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17 de junho de 2019

Crenças Céticas XIX: casos modernos e seus paralelos

Cristo carregando a cruz (detalhe). H. Bosch (~1500).
Abrimos um parêntese na nossa exposição aos espíritas sobre o problema da aceitação da existência dos espíritos. Lembramos nossos antigos posts sobre crenças céticas [1][2], considerando os debates populares em redes sociais sobre a 'Terra plana' e do 'geocentrismo'. Lembramos tudo isso, e não podemos deixar de fazer um paralelo com o problema da aceitação de alguns princípios espiritualistas. Jamais imaginaríamos que o ceticismo ingênuo poderia se revestir de aspectos tão dramáticos na atualidade.

Se em pleno Séc. XXI temos gente que defende "Terra Plana", que esperança há na Humanidade em aceitar as realidades maiores do espírito? 

Do ponto de vista espírita, penso que as manifestações aparentemente grandes dos crentes modernos em Terra Plana e no geocentrismo se explicam pelo retorno ainda tardio de milhões de Espíritos que não tiveram a chance de entender melhor o assunto. Têm eles dificuldades enormes de raciocínio a ponto de serem incapazes de compreender abstrações mesmo que bem simples. Mas, nas redes sociais, talvez pela primeira vez em suas vidas imortais, encontraram a chance de manifestar publicamente uma opinião, capitaneados por gente inescrupulosa que lhes exploram as deficiências intelectivas.

Princípio unificador X conspiração

O que caracteriza a ciência modera sempre foi a descoberta de um princípio ou fundamento unificador muitas vezes inacessível aos sentidos ordinários. Tomemos o caso da 'Terra esférica': esse princípio unifica e coordena a explicação de um grande grupo de fenômenos celestes (as variações de luz entre dia e da noite, a posição do sol em vários lugares, etc). Entretanto, não é possível ver com os próprios olhos a esfericidade da Terra, a menos que se vá para o espaço exterior, o que é possível, mas não a todas as pessoas do mundo. Da mesma forma, a gravitação universal: por meio do uso de uma única expressão de força entre corpos massivos (dai sua universalidade), um vasto conjunto de fenômenos celestes foi explicado. Entretanto, não se sente nem se vê a força de gravitação que o Sol exerce sobre a Terra e os outros planetas. 

Assim, quase sempre no final da maturação de um paradigma científico, leis ou princípios são declarados, mas não são sensorialmente acessíveis. Sua força como ciência vem da sua capacidade de explicar e unificar fenômenos, a ponto de ser possível classificá-los em domínios diversos, bem como prever outros ainda desconhecidos. Para fazer ciência, eles são admitidos desde o início a fim de se prover tal unificação e previsão fenomenológica.

Com os crentes céticos, entretanto, o único princípio unificador que existe é a conspiração sobre o mundo, que é a base de sua crença. Tomamos 'mundo' aqui não como o planeta inteiro, mas como um aspecto da realidade. Assim, um crente cético necessariamente é um crente na conspiração e um cético em relação a uma realidade, seja ela bem estabelecida cientificamente ou não. É por isso que crentes na Terra Plana, por exemplo, rejeitam qualquer evidência que, de outra forma, é prova do princípio unificador da esfericidade da Terra. Ao invés disso, cada evidência é explicada por causas independentes entre si ou se invocando a conspiração, que é um gigantesco conluio entre agentes mal- intencionados para justamente enganar o crente cético.

No caso em que o ceticismo é contrário ao que está bem estabelecido, os céticos se comportam de forma ridícula para os que participam da crença compartilhada escorada na ciência. Porém, a reação negativa de uma maioria ao conspiracionismo e à crença cética pueril constituem, na cabeça desses crentes, a própria prova da conspiração. Assim, o conspiracionismo se torna uma 'profecia autorealizada', afinal a maioria não tem condições de oferecer contra-evidências 'simples' ou 'práticas' às crenças pueris céticas, as pessoas apenas repetem o que aprenderam. Mas, para os crentes céticos, tudo acontece como se, de fato, estivesse em curso uma conspiração.

No segundo caso, porém, a situação é muito mais complicada porque não é fácil distinguir cada grupo. A comparação aqui cai bem, pois a ideia da sobrevivência da alma - assim como sua existência e continuidade tal como apresentada por A. Kardec - é um princípio unificador que pode explicar uma variedade imensa de fenômenos e paradoxos de natureza religiosa ou filosófica. Porém, ele não está disseminado como crença compartilhada (a menos pelos espíritas obviamente), porque popularmente não tem o selo de  'cientificamente provado' e não é propagado por meio da educação formal. 

Entretanto, o paralelo se aplica porque:
  • O princípio unificador explica inúmeros fenômenos, e está, por isso, harmonicamente relacionado a eles que formam sua base empírica;
  • A fenomenologia, mesmo que publicamente acessível, somente pode ser compreendida de posse do princípio unificador;
  • O princípio unificador envolve certo grau de abstração, pois ele não pode ser acessado diretamente pelos sentidos ordinários. Em particular, para compreender esse estado de coisa, é necessário estudar toda a teoria do princípio unificador, inteirar-se de detalhes de sua ação etc. Isso requer muito esforço, boa-vontade e tempo;
  • A conspiração aqui é criada contra os fatos, contra os que os apoiam ou geram ou contra o princípio unificador. Para os céticos endurecidos, todos os médiuns mentem - uma prova da conspiração dos que geram. Para outros, qualquer fato ou fenômeno têm uma explicação pronta (quase sempre na base do 'engano', 'erro', 'experimento mal feito' etc), como uma conspiração de falhas. Para outros céticos mais sofisticados, ideias do senso comum, crenças compartilhadas ou próprias, má vontade no estudo etc, obstam o pleno entendimento do princípio unificador. 
Dessa forma, o tipo de 'prova' que crentes céticos nos fatos psíquicos exigem não pode ser obtido se não se percorrer exaustivamente toda a explicação que eles justamente querem refutar a qualquer custo. Isso implica em conhecer o assunto melhor do que o mais fervoroso adepto, coisa que crentes céticos nunca o fazem, seja porque têm má-vontade ou porque são simplesmente incompetentes

Podem ser grandes os prejuízos à educação que ceticismo cético traz com questões já resolvidas cientificamente - como a esfericidade da Terra ou sua posição no sistema solar. Poderíamos citar ainda outras controvérsias algo mais sofisticadas, como o Darwinismo ou a teoria do 'Big Bang' [3]. 

Nosso paralelo, porém, facilita muito entender e defender a ideia de que o ceticismo cético, se aplicado a questões que não se consideram cientificamente resolvidas, tem um efeito ainda mais deletério. Com essas questões, o ceticismo cético é indistinguível, muitas vezes, de uma postura supostamente científica ou rigorosa. É por isso que não se veem avanços em muitas áreas do conhecimento consideradas  'limítrofes' ao bem estabelecido, porque o 'conhecimento compartilhado' se confunde com esse ceticismo e impede sua livre investigação. 

Referências

[1] Primeiro post sobre 'crenças céticas': Crenças Céticas I: Introdução (2010)  

[2] Último post sobre 'crenças céticas': Crenças céticas XXVII: a Navalha de Ockham (2017) 

[3] Tanto quando sei, crentes céticos não se revoltaram ainda contra a noção moderna dos átomos e a física quântica  - todos exemplos de princípios unificadores inacessíveis aos sentidos ordinários (tal como os espíritos). Provavelmente é uma questão de tempo para que isso aconteça. 

1 de junho de 2017

Crenças céticas XXVII: A Navalha de Ockham (e comentários sobre super-psi)

Não é comum, nos embates entre crentes e céticos, que conceitos ou princípios epistemológicos sejam aplicados indiscriminadamente, muitas vezes em apoio de argumentações mal feitas ou inválidas. Um desses princípios - de que se tem abusado bastante - é a famosa "Navalha de Occam" (ou Ockham, em inglês, Occam's razor). A apresentação feita na Wikipedia (1) é suficiente para introduzir o "princípio da parsimônia", como também chamada essa regra, que pode ser usada erroneamente  em defesas pouco válidas de opinião. Há várias maneiras de se enunciar esse princípio:
Se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenômeno, a mais simples é a melhor (1).
Entidades não devem ser multiplicadas sem necessidade (2).
Não se deve admitir mais causas para as coisas naturais do que aquelas que são tanto verdadeiras como suficientes para explicar as aparências. Portanto, aos mesmos efeitos naturais devemos, tanto quanto possível, associar as mesmas causas. (I. Newton, 3)
Colocado dessa forma, as chances de sucesso maior desse princípio pode acontecer com fatos para os quais nenhum paradigma bem estabelecido exista e estamos diante de decisão quanto a melhor explicação inicial. Se um tal paradigma existir, a aplicação da navalha é muito limitada; ela jamais poderá ser invocada para desqualificar o paradigma, que adquire status de verdade até que seja sobrepujado por teoria mais completa.

O princípio pode ser usado diante de embates entre teorias rivais que resultam nas mesmas "evidências experimentais", sem nenhuma garantia que leve à teoria "correta". De fato, há casos que mostram que isso não acontece. Podemos dizer que esse princípio tem alguma chance orientadora, desde que as causas subjacentes sejam realmente simples, o que dificilmente ocorre nos fenômenos naturais ou desconhecidos do homem.

Uma das grandes críticas à aplicação da navalha é o conceito de "simplicidade". Aquilo que nos parece "simples" depende de nossa visão do mundo, daquilo que acreditamos, de onde estamos etc. Portanto, sua aplicação está condicionada a certo preconceito por parte do experimentador. Com certeza, nas ocorrências ordinárias, do dia-a-dia, a navalha não falhará porque as causas subjacentes para os fenômenos são simples, banais ou amplamente conhecidas. Assim, se chego em minha casa e encontro a porta arrombada, com móveis revirados etc, dificilmente concluo que isso foi obra do acaso, de uma "tempestade" e não que, de fato, minha residência tenha sido furtada, que um ou mais indivíduos entraram nela etc.

Mas, o mundo da ocorrências banais dos homens não guarda semelhança com a dos fenômenos da natureza. A Fig. 1 contém um exemplo exagerado de má aplicação do princípio de Ockham. É uma comparação da tabela periódica moderna com a teoria dos quatro elementos, que estaria certa, segundo Occam, por ser a explicação mais simples. O erro aqui está em contrapor visões completamente diferentes da natureza, demonstrando que a noção de simplicidade depende dessa visão ou das circunstâncias que cercam o fenômeno:
Ao ouvir o trotar de cascos, pense em cavalos e não em zebras, a menos que esteja na África, quando então, certamente, trata-se de zebras. 
Fig. 1 Exemplo de aplicação incorreta da navalha de Occam: contrapor a tabela periódica como uma explicação para a origem das propriedades da matéria e a teoria antiga dos quatro elementos. O mais simples nem sempre é o "verdadeiro", mas, também, a noção de simplicidade depende da época e da visão de mundo que se tem.
Ernst Mach formulou uma versão diferente da navalha de Occam pelo seu "princípio de economia":
Cientistas devem usar os meios mais simples para se chegar aos resultados e excluir tudo que não seja percebido pelos sentidos. (2)
A exclusão daquilo que não é "percebido pelos sentidos" é um desastre nas ciências naturais, já que a maior parte das causas dos fenômenos é inacessível aos sentidos humanos comuns. Notamos, porém, que a navalha de Occam nada diz sobre a questão da "percepção pelos sentidos", de forma que essa reformulação de Mach nada tem a ver com o princípio original.

Da aplicação da navalha de Occam aos fenômenos espíritas: a hipótese de super-psi.

A navalha de Occam tem sido uma rota de desqualificação, por parte de céticos da fenomenologia chamada "paranormal" ou dos fenômenos espíritas. Aplicada de forma exagerada, torna-se uma ferramenta de negação sistemática dos fenômenos, que se reduzem a "alucinações", falhas de interpretações ou percepção, exageros psicológicos etc, tudo em nome da simplicidade do mundo.

Como pretensão teórica, busca-se refutar as "entidades desnecessárias", cumprindo aparentemente a regra de Ockham de simplicidade. Trata-se de flagrante desvio do princípio porque reduz uma ocorrência extraordinária a um fenômeno banal. Mas, "afirmações extraordinárias não exigem evidências extraordinárias ?" (4). À parte da questionabilidade desse aforismo - que é uma maneira diferente de se afirmar a navalha de Occam - o núcleo de negação está na própria refutação das evidências que já passaram do ponto e se tornam irrefutáveis. Aqui, o papel da navalha é dar um ar de "sofisticação" a uma reafirmação de uma crença que, em suma, trata esses fenômenos como produtos de uma gigantesca fraude consciente ou não. Não há dúvidas da aplicação incorreta desse princípio aqui, de forma que não há razão para se preocupar com ela.

Mas, há uma famosa controvérsia, entre "Super-Psi" versus "sobrevivência" que forneça um exemplo talvez de aplicação da navalha.  Algumas referências sobre esse embate são (5, 6, 7, 8). Em termos mais simples, trata-se de comparar a explicação espírita (sobrevivência após a morte, existência dos desencarnados como fonte de informação mediúnica etc) com algumas teses que refutam a sobrevivência pela admissão de faculdades quase oniscientes à mente humana (a chamada "tese super-psi"). "Super-psi" é uma causa teoricamente admitida como disseminada em alguns humanos, e que seria responsável por todos os fenômenos chamados "paranormais", sem a necessidade de postular a sobrevivência. De fato, "super-psi" é a única alternativa para os que aceitam a realidade dos fenômenos extraordinários do Espiritismo, sem, entretanto, aceitar sua real causa, o espírito.

Fig. 2 Respostas: "Simples, mas erradas; complexas, mas corretas".

Para os leitores que ainda não se inteiraram completamente do debate, oferecemos um resumo. As referências (6) e (8) são favoráveis a "hipótese super-psi" (HSP) e contrárias à "hipótese da sobrevivência" (HSV), como a chamam. Avançando na apresentação desse refinado ceticismo, adiantamos alguns pontos (ver 6) sobre HSP:
  1. As evidências fornecidas pelos chamados "fenômenos anômalos" são aceitas tais quais são ou, ao menos, acredita-se que uma base de fenômenos verídicos pode ser levantada em torno da qual se dá a disputa pela melhor explicação. O contenda de HSP X HSV não se dá mais em um ambiente cético em relação aos fenômenos, mas em relação a explicação representada por HSV;
  2. Muitos desqualificam a ideia da sobrevivência por considerá-la ininteligível e, portanto, estar além de uma solução científica; 
  3. Como não existe um mecanismo detalhado que explique como se dá a manifestação mediúnica, assume-se que não existiriam limites para a manifestação de "super-psi". Dessa forma, essa faculdade pode produzir qualquer tipo de fenômeno, em qualquer momento, lugar ou intensidade. Essa é a hipótese  mais importante e mais forte feita pelos proponentes de HSP;
  4. A operação de HSP não exige esforço por parte de seu agente, ela sequer exige intenção: é a hipótese da varinha mágica de Braude (6). Essa assunção é importante porque os fenômenos psíquicos são reconhecidamente incontroláveis;
  5. Como consequência disso, não existem "indicadores fenomenológicos" que permitiriam distinguir HSP de outra causa meramente fortuita, isto é, que HSP pode ocorrer de forma generalizada, sem que saibamos disso. É necessário admitir isso, pois, se não fosse assim, seria possível ostensivamente separá-la de ocorrências com causas comuns;
  6. HSV deve ser vista com reservas, porque ela implicitamente requer uma identificação forte entre a personalidade que viveu e aquela que se comunica. Seria importante "provar"  isso antes de se desprezar uma forma mais fraca de sobrevivência, como aquela que diz que a personalidade sobrevive "dissipando-se em um grande todo" ou existindo em uma realidade completamente separada da existência ordinária: é como acreditam alguns cristão com a ideia de céu e inferno. Portanto, não é contra qualquer ideia de sobrevivência que se colocam os adeptos da HSP, mas contra aquela que implica em um fenomenologia especial como produto da sobrevivência e da manifestação da personalidade desencarnada (em suma, é contra o Espiritualismo e o Espiritismo que HSP é proposta);
  7. A operação da faculdade de super-psi é admitida tanto quando o fenômeno manifesta informação que pode ser transmitida entre pessoas (chamado "informação sobre o quê") como com manifestação de habilidades, tendências, gostos típicas do personalidade desencarnada -  a chamada "informação sobre como". Aqui, Braude (6) tece várias considerações sobre isso e busca rejeitar o princípio de que "aquilo que não pode ser comunicado de forma normal, não pode comunicado de forma paranormal". Sua principal explicação para não limitar HSP em "comunicar habilidades" usa o próprio fenômeno paranormal e diz que nossas capacidades (e obstáculos) normais de aprendizado são "suspensas" no estado alterado, como, por exemplo, durante uma hipnose (ver p. 139 em 6). Assim, de novo, HSP seria capaz de fazer qualquer coisa;
  8. Com base em algumas falsas "identificações" de desencarnados em sessões conduzidas por pesquisadores, Braude se pergunta como HSV pode ajudar a entender como o comportamento exibido por algumas personalidades durante o transe se mostra tão diverso daquela historicamente conhecida. Para os proponentes de HSP, isso levanta dúvidas quanto à validade da sobrevivência, já que uma identificação completa não é possível em alguns casos. Dessa forma, HSP não estaria descartada como explicação;
Como podemos resolver a questão? No entendimento dos proponentes de HSP, a sobrevivência é admitida de uma forma muito específica. O que sobrevive necessariamente deve se manifestar como essa ou aquela personalidade pregressa, considerando os registros históricos disponíveis tais quais são. Assim, Braude em (6) rejeita alguns fenômenos notórios de manifestação de desencarnado com base na falta de evidências históricas. Ora, a maioria das ocorrências e personalidades históricas jamais deixaram quaisquer evidências (considere as personalidades históricas de Jesus, Buda, Moisés  etc), o que não é prova da inexistência dessas mesmas personalidades.

A incontrolabilidade e independência dos fenômenos psíquicos se deve à inteligência da fonte. Isso segue de forma natural de HSV, mas é uma hipótese a ser admitida forçosamente e sem justificativas no  cerne de HSP como diz a assunção 4 para se adequar a incontrolabilidade dos fenômenos.

A suspensão dos bloqueios normais de aprendizado das "habilidades como", que é feita na assunção 7 acima, certamente colide com a hipótese de que HSP não precisaria de condições "especiais" (transe etc) para se manifestar. Não há explicação sobre isso.

Ademais, uma leitura  atenda das explicações fornecidas em apoio a HSP mostra que seus proponentes misturam fenômenos que têm origem diferente: uma coisa é a manifestação mediúnica e outra as lembranças de vidas passadas. Em (6) as duas são supostamente explicáveis via HSP, porém, as circunstâncias com que se manifestam (memória de vida passada em crianças X xenoglossia com transe etc) sugerem fortemente que se tratam de fatos com causas diferentes. Isso acontece porque supõem-se que HSP não tem limites de ação, logo, ela pode dar origem a qualquer comportamento "paranormal".

Com relação a problemas de identificação, toda a dificuldade está relacionada com a ideia que se faz sobre como os desencarnados se manifestam: supõe-se sempre que - obrigatoriamente - devam se comportar exatamente como eram antes de sua morte. Como Kardec argumentou, não existem garantias que determinado nome que assine uma mensagem seja exatamente daquela personalidade a qual ele se refira. Aqui, certamente, os detalhes e mecanismos específicos que regem o fenômeno mediúnico têm papel fundamental e a explicação correta está nas mãos daqueles que fizerem melhor ideia sobre esses mecanismos.

Seria possível invocar a navalha de Occam e resolver a questão? Certamente, nesse nível superficial de abordagem, HSP seria a explicação "mais simples", pelo menos no número de causas (ela só postula a existência de "super-psi"), mas à custa de quê? De se imaginar a mente humana produzindo fenômenos aleatoriamente, em substituição a causas naturais, como uma faculdade praticamente onisciente? De se desprezar as circunstâncias e peculiaridades das manifestações, já que não conhecemos os detalhes do fenômeno e, portanto, tudo vale? Não é cômodo admitir HSP como fenomenologicamente indistinguível de uma causa natural para um fenômeno físico banal como diz a assunção 3?  Será mesmo que não existem os tais "indicadores fenomenológicos" de que fale a hipótese 5? Seria mesmo concebível que habilidades e capacidades possam ser "comunicadas" como admite 7? Diante de todas essas hipóteses "ad hoc", é impossível querer aplicar a navalha.

Somos da opinião que é preciso sondar com muito cuidado os fatos e os dados antes de se aceitar teorias baratas como HSP. No nível de esforço presentemente gasto na investigação dos fatos psíquicos, HSP se apresenta como uma alternativa que "salva as aparências" para aqueles que rejeitam a sobrevivência completamente, mas tem o mérito de aceitar os fenômenos. Ela existe graças a essa falta de esforço e por causa da raridade de alguns fatos psíquicos que não receberam a devida atenção ou adequado tratamento, mas que podem hoje ser "explicados" com base nas escarças descrições remanescentes. Nas palavras de A. Conan Doyle:
É um erro capital teorizar antes de se ter dados. Inconscientemente, começamos a torcer os fatos para se acomodar a teorias e não as teorias aos fatos.
Referências

(1) https://pt.wikipedia.org/wiki/Navalha_de_Occam
(2) https://en.wikipedia.org/wiki/Occam%27s_razor
(3) Newton, Isaac (2011) [1726]. "Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica" (3a edição). Londres: Henry Pemberton. ISBN 978-1-60386-435-0.
(4) Sobre isso ver nosso post: Crenças Céticas XIV.
(5) H. Hart. "Survival versus Super psi". http://www.survivalafterdeath.info/articles/hart/superpsi.htm
(6) S. Braude (1992). Survival or Super-psi? Journal of Scientific Exploration, 6(2), pp. 127-144. http://www.sgha.net/library/jse_06_2_braude.pdf
(7) J. Beischel e A. J. Rock. Addressing the survival versus psi debate through process-focused mediumship research. http://windbridge.org/papers/JP73BeischelRock2009.pdf
(8) M. Sudduth (2009). Super-Psi and the survivalist interpretation of mediumship. Journal of Scientific Exploration, 23(2), pp. 167-193. http://michaelsudduth.com/wp-content/uploads/2016/01/SurvivalMediumship.pdf

12 de janeiro de 2015

O conspiracionismo chega o movimento espírita: a escalada de grupos dogmáticos


"...Conspiração de sociedades secretas que trabalham na sombra para aniquilar o Catolicismo, se elas pudessem; conspiração do Protestantismo que, por uma propaganda ativa, busca insinuar-se por toda parte; conspiração dos filósofos racionalistas e anticristãos, que rejeitam, sem razão e contra toda razão, o sobrenatural e a religião revelada, e que se esforçam por fazer prevalecer no mundo letrado sua falsa e funesta doutrina; conspiração das sociedades espíritas que, pela superstição prática da evocação dos Espíritos, entregam-se e incitam os outros a entregar-se à pérfida maldade do espírito de mentira e de erro..." (Discurso do Bispo de Langres, Haute-Marne, publicado na Revue Spirite, Junho de 1864. Leiam comentários de Kardec sobre o trecho).

O movimento espiritualista de forma geral sempre teve que se defender de alguma forma de seus próprios "teóricos de conspiração". Críticos ferrenhos dos primeiros tempos, desde as irmãs Fox, acusavam de forma indiscriminada médiuns e instituições que se reuniam no movimento nascente. Segundo essas teses conspiracionistas, médiuns teriam como objetivo apenas enganar pessoas e fazer prevalecer seus interesses. Instituições dariam endosso a médiuns de forma a facilitar sua aceitação. Haveria assim uma vasta rede de interesses ocultos tentando ludibriar mentes inocentes e descuidadas.

Segundo a Wikipedia (1), uma teoria de conspiração é definida como:
Uma proposição explicativa que acusa duas ou mais pessoas, um grupo ou uma organização de ter causado ou estar acobertando, através de planejamento secreto e ação deliberada, eventos ou situações danosas ou ilegais.
Qual seria a principal força a alimentar o conspiracionismo? Ainda segundo essa referência (2):
Alguns acadêmicos sugerem que pessoas formulam teorias de conspiração para explicar, por exemplo, relações de poder em grupos sociais e a percepção de forças do mal. Outros sugerem que teorias de conspiração têm origem principalmente psicológica e sócio-política. Origens psicológicas propostas incluem a projeção: o indivíduo sente a necessidade de explicar "um evento significativo com uma causa igualmente significativa", ou o produto de vários estágios de desordem mental, tal como disposições paranoicas que chegam ao extremo de doenças mentais diagnosticáveis. Há pesquisadores que preferem explicações sócio-políticas como a insegurança de se lidar com eventos aleatórios, imprevisíveis ou, de outra forma, inexplicáveis.
Visto dessa forma, o ceticismo sistemático contra médiuns seria uma espécie de paranoia conspiracionista que explicaria "racionalmente" fatos e fenômenos inexplicáveis, restabelecendo o controle. É através da Wikipedia (1) que vamos encontrar outra definição de conspiracionismo, dessa vez do acadêmico C. Berlet (3):
Conspiracionismo é uma forma narrativa particular de criação de bodes expiatórios que assume a existência de inimigos demonizados como parte de uma vasta e insidiosa conspiração contra o bem comum, enquanto considera como herói quem chama a atenção para a conspiração. 
Portanto, segundo Berlet, o conspiracionismo é primariamente um esforço pessoal ou de grupos que se acham investidos de uma missão de salvação. Esses grupos ou indivíduos sentem grande prazer em serem identificados como salvadores cuja tarefa é livrar a sociedade ou um grupo maior da influência maléfica do grupo dominante. Isso se inicia e, frequentemente se limita, a atividades de denúncia sistemática da conspiração.

Não que conspirações jamais tivessem sido descobertas na história. Elas o foram, mas envolveram grupos pequenos, com objetivos bem particulares e não permaneceram ocultas por muito tempo. Evidências de conspirações limitadas inflam ainda mais a paranoia de supostas conspirações em andamento, envolvendo milhares de pessoas, que parecem nunca ter fim e que alimentam ainda mais a necessidade de salvação.

Teóricos de conspiração no movimento espírita
Dizer que a fé ortodoxa está ameaçada é confessar a fraqueza de seus argumentos. Se ela é fundada na verdade absoluta, ela não pode temer nenhum argumento contrário. Dar alarme em tal caso é falta de habilidade. (A. Kardec, Revista Espírita, Junho de 1864).
Ora, isso é o que se vê entre grupos dogmáticos ou "reformistas", que se consideram espíritas melhores dos que outros e que se veem investidos da missão de livrar o Espiritismo de deturpações e de desvios do que para eles é a "ortodoxia". Investem-se como propõe Berlet no papel de "salvadores" ou "heróis" ao soar o alarme da existência de uma conspiração dentro do movimento espírita.

Segundo eles o movimento espírita estaria irremediavelmente perdido nas mãos de manipuladores de federações e de interesses de editoras ávidas por lucros e que veem nesse movimento apenas um mercado. É uma explicação que racionaliza de forma aparente um fenômeno incontrolável provendo um sentido e uma sensação de ganho de controle (4):
Segundo professor Stephan Lewandowsky, cientista cognitivo da Universidade da Austrália Ocidental, grandes proponentes de teorias de conspiração usualmente experimental um sentimento de falta de controle. Uma teoria [de conspiração] ajuda o crente a readquirir senso de ordem por explicar eventos extraordinários. Conhecer alguns fatos pode até trazer sentimento de poder. Lewandowsky declara que a crença em conspirações pode servir como mecanismo de proteção ao horror a desastres possíveis.
Com base nessa conspiração oculta, seria necessário livrar o Espiritismo de seu envolvimento com ideias e manias que não são reconhecidas como "genuinamente espíritas". É claramente uma tarefa impossível e inútil fazer com que um povo inteiro, de um momento para outro deixe de se ater a comportamentos atávicos adquiridos ao longo de séculos de cultura e crenças religiosas herdadas. É portanto um fenômeno facilmente compreensível que o movimento espírita sofra influência de outras religiões e de, principalmente, movimentos espiritualistas. A presença de elementos considerados estranhos por tais grupos é tomado como evidência de uma conspiração em curso, ainda mais como, aparentemente, sociedades e instituições "oficiais" parecem "nada fazer" para deter o comportamento.
Em parte isso acontece porque é mais consolador acreditar que as dificuldades e conflitos nas coisas humanas se devem aos seres humanos do que a fatores fora de controle. A crença na existência de um grupo conspirador é um dispositivo a reafirmar que certos acontecimentos não são aleatórios, mas ordenados pela inteligência humana. Isso faz com que esses fatos sejam compreensíveis e potencialmente controláveis. Se uma quadrilha de conspiradores pode ser identificada em uma sequência de eventos, há sempre a chance, embora pequena, de acabar com seu poder - ou juntar-se a eles na esperança de ter parte desse poder (5).
Ideal de "pureza doutrinária": a verdade estaria nas interpretações que apenas esses grupos podem dar. Para limitar o que se acredita, barreiras são erguidas com base em critérios supostamente bem estabelecidos. Um deles seria o "critério da concordância universal". Dentro desses grupos, repete-se à exaustão que esse critério foi usado amplamente em cada detalhe ou informação contida em "O Livro dos Espíritos". Com isso, conspiracionistas pretendem censurar qualquer tipo de informação mediúnica em divergência com o que pensam. Em termos práticos, a mera repetição da necessidade da aplicação desse critério funciona como arma retórica e barricada psicológica que frequentemente leve ao ceticismo.

Comportamento extravagante: dizem seguir Kardec e Jesus mas, na maior parte do tempo, estimam fazer prosélitos e discursos que beira o ódio contra instituições e médiuns respeitáveis. O comportamento é justificado como parte da missão salvacionista de livrar o movimento espírita do que consideram como o núcleo da conspiração, ainda que os atos praticados, linguagem e termos usados estejam em desacordo com os ideais de fraternidade, respeito e liberdade pregados pelos fundadores do Espiritismo. Infelizmente, "os fins não justificam os meios" e nenhum ideal de reforço das bases, chamadas para o "estudo do verdadeiro Espiritismo", de "fidelidade a Kardec", feito sem fraternidade e respeito, poderá servir de justificativa para esses ataques.

Pregam um ideal de cientificidade. O movimento espírita nos últimos 100 anos erroneamente se envolveu com religião e não fez "ciência". O ideal de pureza e coerência pregado pelos salvadores reformistas acredita que a ciência é um movimento organizado e coerente. É natural que nela se inspirem. É dessa ciência que alguns deles pretendem instaurar um método automático de geração de conhecimento, de proibição a determinadas crenças e teses, desconhecendo amplamente tanto a história da ciência como ela realmente funciona. A verdade é que a imensa maioria dos líderes dos movimentos reformistas, com exceções ainda a serem registradas, jamais participou de qualquer atividade genuinamente científica. Mesmo assim, pretendem fazer ciência no Espiritismo. Talvez um dia façam, mas terão primeiro que arranjar bastante tempo extra além de se ocupar em atacar o movimento que os abrigam.

Infelizmente, o remédio prescrito pelo reformistas é muito pior do que a doença: não será com ataques sistemáticos e reforço do ceticismo que se corrigirá desvios doutrinários e falta de apreço ao estudo de nosso povo. Há que se ter espírito de compreensão e fraternidade. Reformistas de plantão devem entender que muito mais importante do que instalar os objetivos que pregam é fazer com que as palavras estejam de acordo com os atos, o que, infelizmente, ainda está longe de ser o caso.

Referências

(1) http://en.wikipedia.org/wiki/Conspiracy_theory: "A conspiracy theory is an explanatory proposition that accuses two or more persons, a group, or an organization of having caused or covered up, through secret planning and deliberate action, an illegal or harmful event or situation."

(2) http://en.wikipedia.org/wiki/Conspiracy_theory: "Some scholars suggest that people formulate conspiracy theories to explain, for example, power relations in social groups and the perceived existence of evil forces. It has been suggested by some thinkers that conspiracy theories have chiefly psychological or socio-political origins. Proposed psychological origins include projection; the personal need to explain “a significant event [with] a significant cause;" and the product of various kinds and stages of thought disorder, such as paranoid disposition, ranging in severity to diagnosable mental illnesses. Some people prefer socio-political explanations over the insecurity of encountering random, unpredictable, or otherwise inexplicable events."

(3) Berlet, Chip; Lyons, Matthew N. (2000). Right-Wing Populism in America: Too Close for Comfort. New York: Guilford Press. ISBN 1-57230-562-2.: "Conspiracism is a particular narrative form of scapegoating that frames demonized enemies as part of a vast insidious plot against the common good, while it valorizes the scapegoater as a hero for sounding the alarm".

(4) http://en.wikipedia.org/wiki/Conspiracy_theory: "Professor Stephan Lewandowsky, a cognitive scientist at the University of Western Australia, asserts that strong supporters of conspiracy theories usually experience a feeling of lack of control. A theory can help a believer regain a sense of order explaining some extraordinary events. Knowing some facts can even bring the feeling of power. Lewandowsky states that belief in conspiracies can be a protective mechanism against the horror of possible disasters."

(5) http://en.wikipedia.org/wiki/Conspiracy_theory:  This is in part because it is more consoling to think that complications and upheavals in human affairs are created by human beings rather than factors beyond human control. Belief in such a cabal is a device for reassuring oneself that certain occurrences are not random, but ordered by a human intelligence. This renders such occurrences comprehensible and potentially controllable. If a cabal can be implicated in a sequence of events, there is always the hope, however tenuous, of being able to break the cabal's power – or joining it and exercising some of that power oneself. Finally, belief in the power of such a cabal is an implicit assertion of human dignity – an often unconscious but necessary affirmation that man is not totally helpless, but is responsible, at least in some measure, for his own destiny.

24 de novembro de 2014

XXVI - Pequeno manual de falácias não formais com exemplos do ceticismo (4)

Quarta parte da série de posts sobre falácias, com exemplos tirados do ceticismo. Para o post anterior dessa série clique aqui.

Será que cães andam de bicicleta?

Um cético pode argumentar que essas imagens são de um embuste, onde um anão (ou uma criança) vestido de cachorro pretende convencer pessoas de boa fé de que cães podem andar de bicicleta. Os detalhes claramente indicam isso: o "cachorro" é grande, o que facilitaria a farsa, o cão tem pelos longos, o que tornaria a fantasia mais realista, o "cão" tem dificuldades em conduzir a bicicleta - seus olhos podem estar parcialmente encobertos dificultando o controle do veículo etc. Além disso, cachorros nunca foram vistos andando de bicicleta em circunstâncias insuspeitas. Para ele, a evidência é claramente uma fraude...


Falácia do acidente (Dicto Simpliciter) e generalização apressada (acidente convertido).

Um tipo muito comum de erro de argumentação ocorre quando evidências se apresentam de forma estatística, ou seja, não acontecem sempre que determinadas circunstâncias são observadas. Há ocorrências que se mostram de forma espalhada, algumas vezes de forma recorrente, de outras vezes  rara, compondo uma imagem aparentemente inconclusiva para quem não percebe, com atenção devida, nuances mínimas que as diferenciam. De outras vezes, as características que distinguem um caso são tão raras que eles são facilmente desprezados. 

A falácia do acidente e de generalização apressada são dois tipos de falácia relacionadas e que surgem de forma "inversa". No primeiro caso (acidente), ocorre quando uma exceção é simplesmente ignorada na formação de uma regra geral. Já apresentamos aqui o caso da "Avestruz cética e do peru indutivista" (2). Nessa estória, o pobre peru acreditou que nada poderia acontecer a ele porque todas as evidências da véspera do natal nada indicavam que ele seria morto para a ceia. Essa estorinha se apresenta como um paradigma para o induvitismo ingênuo que é bastante comum na argumentação cética. 

No segundo caso (acidente convertido) a generalização é tomada como a própria exceção. A Fig. 2 é uma síntese dessa falácia. É logicamente possível afirmar que "existem patos brancos".  Mas, um cético, a quem essa conclusão não agrade, ao observar apenas a existência de alguns casos de cor preta, terá prazer em generalizar: "todos os patos são pretos".

Fig. 2 Acidente convertido: a exceção torna-se a regra.
Na vida real, e, principalmente, com os fenômenos psíquicos e espíritas, a situação não é tão simples assim. Nesses casos mais complexos ocorre:
  • Existência do que lógicos chamam de 'silogismo estatístico'. Ou seja, não é sempre verdade que A se comporte como B-nunca-visto; algumas vezes isso ocorre. Dai a inferência feita é frequencial, quanto mais acontece, mais "força" ganha o argumento;
  • Comparação mal feita entre A e B que leva à generalização. De fato, A não se assemelha com B em todas as aparências, mas apenas em algumas, o que é suficiente para criar a generalização;
  • Má vontade ou ponto de vista abertamente contrário à aceitação de uma evidência aparentemente extraordinária que leva à generalização apressada por sua falsidade. 
A fenomenologia psíquica sempre foi estigmatizada por céticos que "colocam em um mesmo cesto" todos os médiuns pelo fato de se terem reportados médiuns que fraudaram. Esse ponto foi bastante discutido por Kardec (3):
Do fato de haver charlatães que preconizam drogas nas praças públicas, mesmo de haver médicos que, sem irem à praça pública, iludem a confiança dos seus clientes, seguir-se-á que todos os médicos são charlatães e que a classe médica haja perdido a consideração que merece? De haver indivíduos que vendem tintura por vinho, segue-se que todos os negociantes de vinho são falsificadores e que não há vinho puro? De tudo se abusa, mesmo das coisas mais respeitáveis e bem se pode dizer que também a fraude tem o seu gênio. Mas, a fraude sempre visa a um fim, a um interesse material qualquer; onde nada haja a ganhar, nenhum interesse há em enganar. Por isso foi que dissemos, falando dos médiuns mercenários, que a melhor de todas as garantias é o desinteresse absoluto.
Como na representação da Fig. 2, para os céticos, "todos os médiuns são desonestos", porque alguns (mal intencionados) foram pegos a fraudar. Como é previsível, quanto mais rara for a ocorrência mediúnica - como no caso dos fenômenos de efeitos físicos - tanto maiores serão as acusações de fraude não apenas por causa da raridade, mas pelo caráter extraordinário e "facilmente" replicável das aparências (ver "Teoria das evidências fotográficas e de outros tipos", 4). 

Infelizmente, com a imensa maioria das ocorrências naturais, a natureza é muito mais extraordinária e complexa que o raciocínio humano ordinário consegue compreender. 

Referências

(1) Fallacy-a-day Podcast. Excelente blog sobre falácias.
(3) A. Kardec, "O Livro dos Médiuns", II Parte, "Das manifestações espíritas", Capítulo XXVIII - Do charlatanismo e do embuste, Fraudes espíritas. (versão IPEAK).

20 de outubro de 2014

Crenças céticas XXV: comentários à argumentação cética de um grande estudo em NDE.

A página Science Alert (1) postou um texto sobre um importante trabalho médico (realizado como escopo do projeto AWARE) sob a direção do Dr. Sam Parnia (2). Outro texto sobre esse trabalho de Parnia pode ser lido no blog "The Telegraph" (3) e aqui.

O "The Telegraph" se abriu para opiniões de leitores. Essas opiniões se apresentam mais como um amontoado de reações inconformadas com o trabalho de Parnia et al. Elas vão desde argumentos "ad hominen" (ou seja, que colocam em dúvida a credibilidade científica de Parnia) até argumentos "bíblicos". A partir da publicação do artigo, os comentário claramente se dividem entre três grupos:
  • Os que aceitam o trabalho e que acreditam na vida após a morte por diversas razões;
  • Os que não aceitam o trabalho e o negam de diversas formas que pretendem ser "científicas" (materialistas, ateus e agnósticos);
  • Os que não aceitam o trabalho porque ele contraria a bíblia.
Raros comentários demonstram que seus opositores leram e compreenderam o trabalho que passam a criticar. Vamos comentar algumas dessas opiniões céticas. (Atenção: os comentários em inglês originais estão em "Referências e Notas").

Iniciamos por este:
Wim Borsboom: Qualquer que seja o estado do morto depois do que se chama "morte", ele não poderá ser chamado de "vivo" porque, etimologicamente, a palavra "life" deriva de uma versão proto-germânica que pode ser traduzida em inglês como "corpo": A palavra "life" (inglês arcaico 'lif') é derivada da raiz proto-germânica 'libam', que tem os seguintes cognatos: 'lijf' (Holandês) para 'corpo' e 'Leib' (Alemão) para 'corpo'.
Temos aqui um especialista em semântica de línguas antigas que desvia totalmente o assunto para uma questão irrelevante. Para ele, não interessa qual o resultado do trabalho porque, por definição, alguém sem corpo não é vivo de qualquer jeito.
hjp70: Quão científico é essa pesquisa (?). Vejamos: 2060 casos dos quais 330 se recuperaram. Isso dá 16%. Isso significa que 84% não puderam ser entrevistados porque morreram. Desses, 300, somente 140 disseram que eles experimentaram algo. 190 não afirmaram nada disso, o que é 58% daqueles que retornaram. Os 140 são apenas 6,8% do grupo de estudo de 2060. Dificilmente isso será  um estudo científico de "vida após a morte" como é chamado. Temos um longo caminho pela frente com isso, mas, como sempre, é também algo que grupos religiosos dizem que "não pode ser negado".  
Aparentemente esse crítico leu os números da estatística apresentada por Parnia et al. Porém, seu argumento explora relações quantitativas decrescentes (que estão presentes com qualquer tipo de fenômeno raro) de forma a invalidar o estudo. Ao se aplicar o raciocínio desse crítico a outros experimentos científicos (que apresentam taxa muito inferior a frequência de 1 caso em 1000 de relatos confirmados de experiência), jamais seria possível ter avanço em muitas áreas do conhecimento (5). Há duas tentativas de descaracterização aqui: i) não reconhecer que o trabalho conseguiu levantar as frequências relativas de eventos; ii) desconsiderar os casos que não podem ser explicados por nenhuma teoria da consciência reducionista do presente.  A última frase do crítico mostra que ele está preocupado com o apoio que o trabalho daria a ideias religiosas. 
arumat: Eles não estavam mortos porque voltaram a viver depois de alguns segundos. Tragam alguém que voltou depois de algumas horas e então conversaremos.
Eis alguém que dita regras à natureza. É como se pudéssemos exigir que os fenômenos se apresentassem de determinada maneira para que pudéssemos acreditar. Esse crítico está longe de considerar a teoria aceita presente sobre o estado do cérebro de pacientes que se encontram na situação descrita em Parnia et al. Ora, fatos são fatos e a evidência traz relatos de experiências de quase-morte com duração de vários minutos. Esse é o núcleo do problema a ser explicado independente de sua duração real.   
Chris Corbett: A afirmação de que o cérebro não pode funcionar quando o coração para de bater é patentemente falsa e o único método de estabelecer por quanto tempo a atividade cerebral continua depois da parada cardíaca é colocando o paciente em uma máquina de MRI ao invés de ressuscitá-lo. Isso não vai acontecer por razões óbvias. Quem quer que conheça um mínimo de ciência cognitiva sabe que memórias são notoriamente não confiáveis. Memórias de eventos ou estados de consciência que aparentemente se referem a períodos quando o cérebro esteve inativo não são evidência de nada. Então, ou as memórias são falsas e apenas racionalizações post-hoc ou elas são evidência de que o cérebro estava, de fato, ativo por certo tempo. Tenho memórias distintas de que voei como Peter Pan acima da árvore do meu jardim quando criança e olhando desde cima a cena. Mas, eu voei realmente? Como foi que adquiri essas memórias? Elas foram, naturalmente, resultado de um sonho.
Essa é, certamente, a melhor das críticas, pelo menos aparentemente. Não há dúvidas que uma opção de conclusão às evidências apresentadas em Parnia et al. é que algum tipo de atividade cerebral deveria estar envolvida para que as memórias fossem descritas tais quais são. Entretanto apontamos: 
  1. Tecnicamente é preciso considerar o grau de acurácia de detecção de equipamentos de tomografia versus EEG (eletroencefalograma) ou do tipo usado pela pesquisa. Como o crítico bem coloca, é quase impossível fazer isso. De qualquer forma, não é suficiente acreditar que uma tomografia daria resultados mais precisos  nesse caso porque tomógrafos retornam um tipo de informação diferente de EEGs; 
  2. É necessário reconhecer o valor do tipo de descrição feita pelo paciente (o que implica em aceitar o contexto em que ela ocorre que é distinto da ocorrência dos sonhos). Pacientes afirmam ter tido a experiência de outro ângulo da sala, ou seja, de uma perspectiva que não é de alguém deitado, de eventos que ocorreram de fato enquanto o cérebro estava moribundo. Ou seja, o paciente "sonhou" algo que aconteceu de fato. Esse tipo de detalhe é completamente desconsiderado pela crítica.
Nesta referência (6), um grande especialista em EEGs (Dr. John Greenfield, Universidade de Toledo) contesta explicações puramente técnicas que invalidam tais relatos, assim como a suposta maior precisão de outro tipo de técnica ao uso de EEG.

Segundo o Dr. John Greenfield (6), não há razões para se acreditar que um EEG em linha (que caracterizaria morte cerebral) não correlacione muito bem com total ausência de atividade no cérebro. Portanto, o mistério continua com relação a pacientes que descrevem experiências enquanto têm EEG em linha durante NDEs.
pippilongstocking: Eclesiastes 9:5 "...os mortos nada sabem..."
Por fim, encontramos grupos de religiosos que se escoram na autoridade de textos antigos para decidir a verdade sobre o assunto. Embora a ciência tenha demonstrado sistematicamente a precariedade do conhecimento da Bíblia em relação a muitas coisas do mundo natural, há pessoas que ainda creem que ela é autoridade incontestável em muitas outras matérias. 

Conclusão

O principal problema a negar as evidências como as apresentadas pelo trabalho de Parnia et al. é a incapacidade que críticos têm em manter visão integrada do fenômeno. Críticos que focam apenas nos aspectos técnicos frequentemente desprezam os componentes semânticos e informacionais dos relatos que acabam sistematicamente desprezados. Ainda assim, o  trabalho de Parnia et a. está no limite da técnica atual, sendo possível desqualificar muitas das críticas feita a ele por céticos técnicos mal informados.

Deficiências nas teorias presentes sobre o comportamento da consciência em seus estados alterados fazem com que vários aspectos das experiências sejam simplesmente ignorados. Se as memórias de pacientes de experiência de quase morte correspondem a sonhos, elas também se caracterizam como um tipo muito peculiar ou inexplicável de sonho. Imagine que alguém dormindo pudesse descrever situações confirmadas por outros em vigília. A alta correlação observada entre os relatos e as situações apontam para ganho de conhecimento de forma anômala. Se alguém sonha com a realidade enquanto dorme é porque esteve em contato com essa realidade de alguma forma desconhecida.

Portanto, trabalhos futuros em torno de experiências de quase morte devem privilegiar menos aspectos médicos e terapêuticos e se concentrar  na análise dos relatos, bem como no estabelecimento de correlações entre esses relatos e as ocorrências em torno dos pacientes. 

Referências e notas

1 -  Bec Crew (2014), "Largest study on resuscitated patients hints at consciousness after death": http://sciencealert.com.au/news/20140810-26301.html

2 - S. Parnia et al. (2014). "AWARE—AWAreness during REsuscitation—A prospective study." http://www.resuscitationjournal.com/article/S0300-9572(14)00739-4/pdf

3 - S. Knapton (2014). "First hint of 'life after death' in biggest ever scientific study" http://www.telegraph.co.uk/science/science-news/11144442/First-hint-of-life-after-death-in-biggest-ever-scientific-study.html

4 - Textos originais em inglês conforme foram postados.
Wim Borsboom :Whatever the state of a deceased is, after what is usually called "death", it should really not be called "life", because etymologically the word "life" derives from a Proto-Germanic word that is translated in English as "body": The word "life" (Old English 'life', 'lif') is derived from a Proto-Germanic root '*libam' which has as current cognates: 'lijf' (Dutch) 'body' and 'Leib' (German) 'body'. 
hjp70 How scientific is this research.Lets see 2060 cases of which 330 recovered.That is 6%. hat means 84% could not be asked because they died.Of the 330 only 140 said they experienced something 190 didn't which is 58% of those that recovered.The 140 is only 6.8% of the study group of 2060.Hardly a scientific study of "life after death" as it is called.A long way to go with this but as always with something that religious groups espouse to "it cannot be disproved". 
arumat : They weren't dead if they came back to life after a relatively few seconds. Let them bring someone back after a few hours and we'll talk.
Snakey_Pete: No detectable electrical activity is different to no electrical activity. These people were able to describe their experience of hearing the machine 'beep' and their emotional state at the time. They had memory of it. The auditory cortex and limbic system must be active for these memories to have been formed for the individual to recount on waking. 
Chris Corbett: The claim that ""We know the brain can't function when the heart has stopped beating" is patently false and the only certain method of establishing how long brain activity continues after cardiac arrest is to stick them in a MRI machine instead of resussitating them. This is not going to happen for obvious reasons. It is well known to anyone with even a passing knowledge of Cognitive Science that memories are notoriously unreliable. Memories of events or states of awareness that apparently refer to periods when the the brain was inactive are not evidence of anything. If the brain is inactive, it cannot be capable of laying down memories. So either the memories are false and mere post-hoc ationalisations or they are evidence that the brain was in fact active to some extent at that time. I have distinct memories of flying like Peter Pan above the tree in my garden as a child and looking down at the scene below me. Did I really fly? How did I come by these memories? They were, of course, the result of a dream. 
pippilongstocking. "Ecclesiastes 9:5 "...the dead know not anything..."
5 - É interessante considerar que uma chance de falha da ordem de 1/1000 em um sistema físico é considerada um tipo de falha classe "C" ou moderada. Sobre isso ver a norma militar MIL-STD-1629A (1980). Quando se considera uma grande população, o número de pessoas que têm "experiências verídicas" de NDE não é desprezível, o que invalida completamente o argumento cético.

6 - "EEG Expert can't explain NDE data... And. Dr. Penny Sartori finds more than Hallucinations in NDE accounts." ou "Especialista em EEG não consegue explicar dados de experiências de quase-morte. E, o o Dr. Penny Sartori vê mais que alucinações em relatos de NDEs". (http://www.skeptiko.com/eeg-expert-on-near-death-experience/)

7 de maio de 2014

Crenças Céticas XXIV - Pequeno manual de falácias não formais com exemplos do ceticismo (3)

Fig. 1 "Médicos fumam o cigarro Camels mais do que qualquer outro".
Terceira parte da série de posts sobre falácias de relevância, com exemplos tirados do ceticismo. Para o post anterior dessa série clique aqui.

Falácia de relevância: Argumentum ad Autoritatem
É importante dizer que o argumento da autoridade não constitui sempre uma falácia. A base do argumento é que determinada afirmação é verdadeira porque alguém, entendido no assunto, disse que assim é ou não é. O problema com esse tipo de argumento ocorre quando a autoridade não está absolutamente garantida ou quando ela é falsa. Portanto, a validade do argumento é uma probabilidade que vai a zero quando o argumento tem base em falsa autoridade. Em assuntos onde essa autoridade é aplicável, o argumento é válido sob determinadas condições.

A Fig. 1 é um exemplo interessante e até cômico disso. Trata-se de uma propaganda antiga do cigarro Camel. A imagem é de um médico com um cigarro (justaposta a uma imagem da marca). A propaganda pretende induzir fumantes a consumirem o cigarro Camel porque ele é o mais fumado entre médicos. Há várias mensagens implícitas nessa propaganda. Uma delas é que médicos também fumam, o que significa que fumar não seria tão ruim assim para a saúde. Mas, como a imagem do cigarro está associada à perda progressiva de saúde, então, fumar cigarro dessa marca é preferível porque médicos, os especialistas em saúde humana, fumam mais dele!

É costume também chamar esse tipo de falácia de argumentum ad vericundiam (ref. 1, recurso à autoridade desqualificada, Fig.2). Simplesmente porque alguém é uma grande autoridade qualificada em determinado assunto (principalmente quando esse assunto é considerado relevante), não dá a ela autoridade sobre qualquer outro.

Disso surgem inúmeros usos indevidos, na defesa dos mais diferentes pontos de vista. No campo das controvérsias científicas ou assuntos de fronteira, a aplicação desse argumento é generalizada.

Fig. 2 A base da falácia está no fato de que Y, embora seja autoridade em alguma coisa, não está qualificada para julgar a proposição X.

No campo da  fenomenologia psíquica...

Dentre os argumentos listados em (2), encontramos este, que representa a opinião típica expressada por céticos dos fenômenos mediúnicos ou psíquicos:
Não me interessa quão boa a sua evidência é, não acredito nela até que a maioria dos cientistas também a aceite. A evidência que você apresenta não pode estar certa porque isso significa que centenas de livros texto ou milhares de especialistas estão errados. (3)
A base do argumento é, claramente, a opinião de especialistas que teriam uma suposta autoridade na qualificação ou não de uma evidência. Aqui temos um exemplo que se confunde com a falácia ad Populum, uma variedade de falácia com base na quantidade dos que sustentam opinião contrária.  Na mesma linha, encontramos (4):
Sua evidência não pode ser real porque não é possível que milhares de pesquisadores não a tenham percebido antes durante todos esses anos. Se sua descoberta fosse real, cientistas que trabalham nesse campo já estariam sabendo.

Não importa se a evidência está relacionada a um evento raro ou se exige condições especialíssimas (que nunca foram obtidas por estudos acadêmicos em momento algum do passado), esse tipo de argumento parece fazer sentido aos que se ligam ao argumento da autoridade. É um tipo de enceguecimento da mente, que obsta uma compreensão dilatada das coisas, e que cria uma separação entre a realidade e aquilo que é popularmente aceito, que acaba valendo mais no contexto das opiniões prontas do momento.

Embora esse argumento seja logicamente equivocado, não deixa de ter profunda influência na cabeça de muitas pessoas e atinge até decisões de investimento quando se trata de definir áreas de investigação na fronteira do conhecimento ou em campos potenciais onde a pesquisa científica financiada publicamente jamais se aventurou.

Kardec sobre o argumento.

Também na época de Kardec, houve céticos que invocaram o argumento da autoridade para desqualificar tanto a teoria espírita dos fenômenos como eles próprios. Sobre isso, Kardec pondera (5):
Com relação às coisas notórias, a opinião dos cientistas é, com toda razão, fidedigna, porquanto eles sabem mais e melhor do que o vulgo. Mas, no tocante a princípios novos, a coisas desconhecidas, essa opinião quase nunca é mais do que hipotética, visto que eles não se acham, menos que os outros, sujeitos a preconceitos. Direi mesmo que o cientista tem, talvez, mais preconceitos que qualquer outro, porque uma propensão natural o leva a subordinar tudo ao ponto de vista donde mais aprofundou os seus conhecimentos: o matemático não vê prova senão numa demonstração algébrica, o químico refere tudo à ação dos elementos, etc. Aquele que se fez especialista prende todas as suas idéias à especialidade que adotou. Tirai-o daí e o vereis quase sempre desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo cadinho: conseqüência da fraqueza humana. Assim, pois, consultarei, do melhor grado e com a maior confiança, um químico sobre uma questão de análise, um físico sobre a potência elétrica, um mecânico sobre uma força motriz. Hão, porém, de permitir-me, sem que isto afete a estima a que lhes dá direito o seu saber especial, que eu não tenha em melhor conta suas opiniões negativas acerca do Espiritismo, do que o parecer de um arquiteto sobre uma questão de música. (Grifos nossos)
Essa passagem demonstra que Kardec já expressava talvez a opinião mais lúcida de sua época com relação a críticos que insistem em contrapor a autoridade científica a fenômenos que não fazem parte de seu escopo (pelos quais ela não se interessa). É bastante evidente que a especialização, embora tenha a enorme vantagem de prover tempo dedicado ao estudo de um determinado assunto, limita a abrangência ou visão com relação a quaisquer fatos ou fenômenos fora dela. 

Isso acontece frequentemente mesmo dentro da atividade acadêmica normal, onde a opinião de um cientista de uma determinada área pode se mostrar deficiente se aplicada a outros tipos de fenômenos (os que são verdadeiramente sensatos reconhecem suas limitações). Imaginemos agora o que poderíamos esperar com fenômenos totalmente diversos daqueles observados na natureza material. 


Referências e notas


(1) http://philosophy.lander.edu/logic/authority.html 
(2) W. J. Beaty (1996) Symtoms of pathological skepticism. http://www.eskimo.com/~billb/pathsk2.txt (Acesso em 2014)

(3) Texto original em inglês: I don't care how good your evidence is, I won't believe it until the majority of scientists also find it acceptable. Your evidence cannot be right, because it would mean that hundreds of textbooks and thousands of learned experts are wrong.

(4) Your evidence cannot be real because it's not possible that thousands of researchers could have overlooked it for all these years. If your discovery was real, the scientists who work in that field would already know about it.

(5) Kardec A. "O Livro dos Espíritos", Introdução ao estudo da Doutrina Espírita , VII. Texto de www.ipeak.com.br