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2 de novembro de 2020

Comentários a um trabalho recente sobre psicografias


Fazemos aqui alguns comentários ao trabalho recente de Freire et al "Testando a alegada escrita mediúnica: um estudo experimental controlado", apresentado na lista de referências como a Ref. [1] e citado em [1b]. Nosso objetivo é fazer uma apreciação inicial dele, sobre como seus resultados podem ser interpretados diante de eventuais críticas ou contra-críticas - tanto espíritas como céticas.

Resumo

Por ser bastante elucidativo como apresentação, traduzimos abaixo o resumo de [1]:

Contexto: a mediunidade é entendida como um tipo de experiência espiritual em que uma pessoal (isto é , um médium) diz estar em comunicação com, ou sob o controle de seres espirituais. Nas últimas décadas, ressurgiram estudos sobre aspectos psicológicos, psiquiátricos e neurocientíficos da mediunidade, assim como estudos avaliando alegações de que médiuns podem obter informação anômala de pessoas falecidas.

Objetivo: avaliar a evidência da recepção de informação anômala de pessoas falecidas em textos produzidos através da alegada mediunidade de escrita (cartas psicografadas) sob rigorosas condições eperimentais de controle.

Método: oito médiuns e 94 consulentes participaram no estudo. Dezoito sessões de escrita mediúnica foram realizadas usando consulentes organizados em protocolo duplo-cego. Depois, cada consulente recebeu uma carta alvo e cinco cartas de controle pareadas por gênero e idade. Os consulentes pontuaram às cegas a acurácia das seis cartas tanto com conforme uma escala global como para cada um dos itens objetivamente verificáveis de informação apresentada nas cartas. Pontuações de cartas de controle e tratamento foram comparadas. 

Resultados: não houve diferenças na avaliação global e adequação específica das pontuações entre cartas de controle e alvo. Os médiuns envolvidos na pesquisa não foram capazes de mostrar evidências de fornecer informação anômala sobre pessoas falecidas sob condições de controle rigoroso. Discutimos sobre o estabelecimento de um compromisso razoável entre condições ecologicamente válidas e de controle.  

​Não foram poucos as pesquisas desde a época de Kardec que provaram que a mediunidade "não existe" com base em resultados negativos de experimentos. Mas, cada nova negativa sempre foi pontuada por manifestações mais ou menos extraordinárias, obtidas em condições de "inexistência de controle" ou com médiuns igualmente extraordinários que são, entretanto, muito raros.  O consenso presente, envolvendo as chamadas "ciências psi" é de que não é possível reproduzir facilmente (leia-se "replicar à vontade") o fenômeno. De qualquer forma, não foi objetivo do trabalho [1] "provar" qualquer coisa em relação à realidade do fenômeno ou demonstrar sua inexistência.

A seção "Discussão" de [1] discorre sobre três possíveis causas para o resultado negativo: i) que a mediunidade não existe; ii) que os médiuns usados não são, de fato, (bons) médiuns para produzir  fenômeno e; iii) não observância das "condições ecológicas" da manifestação pelo uso das condições de controle rigoroso. Os autores de [1] tomam a maior parte do espaço da seção citada discutindo sobre tais condições ecológicas, e sobre a influência negativa da presença dos consulentes "representantes" (proxy sitters).

Os autores propõem ser desnecessário usar de tais representantes porque "não há realimentação imediata enquanto um médium está escrevendo uma carta psicográfica", ou seja, não ocorreria "cold reading" (leitura fria), supostamente existente em sessões em que médiuns, estando face a face com seus consulentes, "leem mensagens ocultas" nas expressões e gestos  desses últimos, o que permitiria aos primeiros escreverem sobre os parentes falecidos. 

Em síntese: o protocolo usado é uma exigência da teoria cética da leitura fria como causa da mediunidade. Obviamente que isso gerou consequências para o resultado da pesquisa.

O problema da replicabiliade de "psi"

No contexto da parapsicologia, fenômenos psíquicos são explicados pela chamada "hipótese psi". Psi é concebido como uma causa difusa e desconhecida, que é supostamente captada pela mente humana nos "sensitivos".  Alguns parapsicólogos associam faculdades praticamente oniscientes a psi, que pode acessar o passado, o presente e o futuro, e é independente da distância. 

Além disso, psi se comporta como um deus caprichoso: não é possível garantir que atuará da mesma forma em todos os experimentos em que supostamente atuou, nem mesmo se agirá de fato. No trabalho "Porque a maior parte das descobertas em psi são falsas: a crise da replicabilidade, o paradoxo de psi e o mito de Sísifo" [2],  T. Rabeyron explora e fornece uma descrição atualizada das principais interpretações e trabalhos sobre psi. 

O problema da replicabilidade é a tendência observada em estudos (não só em parapsicologia, mas em psicologia e em medicina) de um determinado efeito "deixar de ser observado" ao se tentar replicá-lo posteriormente. Uma das causas imaginadas para isso são as chamadas "práticas de pesquisa questionáveis" que existiriam nos trabalhos iniciais de um pesquisa e deixariam de existir - com o suposto efeito - em trabalhos aprimorados posteriores. 

Conforme analisado por Rabeyron, esse não é, entretanto, o problema de psi. Houve muitas tentativas de replicação em parapsicologia, algumas em que o fenômeno se manifestou, enquanto outras não. O problema parece se relacionar com uma interferência do "observador" (ou experimentador), porque psi supostamente também interage com ele. O experimento do artigo [1], se interpretado segundo psi, seria mais uma instância do problema da replicabilidade. A situação é tão grave que o autor de [2] conclui ser impossível, simplesmente por repetição exaustiva de experimentos (dai a referência ao "Mito de Sísifo"), demonstrar de forma satisfatória o efeito e nem sua causa:

O problema subjacente é que, mesmo se um efeito significativo seja encontrado a cada passo, não há como concluir nada sobre a natureza do efeito e, consequentemente, não há como se produzir conhecimento científico sobre a fonte de psi: ele provém dos participantes? Do experimentador? Ele tem origem em cada experimentador separadamente? Ou ele é uma influência mais forte do primeiro que analisa os dados? Ou, talvez, daquele que projetou o experimento? [2]
O "efeito do declínio" ou "desparecimento de "psi" é então entendido como um problema de replicabilidade genuíno devido à interação do experimento com o experimentador:  
Um experimento de psi é como um ovo onde a casca encerra um sistema organizado fechado. Pode ser possível manter o efeito psi desde que esse envólucro organizacional não seja rompido, isto é, desde que o ovo não seja quebrado para ver o que há dentro. Nessa interpretação, as interações de psi são possíveis desde que o observador não interfira no sistema. Uma vez feito isso, "o jogo acabou". Isso explicaria porque a fonte de psi não pode ser determinada precisamente porque o processo de determinação destruiria as condições necessárias para a emergência de psi. [2]

É importante reconhecer que, em nenhum momento, o trabalho [1] considera a hipótese "psi". Porém, para a comunidade científica em que ele se insere, o resultado podem ser interpretados em função da replicabilidade de psi (ou seja, fora da "hipótese da sobrevivência").

Apelo a Kardec

Numa época em que se fala tanto de Kardec nos meios espíritas (o que é muito bom), como ele procedia nesse tipo de pesquisa? Certamente, não usava o método de "grupo de controle e tratamento" para analisar mensagens psicografadas. Seu procedimento foi desenvolvido ao longo de 15 anos de investigações. Consistia essencialmente  na observação comparada do ambiente onde o fenômeno ocorria na presença de médiuns. Kardec sempre esteve ciente de que o fenômeno, para acontecer, depende de inúmeros detalhes e não apenas do(s) médiun(s). 

Sua advertência justificada em fatos é:

Os fenômenos espíritas diferem essencialmente dos das ciências exatas: não se produzem à vontade; é preciso que os colhamos de passagem; é observando muito e por muito tem­po que se descobre uma porção de provas que escapam à pri­meira vista, sobretudo, quando não se está familiarizado com as condições em que se pode encontrá-las, e ainda mais quando se vem com o espírito prevenido. (Grifos nossos) [3]
Ao longo de mais de uma década, Kardec desenvolveu uma espécie de intuição ou sensibilidade sobre quem seria um bom médium para cada tipo de mediunidade possível. Então, passou a convidar pessoas que ele julgava por essa intuição para as sessões da Sociedade Espírita. É óbvio que, dispondo de bons médiuns desde essa perspectiva e conhecendo as condições de ocorrência do fenômeno [3b], ele conseguiu resultados extraordinários. 

Finalmente, é importante ressaltar a postura de Kardec em suas pesquisas. Ele não considerava a sobrevivência como uma mera "hipótese de trabalho", nem buscou orientar seu trabalho de forma a ressaltar a comunicação com "supostos falecidos". O impacto que essa postura tem sobre o sucesso das manifestações ainda merece ser estudado.

Os médiuns julgados

Recomendamos vivamente ao leitor a leitura do artigo "Médiuns julgados" na Revue Spirite de janeiro de 1858 [4]. Nele Kardec analisa um caso de não replicabilidade obtida com médiuns americanos (ou seja, isso não acontece apenas com "médiuns brasileiros" como destacado em [1b]). Para não cansar nosso leitor, destacamos desse artigo um importante comentário de Kardec:
Essa experiência prova, uma vez mais, da parte de nossos adversários, a absoluta ignorância dos princípios sobre os quais repousam os fenômenos das manifestações espíritas. Entre eles há a idéia fixa de que tais fenômenos devem obedecer à vontade e reproduzir-se com a precisão de uma máquina. Esquecem completamente ou, melhor dizendo, não sabem que a causa deles é inteiramente moral e que as inteligências, que lhes são os agentes imediatos, não obedecem ao capricho de ninguém, sejam médiuns ou outras pessoas. Os Espíritos agem quando e na presença de quem lhes agrada; freqüentemente, quando menos se espera é que as manifestações ocorrem com mais vigor, e quando as solicitamos elas não se verificam. (Grifos nossos) [4]
Eis ai boa parte da razão para a não replicabilidade dos fenômenos psi dada por Kardec em 1858. O leitor deve notar que não estamos a falar nada novo, mas de algo que, logo nas primícias da Codificação, era conhecido. 

Essa descoberta original de Kardec confirma as conclusões do trabalho de Rabeyron [2], porque nunca se produzirá conhecimento sobre a verdadeira causa de psi enquanto não se souber exatamente o que ele é. E não há como saber o que ele é, pois, em grande parte dos experimentos "projetados" para isso, ele se recusa a manifestar...

Conclusão

Com relação ao trabalho [1] nossa conclusão, baseada na seção "Discussão", é que os autores consideram relevante o problema da manutenção das "condições ecológicas" para a replicação positiva do efeito buscado. Tais condições ecológicas concordam com a necessidade de observar ou medir o fenômeno onde ele ocorre, sem amarras metodológicas e sem impor condições que possam destruir a manifestação. Isso concorda com as conclusões de Kardec logo no início da Codificação.

O que então aconteceu? Pode ser que o resultado negativo não se deve à presença dos consulentes proxy (como grupo) sem força de vontade suficiente para permitir comunicação, mas à própria tentativa de forçar comunicações, o que não agradou aos responsáveis "do lado de lá". Pode ser também que alguém (uma única pessoa) tenha atuado como escolho ao experimento (ou várias pessoas). Dado a descrição que fazem dos médiuns (de que eles são considerados bons em relatos "anedóticos" de sessões), a ideia de que a culpa seria deles é mais remota. A "hipótese da sobrevivência" é um fundamento que gera inúmeras consequências: se há comunicação, pode não ser o caso que ela seja possível no intervalo de tempo projetado para o experimento: "é preciso que sejam colhidas de passagem", como diria Kardec.

Se existem problemas de percepção da excelência mediúnica em grupos espíritas no Brasil, eles não serão resolvidos pela aplicação da metodologia do trabalho comentado aqui. Como na época de Kardec, não será simplesmente pela separação entre grupos em "controle" e "tratamento" dos recipientes das mensagens que se resolverá esses problemas. 

Do ponto de vista epistemológico, um experimento é sempre um resultado de uma teoria que tem determinadas hipóteses subjacentes. É importante, entretanto, prever ou considerar o risco de que uma metodologia, baseada em hipóteses que não correspondem à realidade do fenômeno, pode se tornar um escolho para a manifestação dele. Portanto, deve-se considerar protocolos que anulem todas efeitos que não a "hipótese nula", porém, não demais ao ponto de destruir todas as condições para a manifestação dessa mesma hipótese.  

De forma geral: é plenamente justificável em algumas ciências (como é o caso da fisiologia, medicina, sociais etc) estabelecer controles para tornar evidente um efeito. A ideia é que, a aleatorização de amostras e a separação entre grupo de controle e tratamento, elimine todas as condições externas que não aquelas ligadas ao efeito que se pretende tornar relevante. Mas, o que acontece se o fenômeno depender de condições externas para ocorrer? É uma consequência lógica (ou seja, independente da ciência em particular) que, nesse caso, o efeito a ser pesquisado desaparece, não se observando diferenças entre grupo de controle e de tratamento. 

A história da fenomenologia mediúnica mostra que médiuns extraordinários são muito raros. A regra geral é que mesmo excelentes médiuns não podem ser encontrados facilmente. E mais, ainda na presença desses, eles não são capazes de fornecer comunicações conforme desejos ou caprichos dos sitters

Dos problemas discutidos aqui, o mais grave, segundo nosso entendimento, é tentar forçar comunicações. É provável que, mesmo médiuns medianos, comunicações excelentes sejam possíveis, desde que observadas as condições naturais e não forçadas de ocorrência. 

É quando se pretende encerrar o fenômeno dentro de um quadro ou contexto pré-definido que ele deixa de ocorrer. E isso é válido tanto nos ambientes de pesquisa acadêmica do assunto como provavelmente nos muitos ambientes espíritas (independente da nacionalidade) em que comunicações são buscadas "a qualquer preço". 

Referências e comentários adicionais

[1] E. S. Freire et al. Testing alleged mediumistic writing: An experimental controlled study. EXPLORE, 2020. https://doi.org/10.1016/j.explore.2020.08.017

[1b] J. Sampaio (2020). Muitos resultados negativos na análise de cartas psicografadas por médiuns brasileiros. Disponível em: http://espiritismocomentado.blogspot.com/2020/10/muitos-resultados-negativos-na-analise.html (acesso em outubro de 2020)

[2] Rabeyron, T. (2020). Why most research findings about psi are false: the replicability crisis, the psi paradox and the myth of Sisyphus. Frontiers in Psychology, 11, 2468. https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2020.562992/full (Acesso em outubro de 2020)

[3] A. Kardec. O que é o Espiritismo? Capítulo I - Pequena conferência Espírita, Primeiro diálogo - O crítico. Versão www.ipeak.com

[3b] Tanto isso é verdade que, em inúmeras passagens da Revue Spirite, Kardec registra sempre ter pedido autorização a S. Luís para invocar os Espíritos. Ela sabia muito bem que não se pode forçar comunicações, pois são vários os impecilhos para sua ocorrência genuína.

[4]  A. Kardec (1858). Revue Spirite. Os Médiuns julgados. Janeiro de 1858, p. 50. Versão FEB disponível em https://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1858.pdf (acesso em outubro de 2020).


16 de outubro de 2018

Espiritismo, política e problemas atuais


Discute-se a política que move os interesses gerais; 
discutem-se os interesses privados; 
apaixona-se pelo ataque ou pela defesa das personalidades; 
os sistemas têm partidários e detratores, mas as verdades morais,
 que são o pão da alma, o pão da vida, 
são deixadas no pó acumulado pelos séculos. 
Todos os aperfeiçoamentos são úteis aos olhos da multidão, salvo os da alma. 

J. J. Rousseau, Médium Sra. Costel, Revista Espírita, Agosto de 1861. 
"Dissertações e ensinos espíritas" (1)

A economia, as eleições e os embates políticos atuais nos convidam a meditar sobre conceitos como governo, política e temas administrativos. O que o Espiritismo teria a dizer sobre o assunto? 

É evidente que o tema é complexo e exige conhecimento especializado. A multiplicidade de interesses, crenças filosóficas e de pensamento são tão grandes entre aqueles que se aproximam do poder que é muito difícil dar uma resposta única a esses problemas. Assim, ainda que houvesse acordo em relação aos princípios que devem nortear programas de governo, existe discordância em relação à maneira como tais princípios devem se organizar na administração, tendo em vista os conflitos de interesse entre diversos grupos que pretendem realizar essa organização.

Assim, é impossível a definição de apenas uma maneira de governar. Por outro lado, ainda que os os interesses coincidissem, mas de forma desorganizada - o que obviamente não ocorre - o excesso de ideias, de pontos de vista e heurísticas de organização do poder tornariam novamente inviável qualquer solução simples. A julgar porém que muitas nações conseguiram transitoriamente razoável estabilidade e aparente equidade social (pelo menos do ponto de vista material), temos a certeza de que uma solução próxima do ótimo também deve existir para um país tão complexo como o Brasil.

Mas, será que podemos usar o Espiritismo para descobrir qual o melhor caminho a seguir em problemas administrativos e políticos?

O propósito do Espiritismo

Convencer intelectualmente a alma humana (2) da continuidade da vida após a morte, da progressão sem fim em todos os sentidos e da necessidade de fraternidade com consequência desse destino final é um dos objetivo do Espiritismo. Assim, em qualquer relacionamento que se faça entre Espiritismo e tais assuntos, não se deve nunca perder de vista  que o Espiritismo jamais terá como objetivo sugerir (e, muito menos ditar) orientações para governos e instituições por uma questão de princípios próprios do Espiritismo. Entendemos que célula última da sociedade (o indivíduo) deve inicialmente se convencer da importância dos princípios universais do bem e da caridade como condição necessária para que esses problemas administrativos sejam, de fato, resolvidos. Por isso, o foco principal da Doutrina Espírita será, por enquanto, trabalhar no aprimoramento do ser humano através de sua educação moral.

É evidente que a base de todo o progresso, inclusive o material, está na evolução da alma. Primeiro porque se ela for mais educada, terá seus apetites materiais reduzidos, o que permite o compartilhamento de recurso entre todos. Segundo porque uma moral superior na sociedade torna a vida de todos mais fácil, por melhorar as relações humanas que também são a base para todas as trocas, inclusive aquelas que interessam aos aspectos materiais da vida presente. De fato, tudo é mais fácil quando as relações se dão entre almas verdadeiramente educadas. Mas educação, para o Espiritismo, não é apenas conhecimento intectual, mas também dos valores infinitos que o ser deve cultuar de forma a se harmonizar com seus semelhantes, com Deus e consigo mesmo.

Lembramos aqui o que Kardec já afirmava ao nascente movimento espírita de sua época (que é plenamente válidos para o momento atual):
Devo ainda assinalar-vos outra tática dos nossos adversários, a de procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de sua alçada e que, a justo título, poderiam despertar suscetibilidades e desconfianças. Não vos deixeis cair nessa armadilha; afastai cuidadosamente de vossas reuniões tudo quando se refere à política e a questões irritantes; a tal respeito, as discussões apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém terá nada a objetar à moral, quanto esta for boa (Grifos nossos, 3). 
Assim, além da relevante questão de separação entre "religião e Estado", deve-se procurar também afastar os assuntos espíritas de quaisquer influências de envolvimento com tais questões irritantes, de forma que o movimento espírita não se contamine com utopias de natureza política promovida por grupos de interesses diversos. Jamais o espírita deverá se deixar levar pelo "canto de sereia" daquilo que nasceu fora do contexto espírita (e, principalmente, com claras idealizações materialistas) e que com ele nada tenham a ver a não ser um vago anseio pela melhoria da vida dos homens sem se especificar a que custo.  

Ora, que se tenha tais anseios é muito fácil de defender, pois é desejo compartilhado por qualquer um. Quem se colocaria contra uma corrente de pensamento, doutrina ou partido que pretenda melhorar as condições de vida dos cidadãos? Quem se oporia à redução das injustiças sociais? Quem reprovaria a distribuição equitativa de riquezas? Disso não seque que qualquer meio para se atingir tal objetivo deva contar com o apoio de uma doutrina de caráter moral e que prega a continuidade da vida após a morte com consequências claras para vida futura. Além disso, como as reais intenções dos indivíduos não estão disponíveis publicamente, não existem garantias quanto à credibilidade de seus proponentes, ainda mais em uma época em que as pessoas guardam tão pouco apreço pela verdade.

Existe uma distância imensa entre os diversos métodos propostos para se chegar a esse estado de justiça e aquilo que realmente deve ser feito, considerando-se a conjuntura presente da sociedade, os inúmeros conflitos de interesse e a existência de indivíduos sem escrúpulo que se apropriam desses anseios em benefício próprio. Dessa forma, o leitor deve considerar as consequências para sua vida futura de seu engajamento em ações eticamente inconsistentes e que prejudicam diretamente determinadas pessoas em nome da "defesa de interesses" de outras. Por fim, deve ainda considerar que o silêncio, omissão ou não ação diante de situações claramente vexatórias e discriminantes também trará consequências futuras.
Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras. (Romanos 2:6)
Está vedado ao espírita sua manifestação política? Obviamente que não, porém, o indivíduo que se diz espírita deve procurar meditar sobre a consistência lógica de seu posicionamento diante dos princípios imortalistas que diz defender. Se ele não fizer isso, estará propagando por seus atos uma crença incoerente ou propaganda falsa. O primeiro compromisso do espírita deve ser com a verdade.

Enquanto espera, conseguisse ele corrigir um único defeito...

Sei que muitos podem se decepcionar com essa conclusão bastante clara do pensamento espírita escorado em seus princípios. A outros ela parecerá excessivamente utópica ou impraticável. Convém revisar, entretanto, a resposta à questão # 800 de "O Livro dos Espíritos":
800. Não será de temer que o Espiritismo não consiga triunfar da negligência dos homens e do seu apego às coisas materiais? 
“Conhece bem pouco os homens quem imagine que uma causa qualquer os possa transformar como que por encanto. As idéias só pouco a pouco se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e progressivamente, se pode operar. A cada geração uma parte do véu se dissipa. O Espiritismo veio para rasgá-lo de alto a baixo; mas, enquanto espera, conseguisse ele corrigir num homem apenas um único defeito que fosse e já o haveria ajudado a dar um passo. Ter-lhe-ia feito, só com isso, grande bem, pois esse primeiro passo lhe facilitará os outros.” (Grifo nosso, 1)
De onde se depreende que os métodos usados pela lei Divina (que o Espiritismo toma como orientação da vida do indivíduo) são bastante diferentes daqueles idealizados pelos encarnados que têm pressa em mudar a situação atual com base na crença de que a presente existência é a única que existe. 

Não sabemos quando o estado final de felicidade perene se concretizará, mas temos como certo que a proposta de aprimoramento do ser por enquanto tem sido relegada ao "pó dos séculos" pelo desprezo que o progresso material da civilização deu às questões da alma, que sequer é considerada como a existir. Assim, muitos dos métodos  criados para se chegar a esse estado de justiça e equidade partem do pressuposto que apenas os aspectos materiais devem ser privilegiados, o que cria um conflito entre esses objetivos e a realidade do destino final da alma humana que existe e sempre existirá.  Que o progresso material deva ser conseguido a qualquer custo não parece também ser um objetivo defensável, haja vista as diversas consequências negativas desse progresso em outros sentidos (problemas ambientais e climáticos, conflitos e desequilíbrios psicológicos vários etc).

Os princípios espíritas estão ligados a objetivos que talvez nunca se generalizem na superfície do Terra um dia. Seu alvo é a vida paralela imortal do ser e claramente levariam a uma rápida modificação das condições materiais e principalmente morais da vida na Terra se eles fossem sistematicamente buscados. Como haveremos, porém,  de convencer aos não espíritas de sua excelência se nós, que dizemos neles acreditar, agimos de forma inconsistente? É impossível ao espírita - que tem zelo por sua doutrina - esquecer os aspectos imanentes da vida humana nas horas em que ele é obrigado a decidir sobre todos os outros aspectos em sua presente e transitória encarnação.

Referências e Notas

(1) Ref: ver www.ipeak.com

(2) Dizemos intelectualmente, porque, todos os dias, milhares de pessoas entram em contato com o mundo invisível seja através de suas atividades durante o sono ou de algum grau de mediunidade. Assim, inconscientemente todos guardamos noção da sobrevivência e da vida maior. Além disso outros tantos milhares partes para o mais além através da morte. Entretanto, esse conhecimento ou lembrança permanece inconsciente na vigília dos encarnados cujas crenças mais ligadas aos sentidos e ao aprendizado acabam por dominar muito de suas decisões.  

(3) Kardec A. "Cumprimentos de Ano Novo". Revue Spirite, Fevereiro de 1862. (versão IPEAK www.ipeak.com). O artigo original em Francês tem como título "Les souhaits de nouvel an: Réponse à l'adresse des Spirites Lyonnais à l'occasion de la nouvelle année".



30 de março de 2014

Artigos espíritas em Alemão no Seele - Spiritische Gedanken, pela Adriana Sachs Vogel


Für mich wird es eine erfreuliche Aufgabe sein, mit den Lesern mein Wissen teilen zu dürfen. Kommentare und Fragen sind herzlich willkommen, und werden mit Freude und Hingabe beantwortet, schließlich wird der Blog für die Leser gemacht, und ihre Teilnahme bereichert umso mehr den Inhalt. Wissenschaft, Philosophie und Religion... das ist Spiritismus! " (1)
(Adriana Sachs Vogel- Seele, Spiritistischen Gedanken)

Países de lingua alemã tem agora um novo blog espírita editado totalmente nesse idioma. O blog da Adriana http://seelesg.wordpress.com/ [Seele - Spiritistischen Gedanken,  blog über Spiritualität "Alma - pensamentos espíritas, blog de espiritualidade"] - recentemente criou esse novo espaço com muitos artigos espíritas interessantes em língua alemã.

Alguns exemplos são:
Há outros artigos sobre reencarnação. Também informativa é a seção de biografias, entre elas encontramos sobre: Allan KardecChico Xavier e Divaldo Franco.

Temos uma colaboração especial com o Seele na forma de dois artigos traduzidos para o alemão. Um deles é Kommerzialisierung der Medialität  e outro é Die Ziele von der Lehre der Geister (Spiritismus), que é uma tradução de Os objetivos do Espiritismo. Em breve, publicaremos versões em inglês desses artigos também no blog "Spiritist Knowldege" (2).


O novo blog da Adriana não é uma agenda pessoal, mas realmente um repositório de artigos que trazem conteúdo e informação espírita em língua alemã, o que é algo difícil de se encontrar. Ele também tem uma abordagem interessante: mostrar o Espiritismo em seu tríplice aspecto, emfatizando os lados científico e filosófico, que são necessários para dar acesso correto ao lado religioso. Afinal de contas, foi-se o tempo de princípios dogmáticos de fé.  

Provavelmente, o Seele é um dos mais completos sites sobre Espiritismo disponíveis em lingua alemã.

Nota

(1) "Para mim será uma tarefa abençoada poder dividir com os leitores os meus conhecimentos. Comentários e perguntas serão muito bem vindos, e serão respondidos com empenho e satisfação, afinal o blog foi criado para os leitores e a sua participação enriquece ainda mais o conteúdo dos temas expostos. Ciência, Filosofia e Religião... isso é o Espiritismo!"

(2) Ver também: Spiritist articles in German (Seele, Spiritistischen Gedanken by Adriana Sachs Vogel).