11 de dezembro de 2013

II - Modelo simplificado para a relação espírito-corpo (sobre a faculdade de cura)

Fig. 1 Elementos constitutivos do ser humano em uma visão representativa por blocos. 
No post anterior, iniciamos um estudo sobre a faculdade de cura e precisamos avançar na explicação de alguns conceito apenas citados brevemente lá. Aqui, desenvolvemos um pouco mais essas ideias,  fazendo uso do conhecimento legado por A. Kardec em diversas obras da codificação. Isso é importante porque, como dissemos, o desequilíbrio que se manifesta como doença não tem sua origem apenas no corpo físico. Precisamos de uma visão integrada do ser humano. Também não é possível simplesmente descrever essas doenças como origem apenas no Espírito. Há outro elementos que concorre para a gênese de desequilíbrios e que deve ser considerado.O ser humano ou Espírito encarnado é um todo complexo, sujeito a influências de inúmeros fatores, tanto físicos quanto espirituais. 

Elementos constitutivos do ser humano.

O diagrama a Fig, 1 ilustra os elementos principais que formam o ser humano (e, talvez, muitos animais) de acordo com a visão espírita. Cada elemento está identificado na figura. Ao invés de propor a existência de uma multiplicidade de 'corpos' para a contraparte não física do ser humano, o Espiritismo representa a parte 'extrafísica' mais próxima do corpo material por meio do perispírito (1), conforme pode-se ler na questão #93 de 'O Livro dos Espíritos':
93. O Espírito, propriamente dito, nenhuma cobertura tem, ou, como pretendem alguns, está sempre envolto numa substância qualquer?
Envolve-o uma substância, vaporosa para ti, mas ainda bastante grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para poder elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira. 
Envolvendo o gérmen de um fruto, há o perisperma; do mesmo modo, um envoltório que, por comparação, se pode chamar perispírito, envolve o Espírito propriamente dito. 
Ressaltamos que é difícil contestar a existência desse veículo de comunicação, desde que se admita o dualismo e a necessidade de haver uma conexão entre o corpo físico e o Espírito. Ou seja, o perispírito segue como corolário da noção dual do ser humano.

O diagrama é uma representação unidimensional da relação entre cada um dos elementos e a interação entre eles é mostrada por meio das regiões de interseção. O que são tais zonas? Elas representam os laços que unem um elemento a outro. A natureza ainda 'material' do perispírito é mostrada na mesma cor do corpo físico, que está mais 'translúcido'. Existe, portanto, uma interface entre o corpo físico e o perispírito. Essa interface é responsável pela comunicação entre o centro superior (o Espírito) e o corpo.

Da mesma forma como se pode falar numa interface entre o corpo físico e o perispírito, é também previsível a existência de outra interface, desta vez entre o perispírito e o Espírito propriamente dito. A natureza e propriedade dessa ligação está envolvida em profundo mistério. Se ela se dá na forma de outros corpos ainda mais sutis que o perispírito, ou é de natureza totalmente diferente, não nos é possível afirmar. 

O que é a desencarnação?

Existe uma assimetria na maneira como cada elemento determina sua ação sobre cada um dos outros. A morte é provocada pela cesssação, no corpo físico, dos processos vitais (2). Isso causa o abandono ou desligamento das outras partes. Isso está representado esquematicamente na Fig.3. Em dois momentos: 1) quando o laço se estreita entre o perispírito e o corpo, porque esse não mais suporta os princípios vitais necessários para manutenção de seu metabolismo e 2) quando a ligação se rompe e, finalmente, o Espírito desencarnado segue sem sua contraparte material. Nas palavras de A. Kardec (3):
Então, o perispírito se desprende, molécula a molécula, conforme se unira, e ao Espírito é restituída a liberdade. Assim, não é a partida do Espírito que causa a morte do corpo; esta é que determina a partida do Espírito.
Fig. 3 Esquema representativo do processo de desencarnação. Em 1) está representado o rompimento dos laços que unem o corpo ao perispírito. Em 2) o rompimento foi efetivo, mas o ser continua a existir como um Espírito desencarnado.

Como um Espírito desencarnado, o 'ser' continua sua existência e interage com o seu ambiente. A estrutura de seu perispírito tem a densidade do meio apropriado e conforme o seu grau de adiantamento. 

Um diagrama esquemático do 'Espírito desencarnado' pode ser visto na Fig.4. É importante entender que é o espírito (princípio inteligente) a sede da personalidade verdadeira e integral do ser. Nele estão contidas todas as paixões, memórias, inteligência do indivíduo e sua essência. Determinada classe de espíritos trazem, de seu passado, complexos, angústias e outros problemas psicológicos que permanecem gravados em seus espíritos, mas que têm impacto direto na formação e estrutura do perispírito. Isso está representado na Fig. 4 pela seta que vai do espírito para o perispírito na interface entre esses dois princípios. 

Da mesma forma, o meio ambiente, onde está o perispírito, exerce sobre ele uma influência (que está representada pelas setas externas). O perispírito possui cor, forma, estrutura e dimensão sendo a contraparte perceptível do espírito, que é usada pelo ser para interagir com seu ambiente e com outros espíritos.  De importância considerável é a descrição que A. Kardec faz das propriedades do perispírito, bem como de seu caráter mutável, conforme o grau de adiantamento do espírito (4):
Os Espíritos chamados a viver naquele meio tiram dele seus perispíritos; porém, conforme seja mais ou menos depurado o Espírito, seu perispírito se formará das partes mais puras ou das mais grosseiras do fluido peculiar ao mundo onde ele encarna. O Espírito produz aí, sempre por comparação e não por assimilação, o efeito de um reativo químico que atrai a si as moléculas que a sua natureza pode assimilar. 
Resulta disso este fato capital: a constituição íntima do perispírito não é idêntica em todos os Espíritos encarnados ou desencarnados que povoam a Terra ou o espaço que a circunda. O mesmo já não se dá com o corpo carnal, que, como foi demonstrado, se forma dos mesmos elementos, qualquer que seja a superioridade ou a inferioridade do Espírito. Por isso, em todos, são os mesmos os efeitos que o corpo produz, semelhantes as necessidades, ao passo que diferem em tudo o que respeita ao perispírito. 
Também resulta que: o envoltório perispirítico de um Espírito se modifica com o progresso moral que este realiza em cada encarnação, embora ele encarne no mesmo meio; que os Espíritos superiores, encarnando excepcionalmente, em missão, num mundo inferior, têm perispírito menos grosseiro do que o dos indígenas desse mundo
Fig. 4 Um Espírito encarnado, conforme nossa convenção de diagramas.

A diferença de formação e influência do espírito sobre o corpo espiritual é fundamental para se compreender a origem e dinâmica de determinadas doenças que transcendem a determinações do corpo material.

As interfaces entre o corpo e o espírito.

De fundamental importância para compreender o processo de adoecimento e a proposta de terapias para várias doenças complexas de difícil tratamento, será o desenvolvimento do conhecimento (uma ciência própria) para as interfaces entre o corpo físico e o perispírito, e deste com o Espírito.

Pode-se compreender, pela análise desses diagramas, que doenças também podem ocorrer com o Espírito desencarnado. De fato, a assimetria que citamos na causa da desencarnação (como resultante da falência do corpo) está refletida na assimetria da influência maior das causas espirituais em muitas das doenças. As enfermidades mais graves que atingem a existência física no corpo procedem todas de desajustes que ocorrem a partir dos centros superiores. Por isso, é possível falar em 'lesões do corpo espiritual' da mesma forma como falamos em 'lesões do corpo físico'. No segundo caso, essas lesões são provocadas por desajustes internos do corpo ou pela influência de fatores materiais externos. No primeiro, desajustes equivalentes (que partem do espírito) ocorrem e podem ser magnificados também por fatores externos que atuam sobre o perispírito. Como esse 'habita' na atmosfera em que melhor está 'sintonizado', é natural que sofra as influências desse meio.

Dada a ligação que existe entre os três corpos no estado de encarnado, pode-se falar também que a influência do espírito se estenda até o corpo físico, por meio de mecanismos ainda a serem desvendados envolvendo a influência, no corpo, do perispírito, no momento da formação do corpo físico. Assim, embora o corpo material seja formado por elementos do mundo material, sua estrutura pode modificada, até certo ponto, por impositivos que descem dos centros superiores. 

Justamente pela ligação que existe entre esses diferentes princípios que formam o ser é que novos processos terapêuticos para certos desequilíbrios podem ser divisados quando se considera a gênese das doenças não apenas no corpo físico, mas também como oriundas das profundezas do espírito e se seu veículo de expressão, o perispírito.
A enfermidade, como desarmonia espiritual (...) sobrevive no perispírito. As moléstias conhecidas no mundo e outras que ainda escapam ao diagnóstico humano, por muito tempo persistirão nas esferas torturadas da alma, conduzindo-nos ao reajuste. (A. Luiz, 1)
Referências e comentários

(1) A. Kardec. "O Livro dos Espíritos". Questão #93. Texto www.ipeak.com.br. Observe que a existência do perispírito não implica que outros corpos 'sutis' não existam, e a divisão adotada por Kardec tem cmoo objetivo ser, principalmente bastante didática. O assunto exige, dada a 'intangibilidade' dos conceitos envolvidos: multiplicar corpos sutis (como é feito em determinadas doutrinas espiritualistas) em nada contribui para melhorar nosso compreensão sobre essas realidades ocultas do ser humano;

(2) Ver questões #68-#70 de (1).

(3) A Gênese, Capítulo XI - Gênese espiritual, Encarnação dos Espíritos, 18.Texto www.ipeak.com.br.

(4) A Gênese. Capítulo XIV - Os fluidos, I - Natureza e propriedades dos fluidos, Formação e propriedades do perispírito, 10. Texto www.ipeak.com.br.

(5) F. C. Xavier, Entre A Terra E o Céu. Pelo Espírito André Luiz. 5.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1972. Cap. 22, p. 134.

3 comentários:

  1. Gostaria de entender melhor qual o raciocinio implicado na afirmação de que "os Espíritos superiores, encarnando excepcionalmente, em missão, num mundo inferior, têm perispírito menos grosseiro do que o dos indígenas desse mundo."

    Trata-se de considerar todo habitante daquele mundo como indigena? Ou é uma afirmação análoga às especulações entorno da frenologia, frequentes neste período, que busca relacionar caracteristicas fisiológicas com comportamentos morais?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não entendo a palavra 'indígena' como pertencente a qualquer etnia indígena. Parece-me que pode ser traduzida como 'nativo', 'aquele que é natural de'. De qq. forma, a afirmativa de Kardec teve apenas a intenção de exemplificar a diferença de densidade entre diferentes graus de perispírito e é só isso.

      É bastante comum - principalmente entre os que estudam as 'Humanidades' - tentar interpretar textos como esse como reafirmações de preconceitos da época. Esse tipo de coisa pode ser feita com qualquer texto científico de época, com qualquer cientista de qualquer tempo. Mas, é preciso ver os conceitos, os princípios científicos que são invariantes no texto e que transcendem a qualquer exemplificação feita em termos de ideias do momento.

      Excluir
  2. Obrigado pelo esclarecimento, à primeira vista me pareceu que indígena estaria expressando aquele “que é natural de”, mas como já havia visto menções a essas assertivas como preconceituosas resolvi perguntar. De qualquer modo, afirmar que tal ou qual posição de Kardec ou de qualquer outro pensador referente a assuntos de seu tempo seria preconceito é no máximo um anacronismo. Entendo também a sua preocupação quanto a estas interpretações que por fazerem de um enunciado qualquer motivo de condenação do assunto todo, reduzem a complexidade do tema que, no caso, Kardec queria expressar. Além do mais, me parece coerente a sua postura quanto à distinção entre conceito e contexto, ou se posso arriscar, contexto de justificativa e contexto de descoberta. Contudo, limitando-nos ao conceito, parece-me difícil de compreender a relação entre evolução moral e densidade do periespirito, ou uma relação entre uma hierarquia de qualidades morais e a densidade de formas materiais. Este ponto me parece importante de ser esclarecido, pois me parece ter relação direta numa possível etiologia espiritual das doenças. Agradeço de antemão pelos esclarecimentos.

    ResponderExcluir