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16 de março de 2014

Livro VII - Mediunidade Mensurável (de S. Fontana)


O pesquisador Sandro Fontana recentemente publicou o livro "Mediunidade Mensurável - um livro digital que resume uma pesquisa sobre a possibilidade de medir estimadamente a mediunidade de uma pessoa", disponível gratuitamente (1) e contendo sua pesquisa em mediunidade. Esse livro segue a publicação de seu artigo "Mensuração de nível estimado mediúnico" (2). Aqui tecemos alguns comentários sobre essa obra. Certamente, a iniciativa do autor é louvável, por representar uma iniciativa isolada de aplicar o que seria chamado "metodologia científica" a um vasto campo de estudo como é o da mediunidade. 

Essa iniciativa se destaca uma vez que constatamos que trabalhos semelhantes são escassos no meio espírita,  quase que totalmente voltado para o aspecto religioso do Espiritismo. Não podemos nos esquecer do tríplice aspecto, de forma que as questões e problemas relacionados à parte científica são igualmente relevantes.

O trabalho está dividido nas seguintes partes:
  • Introdução (p. 5);
  • Objetivo (p. 7)
  • Kardec e mediunidade (p. 9)
  • A verdadeira, a falsa e a mediunidade intermediária (p. 14)
  • A incógnita constante do médium (p. 21)
  • O surgimento dessa pesquisa (p. 24)
  • Iniciando a tabela (p. 26)
  • A lógica base (p. 28)
  • Expondo médiuns à formulação (p. 35)
  • Os níveis e os médiuns (p. 54)
  • Os tabus (p. 56)
  • A aplicação (58);
  • Conclusão (p. 60)
Logo na introdução, o autor destaca a justificativa do trabalho:
Acredito que o desafio aqui, algo que a necessidade demonstrou ser importante, é tentar ser o mais justo possível, dando um passo além para esse novo século onde o espiritismo precisa resgatar o lado da pesquisa. Hoje temos enraizado profundamente os sedimentos morais/religiosos de espiritismo, porém o lado científico ficou estagnado no tempo e, assim que conseguirmos avançar nele, conseguiremos reforçar, junto da filosofia espírita, os passos seguintes para progredir na marcha evolutiva.
Nada mais justo... Fazer crescer o aspecto científico do Espiritismo certamente é justificativa importante. Porém, não se pode esperar isso com abandono total do que foi construído, em que pese a aparência de "estagnação". Como ciência, o Espiritismo ainda é muito jovem (3) e não dispõe de orçamento próprio do Estado para seu desenvolvimento.

O autor se baseou na definição universal de Kardec para o vocábulo "mediunidade" (ver "Kardec e a mediunidade", p. 9). Um pouco depois, o autor comenta:
Alexandre Aksakof descobriu o efeito anímico no médium, ou melhor, depois de seus estudos, propôs a tese de que o médium, mesmo sem intenção, provoca um efeito que confunde-se com a comunicação mediúnica.
Em diversas partes da obra de Kardec já se afirmava sobre a existência de efeitos anímicos, que não receberam, obviamente, esse nome (4). Por exemplo:
Embora geralmente o sensitivo mediúnico esteja desperto, em certos casos, que se tornam cada vez mais frequentes, o sonambulismo espontâneo se declara no médium, e este fala por si mesmo, ou por sugestão, absolutamente como o sonâmbulo magnético se conduz nas mesmas circunstâncias. (5, grifos nossos)
Aksakof parece ter sido, na verdade, o primeiro pesquisador a diferenciar entre as explicações totalmente anímicas para a mediunidade (advindas quase que integralmente dos meios céticos) daquelas totalmente espíritas, e a ressaltar o papel da influência do médium em meios que não aceitavam as teses de Kardec.

Devemos considerar que os médiuns da época de Kardec talvez não apresentassem suas mediunidades no mesmo grau dos de hoje. Assim como houve redução drástica nas manifestações de efeitos físicos, é provável que efeitos anímicos tenham prevalecido posteriormente, o que torna a questão ainda mais complexa. 

As questões colocadas pelo autor na p. 12 são pertinentes:
Mas e se o médium não for confiável?
E o que o faz não ser confiável?
Até que ponto a comunicação está sendo verdadeiramente efetiva?
Essas parecem ser as questões que motivaram o autor a realizar sua pesquisa. Ou, de outra forma: seria possível desenvolver um método quantitativo para ajudar na resposta a essas questões? A divisão feita entre "mediunidade falsa" (chamada "anímica") da mediunidade intermediária (que seria verdadeira, mas com algum grau de animismo) parece justificar a busca por uma escala de classificação que  transcenderia Kardec. Por isso, na parte seguinte (p. 14), o autor deixa de seguir Kardec (6). 

A questão é que, para Kardec, métodos quantitativos seriam os últimos a serem buscados nessa empreitada. Mediunidade é, fundamentalmente, um fenômeno humano e, com esse tipo de efeito, métodos quantitativos se mostram problemáticos (7), de difícil senão impossível aplicação. O leitor de "Mediunidade mensurável" deve saber que nos movemos em uma região potencialmente infrutífera ao seguir esse caminho. 

 Proposta de quantificação de mediunidade

O autor estima que, na comunicação, 50% vem do "pensamento" do Espírito comunicante e outros 50% do médium (p. 29):
Dessa forma, eu dividi a comunicação em dois momentos, sendo 50% ao pensamento (espírito) e os outros 50% ao repassador/transmissor (médium).
É difícil entender qual foi o raciocínio necessário para propor essa divisão porque "pensamento" (do médium e do Espírito) é algo imensurável e não se pode definir percentagens com atributos imensuráveis. Como afirmamos acima, a palavra "animismo" é posterior à codificação, mas isso não significa que não tenha sido discutido por Kardec. Mais a frente, ainda na p. 29:
Kardec, em toda sua obra, não explicita tal condição de forma clara, acabei descobrindo isso (por acaso) em meus testes e observações. Na Codificação Espírita, ao lê-la, temos a impressão que o espirito não tem problemas em se comunicar e que tudo depende absolutamente da sensibilidade do médium.
Criar percentagens a atributos imensuráveis não tem sentido e esse seria um erro que Kardec não cometeria e não cometeu. Além disso, o problema aqui é que termos usados em meados do século XIX não têm o mesmo significado hoje em dia (como por exemplo, "sonambulismo espontâneo" que pode ser compreendido como "transe anímico"), de forma que não se pode dizer taxativamente que a noção de influência do médium esteja ausente da codificação.

A proposta do autor de quantificação segue uma fórmula (ver p. 30) que aparece como uma média ponderada (%Vm) de valores estimados de vários "atributos" (da mensagem e do médium). Embora o autor reconheça a diferença entre cada tipo de atributo, eles são misturados em uma mesma fórmula com pesos iguais (8), com índices negativos para médiuns considerados fraudulentos.

A aplicação da fórmula é exemplificada por vários casos que parecem seguir a opinião do autor a respeito de determinado médium. Uma vez calculados um índice (%Vm), uma proposta de quatro classes mediúnicas é finalmente apresentada na p. 54.

Claramente existiria uma grande vantagem se fosse possível identificar um bom médium por meio de avaliação quantitativa tão direta como a que é explicada em "Mediunidade Mensurável". Essas vantagens são discutidas nas p. 58-60. É perceptível o desejo do autor em colaborar com o desenvolvimento de novos estudos para a mediunidade, o que, por si só, é algo difícil de constatar nos meios dedicados ao assunto.  

Palavras finais

Mediunidade (assim como a inteligência e a beleza) parece ser uma faculdade humana intrinsecamente imensurável. Entretanto, podemos sim definir medidas quantitativas para o conteúdo da mensagem (9). Por exemplo, dada uma mensagem mediúnica, podemos fazer uma análise sintática e numérica dela, contando-se o número de substantivos, verbos etc. que ela contém. Podemos analisar mais profundamente seu conteúdo, buscando traçar a correspondência fato-informação para cada elemento de mensagem nela presente.

Como é que tal análise poderia caracterizar a mediunidade? Parece ser correto afirmar que, quanto maior a fidelidade do médium na transmissão do conteúdo, mais "desenvolvida" seria a sua mediunidade. Nesse sentido o autor de "Mediunidade Mensurável" identificou a relação entre conteúdo e excelência da fonte que o produz no caso de psicografias.

Entretanto, esbarramos em problemas grandes ao querer criar uma escala numérica de qualificação para médiuns. O problema é que a mediunidade psicográfica (ou psicofônica), apesar de produzir mensagens concretas, ainda é um fenômeno privado do ser humano. Como ponto para meditação, devemos considerar que é possível que o médium seja excelente (no sentido de entrar em contato com muita informação), mas não consiga corretamente colocar no papel todo o conteúdo.

Para exemplificar, imaginemos dois rádios de uma mesma marca. Um está de acordo com suas especificações de fabricação, enquanto que outro tem um problema em seu alto-falante, que não permite interpretar corretamente o que é transmitido. Então, nesse caso simples, não seria possível colocar o rádio defeituoso como uma "outra classe", ou dizer que o rádio perfeito é "superior". O máximo que se pode dizer é que existe um defeito em um dos rádios. Com isso queremos dizer que, no caso da mediunidade, dificuldades de transmissão de conteúdo podem não ser devidas a diferenças intrínsecas entre classes. Em suma, mediunidade ainda é algo bastante complexo para permitir avaliações quantitativas, mesmo nos casos mais concretos.

Referências e notas
  1. S. Fontana. Mediunidade Mensurável. Um livro digital que resume uma pesquisa sobre a possibilidade de medir estimadamente a mediunidade de uma pessoa. Digital e-book. Acesso em 2014. 62 páginas.
  2. Ver apresentação do autor (em 19/agosto/2012): https://www.youtube.com/watch?v=Pb5JSan2DUE
  3. Séculos foram necessários para dar à física a aparência de "modernidade"e para que ela fosse financiada com recursos públicos. Devemos nos confiar totalmente nas aparências?
  4. Ver, por exemplo: "O Livro dos Médiuns", Segunda parte - Das manifestações espíritas, Capítulo XX - "Da influência moral do médium", Questões diversas.
  5. Revista Espírita 1867, Junho, Dissertações espíritas - "O Magnetismo e o Espiritismo comparados".
  6. Essa ausência de quantificação possivelmente é vista pelo autor como um sinal de "estagnação" do método de Kardec.
  7. Veja, por exemplo, as controvérsias envolvendo a definição de um "quociente de inteligência": Mark Snyderman and Stanley Rothman, (1988), "The IQ Controversy, the Media and Public Policy", Transaction Books.
  8. É fato básico que só se pode somar, subtrair, multiplicar ou dividir "banana com banana" ou "maça com maça". 
  9. Ver projeto "Cartas psicografadas": http://eradoespirito.blogspot.com.br/p/projeto-cartas-psicografadas.html