com a termodinâmica clássica e a segunda lei. O palpite inicial de Brown para explicar esse movimento quase indetectável apelou para a biologia, afinal os espórulos estão vivos. O movimento igualmente ativo observado com partículas sem vida de fumaça destruíram essa hipótese, sem qualquer ameaça à segunda lei. Quem não poderia dizer que nova energia estivesse continuamente a ser fornecida de alguma fonte microscópica e quem seria capaz de contabilizar de forma precisa a quantidade de energia consumida por tais partículas tão pequenas, ou pelo meio difuso em que elas estavam em suspensão, a fim de calcular se isso estava em desacordo com a teoria clássica do calor? Tais coisas estavam muito além da capacidade de determinação experimental. E, assim, o movimento Browniano permaneceu como um problema menor para os teóricos clássicos, se é que ele fosse sequer notado. A teoria clássica dominava a paisagem como um gigante intocável.


Este vídeo mostra o movimento Browniano através de nanopartículas em suspensão na água. O movimento das partículas é perturbado por colisões com os átomos de água invisíveis. Este fenômeno permaneceu como uma anomalia desprezada pela teoria dominante, a termodinâmica clássica, que previa que as partículas teriam que acabar em repouso depois de certo tempo.

Mas, não por muito tempo. Uma teoria alternativa e razoavelmente geral do calor foi eventualmente desenvolvida por razões que não tinham nada a ver com o movimento Browniano. Essa teoria - a moderna teoria cinética - propôs que o calor nada mais é do que um tipo de energia mecânica, a saber, a energia cinética das moléculas que formam os sólidos comuns, os líquidos e os gases. Elas também estão em movimento, vibrando caoticamente ou oscilando no nível microscópico. A temperatura de um corpo foi interpretada como sendo apenas uma medida de quão vigorosamente as moléculas constituintes estão se movendo. E a 'conversão' inevitável da energia cinética no nível macroscópico em calor, que é um tema recorrente na segunda lei clássica, nada mais seria do que uma distribuição dessa energia do nível macro para o micro. Uma bola pulando eventualmente para porque as moléculas do ar ou do chão levam embora partes pequenas dessa energia cinética que estava tão organizada inicialmente no  movimento coerente do pular. A bola agora está em repouso, mas ligeiramente mais quente, assim como o chão e o ar circundante. A energia original da bola agora vive na forma de um aumento da atividade das moléculas constituintes, tanto do ar como do chão. 

Mas, o que dizer sobre as próprias moléculas em movimento? Elas não dissipariam sua energia cinética, à medida que colidem umas com as outras, assim como no caso da bola? Será que elas não terminariam também em repouso, mas ligeiramente mais quentes? Não, assim prediz a teoria cinética. As interações entre as moléculas são perfeitamente elásticas, o que é uma outra forma de dizer que nenhuma energia é perdida em qualquer interação entre elas. Dessa forma, as partículas permanecem colidindo entre si felizes para sempre. As moléculas não podem dissipar suas energias cinéticas na forma de calor, porque o movimento delas já é o que se chama calor. Um sistema fechado de moléculas em colisão, portanto, nunca estará em repouso.


Essa teoria não foi bem recebida pela maioria por uma razão fácil de se entender. Por um lado, ela postulava a existência de partículas que, por causa de seu tamanho, jamais seriam observadas pelos humanos. Por outro lado, essas partículas inerentemente 'tímidas' eram admitidas como realizando colisões elásticas entre si, em contradição direta com o princípio bem estabelecido da segunda lei. Na aparência, essa era uma proposta metodologicamente suspeita e improvável como fato.
Animação em computador do estado de agitação molecular. Para uma nova teoria (a cinética dos gases), o calor nada mais é do que uma manifestação microscópica do movimento de átomos e moléculas, que fornecia uma explicação alternativa à da termodinâmica clássica. Essa manifestação invisível de mudança tem consequências indiretas que podem ser observadas empiricamente. Cortesia Wikipedia.
Como testar essa teoria nova sobre a natureza do calor? Há muitas formas, mas discutiremos apenas uma delas aqui.  Moléculas são muito pequenas para serem vistas, mesmo com um microscópio, então não havia esperança de se ver diretamente se um gás aquecido era composto de moléculas em movimento incessante. Mas, se suspendermos partículas em um gás, partículas tão pequenas que pudessem ser afetadas de todos os lados pelo movimento das próprias moléculas de gás, mas grandes o suficiente para serem vistas ao menos com um microscópio, então o movimento incessante das moléculas será revelado pela dança incessante das partículas suspensas nele. Ou seja, se a teoria cinética é verdadeira, o movimento Browniano deveria existir! Além disso, a violência do movimento observado deve ser proporcional à temperatura absoluta do gás (quanto mais rápido as moléculas se movem, tanto mais rápido se moverão as partículas). E, mais ainda, a teoria cinética fez previsões sobre a distribuição de partículas de fumaça por causa da gravidade e da temperatura e resultou também num bom acordo com a lei clássica dos gases. Mas, não precisamos detalhar isso aqui mais. É suficiente dizer que todas essas predições são experimentalmente acessíveis e todas foram corroboradas em detalhes. 

Dessa forma, uma curiosidade menor, de relevância duvidosa para qualquer coisa, surgiu como um grande fenômeno que revelou um aspecto oculto tanto da matéria como do calor e se constituiu numa refutação permanente da segunda lei. Mas, isso aconteceu somente porque uma nova teoria nos mostrou uma maneira diferente de se pensar as coisas. Tivéssemos permanecido cristalizados nas categorias e imagens da teoria clássica, o significado do movimento Browniano jamais teria sido compreendido.  

A moral dessa história é que devemos sempre ser tolerantes com a proliferação de pontos de vista teóricos diferentes. Na verdade, devemos ativamente encorajar isso, mesmo se nossas teorias prediletas presentes não sofrerem nenhum problema empírico (1). Isso não significa que devemos abandonar teorias de sucesso ou programas de pesquisa produtivos a fim de seguir toda e qualquer ideia maluca que aparecer. Isso seria demonstrar falta de espírito crítico, de irresponsabilidade, além de postura muito ineficiente. Ao invés disso, devemos estar conscientes dos problemas com o monopólio intelectual, não importa quão bem uma teoria tenha sido desenvolvida. E, também, implica que devemos sempre estar abertos a tentativas de articular e explorar alternativas conceituais interessantes.   

Comentários


(1) Embora essa seja uma recomendação que faz sentido, na prática, a maior parte do tempo dos cientistas é gasto no desenvolvimento do paradigma principal. O paradigma confere estabilidade e permite resolver problemas, que é uma preocupação central no labor científico. A construção de alternativas teóricas - embora recomendado pela proposta de Feyerabend - é, muitas vezes, não intuitiva no contexto da prática científica.

Continua no próximo post: parte II - Parapsicologia, o lado teórico.

13 de março de 2013

I - Como a Parapsicologia poderia se tornar uma ciência. (P. Churchland)


Numa série de posts, apresentaremos uma tradução comentada do artigo "How Parapsychology could become a science" (Inquiry: An Interdisciplinary Journal of Philosophy, Volume 30, Issue 3, 1987) do filósofo Paul Churchland. Este artigo é uma crítica epistemológica bem embasada à parapsicologia, crítica que deveria ser seriamente considerada pelos praticantes dessa disciplina, se eles pretendem, de fato, fazê-la avançar. Alem disso, Churchland lança dúvidas bem fundamentadas sobre o paradigma materialista presente. Vale a pena estudar com atenção este trabalho. Todas as referências dele serão apresentadas no último post. O texto em azul é o do artigo.

Resumo
Um argumento metodológico importante é desenvolvido em apoio a um desafio teórico geral ao paradigma materialista dominante. A ideia é que as inadequações empíricas da teoria dominante podem estar ocultas da  vista por vários fatores e emergirão das sombras somente quando vistas da perspectiva de uma alternativa conceitual sistemática. A questão que se coloca, então, é se a parapsicologia fornece essa alternativa conceitual adequada à tarefa. Nossa conclusão provisória é que ela não fornece. Algumas outras consequências são tiradas disso, no que diz respeito à face experimental da tradição parapsicológica.
O título do trabalho corre o risco de me desmascarar, mas nem tanto. A parapsicologia, como praticada presentemente, não parece a mim ser uma ciência genuína  Ou, mais precisamente, desde que essas coisas são uma questão de grau, ela parece demonstrar um teor excessivamente baixo de atividade científica, o que justifica a indiferença e o ceticismo que ela encontra no resto da comunidade científica. Por outro lado, acho também que ela poderia se tornar uma ciência respeitável. Pretendo explorar aqui como isso seria possível. 

1. O argumento da tolerância

Minha abordagem inicial a essa questão vem do ponto de vista de um materialista. Quer dizer, sou profundamente tocado pela sucesso empírico extraordinário de várias ciências físicas, da física subatômica a bioquímica, biologia evolucionista, neurociências, astronomia, cosmologia e história natural. O sucesso sistemático e inter relacionado dessas ciências nos incita a levar muito seriamente a hipótese de que todos os fenômenos no Universo, sem exceção, se devem à articulação intricada de um a grande quantidade de elementos físicos e relativamente pequenos que agem de acordo com um conjunto limitado de leis puramente físicas (1)

Em particular, parece me bem provável que todos os fenômenos decorrentes de criaturas que têm sentimentos são outro exemplo de articulação de propriedades da matéria governada por leis físicas. Somos evidentemente feitos de matéria. Evoluímos por uma processo puramente físico, embora complexo, de organismos primitivos e simples, também feitos de matéria, organismos cuja linhagem nos leva a uma sopa primordial puramente química. Nossas atividades sensoriais, cognitivas e motoras, tanto quanto as compreendemos, são outra mistura de acontecimentos químicos, elétricos e mecânicos. A força desse arcabouço conceitual é uma das razões principais porque a grande maioria dos cientistas consideram impossíveis as afirmações sobre os 'fenômenos psíquicos', pois tais ocorrências são incompatíveis com o ponto de vista materialista bem estabelecido do Universo e do nosso lugar nele (2).

Por outro lado, parece provável também que esse ponto de vista pode estar errado. Seu sucesso explicativo até o presente, não importa o quão generalizado ele seja, não garante sua verdade. Outros paradigmas, em outros momentos históricos, também gozaram de domínio semelhante sobre grande parte da experiência humana e, mesmo assim, se mostraram falsos (3). A hegemonia organísmica de Aristóteles vem a minha mente aqui. Nesse caso, foi bem essa compreensão de visão de mundo abrangente que nos cegou para muitas particularidades que surgiram depois, sob inspeção mais detalhada. Talvez o materialismo moderno nos cegue de igual forma. E, quem sabe, a pesquisa  que é conduzida sob a bandeira da parapsicologia seja bem o tipo de coisa que nos irá libertar dele.

O quão possível isso é nós discutiremos oportunamente. Teremos que ponderar o sucesso sistemático das ciências físicas contra as afirmações de parapsicologistas que insistem que existe uma variedade de resultados experimentais que não podem ser explicados em termos dessas ciências. Evitarei essas questões empíricas em algumas páginas à frente, uma vez que existe um argumento puramente metodológico que pode ser levantado em apoio à pesquisa parapsicológica, não importa o quão forte sejam as evidências que sustentem, por sua vez, o materialismo.
Paul Feyerabend (1924-1994)

O argumento vem de Paul Feyerabend (1963b) e não tem nada a ver com as virtudes ou vícios da parapsicologia. Feyerabend chama a atenção ao fato de que, muitas vezes, a única forma de descobrir as inadequações verdadeiramente empíricas de uma teoria bem estabelecida é construir teorias alternativas que forneçam novas interpretações para dados experimentais familiares e velhos conhecidos (4). Qualquer teoria de sucesso sempre ignora ou suprime uma grande quantidade de evidências empíricas problemáticas e fracas, que são consideradas irrelevantes ou ‘ruído’ inevitável. Nenhuma teoria jamais ajustará todos os dados experimentais perfeitamente, uma vez que as situações experimentais que a testam sempre trazem consigo um horizonte de detalhes sutis além do qual não temos nem conhecimento e nem controle (5). Além desse horizonte, estão os elementos inevitáveis que são ou muito pequenos, ou muito complexos ou por demais inacessíveis para que se exerça domínio ou controle. Pequenas discrepâncias entre a teoria favorita e os resultados experimentais são, portanto, frequentemente considerados como atividade ruidosa produzida por fatores além do horizonte do que é controlável.

Não existe erro nisso. A alternativa é tentar controlar a posição e o aspecto de cada partícula no Universo. Ao invés disso, tentamos controlar o quanto acreditamos ser necessário e prudente controlar, e deixamos todo o resto ser como é. E, aquelas áreas experimentais onde não temos esperanças de exercer controle nos detalhes que acreditamos como relevantes, simplesmente as ignoramos como intratáveis ou desinteressantes. A teoria favorita pode não explicá-los, mas essa deficiência não é considerada um problema sério (6). 

Pode ser possível, porém, que os fatos empíricos importantes que refletem a falsidade da teoria favorita e 'de sucesso' seja encontrado justamente nas áreas experimentais que se imaginou serem intratáveis ou além do horizonte dos detalhes controláveis da área considerada tratável. Nesses casos, a teoria favorita goza de uma segurança por exercício de refutação imerecida. Os fatos refutantes estão lá, mas por razões complexas, eles são difíceis ou impossíveis de serem percebidas (7), pelo menos enquanto continuarmos a interpretar a situação em ternos da teoria predileta. Pois, essa é a teoria que nos ajuda a decidir que detalhes são relevantes e quais são irrelevantes, além de separar as situações que são tratáveis daquelas que não não.

A melhor maneira de sair dessa situação, sugere Feyerabend, é construir uma teoria alternativa comparativamente geral com a qual produziríamos novas interpretações para os dados experimentais, ou que nos diria quais são os detalhes relevantes e quais não são, ou quais situações são tratáveis diante de outras consideradas intratáveis (8).  Isso tem o efeito de destacar certos detalhes que, até então, tinham sido desprezados, de revelar novos sinais a partir do que se considerava  ruído ordinário, de se descobrir  ordem onde antes só se via o caos. Em particular, essa visão reconfigurada pode revelar falhas dramáticas na velha teoria, falhas que eram invisíveis com falhas desde a perspectiva anterior.

Feyerabend fornece um exemplo interessante desse fenômeno, que vale a pena sumarizar aqui. O leitor deve me perdoar se simplifico demais a física a fim de destacar esse ponto metodológico.

Continua no próximo post (todas as referências serão apresentadas no último post).

Comentários

(1) O argumento colocado por Churchland é irretocável. O materialismo ainda é a 'teoria predileta' por causa de uma grande variedades de fenômenos que podem ser explicados de forma muito satisfatória com ele. Isso sanciona seus princípios e permite que a ciência avance na explicação de outros fenômenos;

(2) Churchland aponta aqui a principal razão para o ceticismo com relação aos fenômenos anômalos, que não são completamente explicados pela teoria dominante.

(3) Novamente a argumentação é bastante lógica. Ainda que esse paradigma dominante tenha experimentado um sucesso impressionante, não segue disso que ele seja verdadeiro. Além da teoria aristotélica citada pelo autor, há outros exemplos históricos interessantes de teorias que foram altamente consideradas no passado e que se mostraram errôneas.

(4) Isso acontece porque é a teoria que orienta o processo de pesquisa científica. Se a teoria não crê nessa ou naquela possibilidade, ela não será procurada em lugar algum - o que implica que os métodos de pesquisa não poderão ser orientados na direção de sua demonstração.

(5) Essa afirmação extremamente forte de Churchland reflete a realidade de que não podemos saber  tudo no mundo: há um limite para o conhecimento humano que vai até o 'horizonte' além do qual estão as aproximações e os fatores incontroláveis ou desconhecidos.

(6) Ainda que estejamos cientes de que nossa teoria predileta tem limitações, não iremos jogá-la fora por causa de qualquer detalhe menor, que deve ser desprezado, para que possamos 'salvar' a grande imagem que nossa teoria é capaz de demonstrar com sucesso.

(7) As ciências dos fenômenos psíquicos estão repletas de 'razões complexas' que tornam difícil ou impossível que se percebam os novos fatos. De certa forma, a fonte dessa dificuldade está na própria influência do paradigma predileto que separa claramente quais os fenômenos que merecem atenção daqueles que são apenas 'ruído'.

(8) Trata-se do princípio da 'contra-indução' proposto por Feyerabend. Esse filósofo buscou demonstrar que a melhor forma de fazer avançar a ciência não seria por 'indução', mas por 'contra-indução' que, grosseiramente, implica em se construir teorias alternativas para fenômenos conhecidos (sem abandonar a teoria predileta), e ver se, de fato, há outra maneira de se explicar os mesmos fenômenos com o ganho adicional de tratamento de outros aspectos desprezados pela teoria principal.