21 de janeiro de 2013

Paradigmas e Ciência Espírita

"Examinado de perto, seja historicamente ou no laboratório contemporâneo, esse empreendimento se assemelha a uma tentativa de forçar a natureza a entrar em uma caixa relativamente inflexível e pré-montada que é fornecida pelo paradigma. De jeito nenhum é objetivo da ciência normal descobrir novos tipos de fenômenos; na verdade, aqueles que não entram na caixa nem são percebidos. Nem tem o cientista o objetivo de desenvolver novas teorias e, frequentemente, são intolerantes com aquelas teorias inventadas por outros." (T. Kuhn, (1) )

Quando se observa em detalhes o 'motus operandi' da grande maioria das chamadas 'ciências estabelecidas', embora o grande número de descobertas e consequências advindas do labor científico bem  articulado, não se pode deixar de perceber que há um preço a se pagar, frequentemente pouco lembrado pelos entusiastas desse conhecimento (2). É que a ciência estabelecida também restringe-se a si mesma, tanto no escopo como na abrangência de seus estudos a fim de que se torne factível.

O grande pesquisador da ciência Thomas Kuhn (1922-1966) criou o termo 'paradigma científico' (1,3) para descrever um conceito importante que caracteriza toda ciência madura, em particular nas 'ciências naturais' (4): o conjunto de teorias (ou a teoria) bem estruturada capaz de congregar gerações de cientistas em torno de um tema, a se constituir um tipo de 'passaporte confiável' para solução de determinados problemas. Ele chegou a essa conclusão depois de anos de estudos em história da ciência, quando percebeu que as teorias disponíveis para explicar como a ciência opera e se estabelece não estavam de acordo com o conhecimento histórico. 

Há uma crença bem popular de que é possível gerar conhecimento científico de forma infalível através da aplicação de um 'método científico' ou processo que constituiria uma verdadeira 'pedra filosofal' para a ciência. Na crença da existência dela, sua busca tornou-se um das principais tarefas de gerações de filósofos da ciência. Kuhn teve sucesso em demonstrar que não só a busca era improfícua, como o próprio método era uma ilusão por um conjunto de razões, dentre as quais (5):
  • Falta de acordo histórico: a existência de um 'método infalível' não era observado em uma análise detalhada dos muitos detalhes históricos que caracterizavam o desenvolvimento de teorias científicas ao longo dos séculos;
  • Dependência entre a observação e as teorias científicas: são as teorias que orientam a realização e o sucesso dos experimentos e não o contrário. Por outro lado, só há boas teorias quando os conceitos básicos de uma ciência estão bem estabelecidos (6), o que leva à necessidade de se ter uma linguagem própria conectada a conceitos bem compreendidos;
T.Kuhn (1922-1966)
Ao invés de um método, Kuhn propôs o conceito de paradigma científico  (7) que permite escolher - de uma ampla gama de fenômenos e aparentes problemas científicos - quais devem ser estudados daqueles que devem ser desprezados. Na existência de um paradigma (8), a atividade científica se aproxima de uma 'solução de quebra-cabeças', quando se tem certeza que uma solução será alcançada. O preço óbvio que se paga por essas vantagens é a restrição de escopo: cientistas não precisam (e nem devem) se interessar por qualquer tipo de problema, mas apenas por aqueles garantidamente tratáveis pelos paradigmas a que eles aderem. A atividade científica torna-se uma tarefa monótona (frequentemente envolve a busca ou aperfeiçoamento de soluções para problemas já resolvidos...) e são raríssimas as ocasiões em que 'soluções para problemas fundamentais' são sequer procuradas.

Uma explicação para o ceticismo 

A noção de paradigmas de Kuhn (1) permite compreender melhor a ideia errônea de que cientistas aderem irrestritamente ao ceticismo. Pois, não é que cientistas sejam inerentemente céticos, mas que eles apenas estão interessados em resolver problemas que tenham uma relação direta com o(s) paradigma(s) que escolheram se dedicar profissionalmente. Como ressaltado por Thomas Kuhn, para que a ciência dê resultados, não é possível se dedicar a qualquer tema ou problema que apareça, mas apenas aqueles para os quais exista um paradigma ou teoria bem estruturada que permita que a pesquisa seja organizada de forma eficiente. Isso envolve não só a escolha de uma teoria favorita, mas de uma ampla gama de conceitos chave na forma de uma linguagem própria. O paradigma propicia o progresso, evitando que sempre se tenha que começar 'do zero' quando surge a necessidade de dar solução a um novo problema pertencente ao tema de escopo do paradigma. Resta-nos discutir futuramente o que acontece com os temas sem padigma reconhecido (8).

Acusações apressadas de céticos de sofá que dizem que o 'Espiritismo aspira ao status de ciência' são incapazes de perceber que não se trata de se buscar uma 'nova ciência acadêmica' e desconhecem a restrição imposta pelos paradigmas científicos. Não é objetivo da ciência dar respostas para tudo: ela precisa se especializar para que funcione. Consequentemente, existem muitas lacunas e problemas desprezados por essa mesma ciência. Esse tipo de ceticismo está a tal ponto enceguecido que é incapaz de perceber a necessidade de aceitar novos conceitos para que uma nova linguagem e teoria tenha chance de mostrar seu valor. Aqui, a visão de paradigmas de Kuhn permite compreender mais amplamente o problema. De fato, como querer discutir reencarnação ou comunicabilidade além-túmulo se o próprio conceito de espírito como unidade indivisível, independente e invisível sequer é aceito? Há a barreira inicial de se aceitar os conceitos (com sua 'ontologia própria') a fim de que uma nova linguagem teórica seja articulada e dê resultados. Sem a aceitação dos conceitos, é impossível aceitar igualmente a teoria e a compreensão mais profunda sobre os tipos de teste ou situações de observação que são propiciadas por ela.  

O 'paradigma espírita' (9) é capaz de dar explicação razoável para um grande número de fenômenos e ocorrências naturais desprezadas pela sua incomensurabilidade com outros temas mais materiais de pesquisa. Resta ao ceticismo negar insistentemente a importância do tema: como já tivemos ocasião de expor, esse ceticismo é um vasto emaranhado de crenças preconcebidas que se recusa a aceitar alguns conceitos e, por causa disso, está condenado a negar os fenômenos, até que seja completamente esquecido pelas novas gerações.

Nosso texto aqui teve como objetivo mostrar a importância que estudos em filosofia da ciência tem para a correta compreensão de teorias e propostas de estudos para os fenômenos psíquicos. Sem esse estudo, manifestações claramente contrárias as propostas espiritualistas (aquelas que postulam a continuidade da existência da consciência, primeiro sua independência do cérebro etc) serão necessariamente limitadas. Não se pode impor limites ao conhecimento científico e o que muitos céticos personalistas fazem nada mais é que estabelecerem limites de acordo com sua própria compreensão dos fatos.

Falaremos sobre esse tema instrutivo em outros posts futuramente.  

Notas e referências

(1) Kuhn T. (1970) "A estrutura das Revoluçõeos Científicas", International Encyclopedia of Unified Science, Volume 2, Número 2, 2a edição.

(2) A quem poderíamos chamar 'cientificistas'. Há uma seita mais ou menos radical de indivíduos que vão além e pregam que a ciência estabelecida é a única forma confiável de se gerar conhecimento científico de valor. Desprezam a religião e tem aversão por ideias consideradas 'místicas', o que incluem todos os temas que não são de interesse das ciências ordinárias, inclusive os espiritualistas;

(3) Paradigma: do grego "παράδειγμα" (paradeigma), "modelo, exemplo, amostra" do verbo "παραδείκνυμι" (paradeiknumi), "exibir, representar, expor"  e de "παρά" (para), "além" + "δείκνυμι" (deiknumi), "mostrar, apontar";

(4) As ciências de interesse para filósofos como Popper, Kuhn e Lakatos são as chamadas 'ciências naturais' - física, química, biologia etc. O conhecimento de humanas (sociais, economia etc) está excluido dessa análise.

(5) A. Chalmers (1993), 'O que é ciência afinal?', 1a edição, Ed. Brasiliense.p. 109-110;

(6) Exemplo: só tem sentido em se propor um experimento para medir a carga de um elétron, quando se reconhece a existência de elétrons e o conceito de carga. Isso várias vezes passa desapercebido quando se trata de criticar experimentos ou a análise de fenômenos psíquicos;

(7) Exemplos de paradigmas de sucesso em ciência foram: a teoria de Ptolomeu dos epiciclos planetários, a teoria da evolução de Darwin, a física de Newton, a Mecânica Quântica, o atomismo etc;

(8) Na inexistência de um paradigma, estamos na fase 'pre-paradigmática' (1) da ciência ou fase 'pré-científica'. Falaremos sobre essa fase em outro post;

(9) Para saber mais: http://www.geeu.net.br/artigos/paresp.html

15 de janeiro de 2013

SRT - Tese do Dr. Palmer sobre desobsessão baseado no trabalho de F. Myers


A possibilidade de influenciação espiritual é presentemente rejeitada por terapias ortodoxas que não reconhecem a natureza independente da mente humana de sua contraparte material. Entretanto, isso não impede que o fenômeno esteja vastamente disseminado na população e pode ser considerado como fonte de várias desordens mentais e origem de vários crimes hediondos.

Já em 1861, Allan Kardec redefiniu a obsessão como 'o domínio de alguns Espíritos sobre certas pessoas. Uma influência que nunca é exercida por bons Espíritos, mas sim por aqueles de natureza inferior' (1). Se a personalidade humana tem sua origem em um centro de forças psicológicas conhecidas como 'Espírito' - que é, por si mesmo, totalmente independente da matéria - o fenômeno de obsessão espiritual pode ser bem uma das causas subjacentes a mutas tragédias diárias, embora isso não seja reconhecido dessa forma. Isso acontece porque somente parte da natureza humana morre de fato. A parte mais importante, que contém conhecimento, memória - o Ser em essência - continua a existir, muitas vezes ignorando sua nova condição de vida.

Apenas Espíritos podem se comunicar com Espíritos e o processo de 'comunicação' em si não é limitado aos fenômenos mediúnicos que a literatura espírita descreve tão bem. Há outras formas, desde sutis variações de humor ou aparecimento de personas múltiplas em um corpo único, até o comportamento mais extremo que indica infestação da mente do doente. Esse último caso, conhecido como possessão, foi também bem descrito por Kardec (2) como último grau de obsessão espiritual (3).
Capa da tese do Dr. Palmer.

A ideia de que algum tipo de poder invisível externo possa controlar um humano é bem antiga. O Novo Testamento fala sobre a 'expulsão de demônios' (4). O assunto recebeu um tratamento recente com uma tese do Dr. Terence J. Palmer em 2012. Intitulada "Revised Epistemology for an Understanding of Spirit Release Therapy Developed in accordance with the Conceptual Framework of F. W. H. Myers" (5), ("Uma Epistemologia Revisada para compreensão da Terapia de Liberação de Influências Espirituais de acordo com o Arcabouço Conceitual de F. W. H. Myers"), essa tese foi submetida para o grau PhD na School of Theology and Religious Studies da  Universidade do país de Gales em Bangor, Reino Unido. O trabalho tem treze capítulos que tratam do assunto a partir da perspectiva do eminente cientista Frederic William Henry Myers (1843-1901). Myers é, certamente, uma das mentes mais lúcidas da pesquisa psíquica no Sec. XIX, alguém que sustentou a ideia da sobrevivência seriamente. O que é chamado de 'obsessão' pela literatura espírita do Sec. XIX é chamado de 'spirit attachment' pelo Dr. Palmers e o novo campo de psicoterapia conhecido como SRT - Spirit Release Therapy, algo que podemos traduzir como 'terapia de liberação de influenciação espiritual' como mais uma opção à 'terapia de desobsessão' (ver tese, p. 13, "What is Spirit Release Therapy").

Alguns trechos da tese

Um curto resumo da tese pode ser lido na p. 6, "Introduction":
A tese explora a contribuição dada por Frederic Myers a nossa compreensão de uma das mais profundas experiências espirituais: a possessão de um individuo por uma entidade espiritual que  pode ser percebida como benigna ou maligna, criativa ou destrutiva, saudável ou não. A SRT, que explicamos mais completamente abaixo, pode ser usada como método de intervenção para liberar o indivíduo da influência de espíritos doentes que são frequentemente espíritos de desencarnados. Ela é constituída por uma mistura eclética de conceitos e procedimentos seculares e espirituais que são independentes de modelos psiquiátricos tradicionais de cuidados com a saúde mental ou do exorcismo religioso, sendo complementares a eles. A experiência de um terapeuta em SRT, junto com conceitos teóricos e métodos experimentais de Frederic W. H. Myers, dão à possessão e ao exorcismo uma dimensão que métodos e teorias antropológicas, teológicas e médicas anteriores não o fizeram.  
Portanto, o estudo do Dr. Palmer está completamente de acordo com a abordagem espírita de 'desobsessão', que é frequentemente praticada em muitos centros espíritas no Brasil. Por exemplo, a moderna SRT (sempre de acordo com a abordagem de Myers) finalmente rejeita a visão tradicional que confunde o trabalho de desobsessão de Espíritos com qualquer coisa próxima ao "exorcismo":
SRT é fundamentalmente diferente do exorcismo religioso, onde espíritos são tomados como sendo do 'mal' e devem ser expulsos. A abordagem de Willian Baldwin é solidária e terapêutica e em contraste completo com a concepção popular de exorcismo (p. 17, "Difference between SRT and Exorcism").
A referência a W. Baldwin pode ser encontrada abaixo (6). Isso está absolutamente de acordo também com a abordagem de Kardec (7) para a obsessão, uma vez que os Espíritos nada mais são do que as almas dos homens desprovidas de corpos e, portanto, não devem ser confundidos com a visão tradicional de demônios. Com todo o respeito que devemos às crenças tradicionais, a ideia de uma entidade maligna e a noção de demônios provou ser outra má interpretação de textos bíblicos. Esse fato é de importância fundamental para o sucesso dessa terapia no futuro, uma vez que ela abre possibilidades de muitos procedimentos heurísticos para o problema, assim como novas práticas frequentemente dificultadas pela postura tradicional do exorcismo:
Enquanto que a crença enganadora na possessão e no exorcismo resultará sempre em métodos inapropriados de intervenção em serviços de atendimento público ou profissional de saúde, a compreensão alternativa do conceito de possessão por um espírito está de acordo com o arcabouço científico de F. W. H. Myers e resultará em métodos mais apropriados de tratamento (p. 11, "What is Possession and Exorcism? )"
F. W. H. Myers.
Outro fator importante se encontra no extremo oposto da escala de crenças, aquele que refuta a possibilidade de influenciação espiritual, que é a situação presente das terapias ortodoxas. De acordo com o Dr. Palmer, muitos trabalhos de evidência demonstraram os fatos:

Junto com a evidência científica documentada fornecida por primeiros místicos e cientistas como Emmanuel Swedenborg (1758), Allan Kardec (1857), Edgar Cayce (1970), William James (1902), Frederick Myers (1903) e James Hyslop (1919), o Dr Wickland forneceu evidências científicas em apoio à ideia associação com os espíritos como uma realidade que é difícil de ignorar ou refutar (p. 22, "Dissociation and Paranoia")

e

A necessidade de explicações científicas para as experiências subjetivas extraordinárias, tais como múltiplas personalidades e possessão espiritual, tornou-se um beco sem saída pela rejeição da ideia inicial identificada por Carl Wickland e os primeiros pesquisadores, incluindo Frederic Myers, a saber, que o mundo espiritual existe conjuntamente com o mundo físico (p. 27).

Todos os autores citados acima pelo Dr. Palmer fizeram muitas contribuições ao assunto. Entretanto, a ideia da sobrevivência da alma só foi aceita marginalmente por terapeutas hoje em dia, embora a situação pareça mudar no presente (ver p. 31, "Spirit Release Today and the Future"). 

Os treze capítulos da tese são divididos em quatro partes:
  1. Introdução;
  2. Parte I:  Possessão e Exorcismo  - Métodos e Teorias (Capítulos 1 a 4);
  3. Parte II: O arcabouço conceitual de Myers (Capítulos 5 a 9);
  4. Parte III: O arcabouço conceitual de Myers e a ciência moderna (Capítulos 10 a 13).
A tese mostrou que métodos científicos podem ser aplicados ao problema das doenças mentais à luz do princípio de obsessão espiritual (o que, de fato, poderia resultar em uma nova era na Psiquiatria). Isso é feito revisando-se extensivamente a contribuição de Myer que concordamos é de grande importância:  
Provavelmente, o maior desafio para Myers e seus adeptos estava na resistência entrincheirada da ciência convencional as suas descobertas. Myers insistia que não era ideal que cientistas ignorassem ou evitassem questões difíceis tais como aquelas resultantes do sonambulismo ou automatismo só porque eles não acreditassem na realidade do que julgavam ser 'sobrenatural' ou 'oculto'. Os mesmos desafios se apresentam atualmente aos pesquisadores do paranormal. Embora a possessão espiritual possa ser considerada um fenômeno conhecido desde a mais remota antiguidade, ele é julgado como não tendo lugar em um mundo de alta tecnologia. Mas, a tecnologia moderna também contribuiu para o processo de comunicação dos espíritos com o mundo material. Exemplos de pesquisa em transcomunicação instrumental (TCI) e comunicação instrumental de voz (IVC) trazem evidências de que os espíritos usam tecnologia moderna para se comunicar com pesquisadores. (p. 40, "Myers’ Conceptual Framework and Modern Science")
Por que a nova abordagem funciona? Porque os homens tem uma natureza dual e, ao se considerar a possibilidade de interação da mente humana com personalidades desencarnadas, um novo e nunca explorado Universo é revelado. Portanto, a SRT tem fertilidade heurística; ela pode realmente resultar em novos e eficientes tratamentos, enquanto que seu oposto é uma abordagem estéril. Alguns terapeutas modernos finalmente reconheceram que o bem estar e a saúde de seus pacientes são mais importantes do que suas próprias crenças acadêmicas.

No que diz respeito à tecnologia moderna, acrescentamos que o aparecimento do Espiritualismo no Sec. XIX parece ter sido 'preparado' em paralelo com o advento das telecomunicações, e muitos pioneiros da comunicação sem fio eram também estavam interessados na comunicação entre os dois mundos. (ver  BBC documentary "Science and the Seance"). 
O que Sir O. Lodge (1851-1940), N. Tesla (1856-1943) e T. A. Edison (1847-1931) têm em comum? A 'comunicações sem fio' seria uma resposta boa, assim como  ' profundo interesse na comunicação com o mundo espiritual'. Esses benfeitores da humanidade foram também interessados no Espiritualismo.  
O Dr. Palmer sumariza a abordagem de Myers na parte final de sua tese:
  • O ser humano é uma entidade espiritual que possui ou ocupa e usa um corpo físico, com o objetivo de ter as experiências da vida terrestre; 
  • Existe um mundo espiritual não corpóreo;
  • A consciência continua a existir depois da morte do corpo;
  • Os mortos podem sentir que ainda estão vivos, embora tenham deixado seus corpos físicos;
  • Os mortos podem continuar a ensejar novas experiências embora sem o corpo físico; 
  • A vulnerabilidade dos vivos pode atrair espíritos desencarnados ainda ligados à Terra;
  • Entidades espirituais são inconscientemente atraídas pelas frequências vibracionais dos vivos;
  • Sintomas psicóticos podem ser atribuídos à influenciação dos Espíritos; 
  • Chegar-se ao diagnóstico de personalidade múltipla com base na identificação da existência de diferentes personas ocupando o paciente e, ao mesmo tempo, rejeitar a origem externa e espiritual dessas inteligencias pode ser erro. (p. 247, "A Revised Epistemology")
Um pioneiro da  SRT no Brasil,
Dr. Inácio Ferreira (1904-1988).
Tais são, em essência, os princípios de uma revolução no tratamento de muitas desordens mentais. Finalmente, o Dr. Palmer trata da importante questão da validação da SRT:  
O psiquiatra brasileiro Inácio Ferreira inciou o uso do Espiritismo na prática médica no Brasil desde 1930 e escreveu vários livros fornecendo evidências da etiologia espiritual em muitos casos de insanidade mental, assim como da eficácia dos tratamentos espíritas. Alguns de seus livros foram traduzidos do Português para o Espanhol, mas seu trabalho não foi ainda publicado em Inglês. Por outro lado, não há estudos nos países de língua inglesa sobre a eficácia da SRT e é por essa razão que apresentamos essa tese de acordo com a abordagem de Myers. É meu objetivo, depois da aceitação dessa tese, apresentar uma proposta para testar a eficácia do método da SRT em pacientes com esquizofrenia,  por causa da experiência com alucinações auditivas. (p. 249, "Spiritual Aetiology") 
A pesquisa deve assim continuar. Confirmando o valor heurístico da SRT, o Dr. Palmer finalmente pergunta:
Se todas as áreas do comportamento humano podem ser pesquisadas com novos fundamentos epistemológicos, então as possibilidade são infinitas. Por exemplo, quando pessoas cometem crimes hediondos de assassinato em série, estupro ou pedofilia podemos nos colocar essa questão: "São essas pessoas simplesmente más, loucas ou estão possuídas?" Em todas as áreas da saúde emocional, mental ou física, podemos colocar a questão: "Que influencias externas estão em operação aqui?" Essa questão pode ser aplicada igualmente a pessoas que sofrem de distrofia sexual, síndrome de Tourette, depressão, ansiedade, medo ou raiva sem uma causa aparente (p. 252, "On-going Research").
As notícias recentes do assassinato de Newtown, Connecticut mostra o quão urgente é o desenvolvimento de terapias para o tratamento de obsessão ou mesmo para revelar potenciais assassinos que podem estar bem próximos sob a influência de Espíritos ainda ligados à Terra. Ela também traz nova luz sobre a questão da pena de morte simplesmente porque condenar à morte o assassino somente liberará apenas o seu Espírito que ficará livre para se ligar a outra mente criminosa.

Recomendo vivamente uma leitura cuidadosa da tese do Dr. Palmer que certamente representa um trabalho atualizado sobre um tema com grande futuro.

Para mais informações, visite o Blog do Dr. Palmer:
Notas e Referências
  1. Kardec A. O Livro dos Médiuns" , 2a parte, 'Sobre as manifestações dos Espíritos', Cap. XXII, 'Sobre a Obsessão';
  2. Ver questão # 473-480 de "O Livro dos Espíritos" de A. Kardec's;
  3. Kardec pedagogicamente divide em três os níveis de obsessão espiritual : obsessão simples, subjugação e possessão. Ver "O Livro dos Médiuns", Cap. XXIII. Ver também: Assim como as enfermidades resultam das imperfeições físicas que tornam o corpo acessível às perniciosas influências exteriores, a obsessão decorre sempre de uma imperfeição moral, que dá ascendência a um Espírito mau. A uma causa física, opõe-se uma força física; a uma causa moral preciso é se contraponha uma força moral. Para preservá-lo das enfermidades, fortifica-se o corpo; para garanti-la contra a obsessão, tem-se que fortalecer a alma; donde, para o obsidiado, a necessidade de trabalhar por se melhorar a si próprio, o que as mais das vezes basta para livrá-lo do obsessor, sem o socorro de terceiros. Necessário se torna este socorro, quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque nesse caso o paciente não raro perde a vontade e o livre-arbítrio. (A. Kardec, "A Gênese", Cap. XIV, "Explicação sobre fatos sobrenaturais", "Obsessão e Possessão")
  4. A palavra 'demônio' significa simplesmente 'espírito' em Grego. Ver por exemplo, Marcos 5 ou Mateus 10:8 e muitas outras passagens; 
  5. Em 2012, a tese pode ser baixada aqui:  http://www.tjpalmer.org/wp-content/uploads/2012/03/BeyondBelief.pdf
  6. W. J. Baldwin (1995), Spirit Releasement Therapy: A Technique Manual, Headline Books.
  7. Questão #477 de "O Livro dos Espíritos";

5 de janeiro de 2013

3/3 - Análise de 'A Teoria Corpuscular do Espírito' e 'Psi quântico' (por Alexandre F. da Fonseca)

"Cada um é livre para encarar as coisas à sua maneira, e nós, que reclamamos essa liberdade para nós, não podemos recusá-la aos outros. Mas, do fato de que uma opinião seja livre, não se segue que não se possa discuti-la, examinar-lhe o forte e o fraco, pesar-lhe as vantagens ou os inconvenientes". (Allan Kardec - Revue Spirite -1866)

Algumas observações nas bases de 'O Psi Quântico - Uma extensão dos conceitos quânticos e atômicos à ideia do espírito'

Ultima parte da sequência de três posts de Alexandre Fontes da Fonseca.

Vamos analisar agora alguns conceitos presentes na obra "Psi Quântico - Uma extensão dos conceitos quânticos e atômicos à ideia do Espírito" [2]. Ela inicia-se com uma interessante revisão de conceitos do átomo na antiguidade, passando pela descrição sucinta dos experimentos que levaram à descoberta da estrutura atômica da matéria. EM seguida, ao fim do capítulo II, Hernani comenta que irá se utilizar de modelos atômicos “... quando tentarmos abordar o problema da matéria psi.”. Por que o autor teria modificado sua ideia inicial de propor uma teoria corpuscular *do espírito* para, agora, descrever algo que ele chama de matéria psi? Estaria ele apenas mudando os nomes? Ou reviu sua ideia inicial e passou a considerar sua teoria como sendo para os fluidos espirituais? O capítulo III parece responder a essa questão. Na pág. 58, Hernani diz:
 “À outra realidade demos o nome de mundo psi, em contraposição a esta nossa realidade que denominamos mundo físico (no sentido material normal). O mundo psi seria também material, porém constituído de outra espécie de matéria. (Grifos em negrito, meus). 
Aparentemente, essa afirmativa parece se referir à parte fluídica do mundo espiritual. Infelizmente, porém, na página 97 ele diz que 
... a matéria psi é a substância de que são feitos os Espíritos e demais seres ou objetos do mundo espiritual”. (Grifos em negrito, meus). 
Essa afirmação suscita mais dúvidas do que certezas. Isso porque, se a matéria psi é a substância de que são feitos os Espíritos e os objetos do mundo espiritual, então, onde estaria o princípio inteligente? Uma única substância não poderia servir para os Espíritos e os objetos fluídicos ao mesmo tempo. Se a intenção era modelar apenas os fluidos espirituais, deveria ser dito que a teoria era para o perispírito, e não para o Espírito, que, de acordo com o Espiritismo, é um ser duplo, formado de Alma + Perispírito (itens 10 a 14 de O Que é o Espiritismo [9]). Como a teoria propõe que a Alma seja um campo magnético, então na prática a teoria está definindo o Espírito como sendo feito da mesma substância que os fluidos e, portanto, que o princípio inteligente é algo de natureza idêntica à material.
Capa de 'Psi Quântico'.
Por não diferir muito do que é apresentado na Teoria Corpuscular do Espírito [1], o Psi Quântico [2] apresenta as mesmas falhas comentadas nos dois posts anteriores. Em o Psi Quântico, observamos que para tentar relacionar a vida e os fenômenos espíritas com os fundamentos da teoria, Hernani define inúmeras propriedades ou atributos do ser inteligente de maneira ad hoc, isto é, colocados e forçados à mão para a finalidade da teoria, diferente das teorias científicas que partindo de um conjunto reduzido de princípios, deduzem e descrevem uma enorme gama de fenômenos. Essa falha conceitual torna sua teoria apenas um ensaio filosófico sem bases científicas reais, e com um sério problema de pretender atribuir ao Espírito propriedades que somente a matéria possui. 
Contamos na obra [2]  14 hipóteses propostas de maneira ad hoc, isto é, colocadas à mão. Isso é um detalhe que enfraquece a teoria.
O cap. V de [2] é dedicado à apresentação do conceito de psiátomo. Neste capítulo, entretanto, encontramos uma afirmação contraditória. Na pág. 94 é dito que:
 “Postulamos que as propriedades da matéria psi seriam decorrentes desse aumento no número de dimensões.” (Grifos em negrito, meus). 
Daí, Hernani enumera cinco propriedades da matéria psi:
 “1) capacidade de vivificar a matéria física; 2) ser suscetível de sofrer a influência modeladora do pensamento organizado; 3) possuir um psiquismo latente e capaz de desenvolver-se por meio de uma auto-organização; 4) capacidade de transmitir, receber e acumular informação; 5) possibilidade de influenciar, de certa forma, a matéria física, emprestando-lhe algumas de suas propriedades.
Hernani afirma que as propriedades da matéria psi decorrem do aumento do número de dimensões. Porém não explica como as propriedades de 1) a 5) decorrem do aumento do número de dimensões. A falta de explicação é um ponto fraco da teoria.
Na ausência de explicações para o primeiro postulado da teoria do Psi Quântico, podemos inferir que, na verdade, as cinco propriedades são os cinco primeiras hipóteses da teoria. 
No cap. V de [2], na seção intitulada “Psipartículas”, lemos a sexta hipótese colocada à mão na teoria (pág. 95): 
Propomos admitir-se que as três propriedades comuns aos seres vivos, por nós escolhidas como fundamentais, possam manifestar-se em grandezas diversas, múltiplas inteiras de um quantum indivisível que seria a unidade básica de cada uma delas.” (Grifo em negrito, meu). 
Não havendo nada que justifique a quantização dessas propriedades comuns aos seres vivos, Hernani as apresenta como postulado. Há vários problemas nisso como comentado nos posts anteriores.
Na seção intitulada “O Bíon”, do cap. V de [2], na pág. 102, Hernani afirma: 
Visando a acompanhar mais de perto as convenções adotadas para as partículas subatômicas físicas, vamos atribuir também ao bíon uma carga negativa.” (Grifos em negrito, meus). 
Esta é a sétima hipótese. Como não há como verificar experimentalmente a existência de carga elétrica nas psipartículas, Hernani se vê obrigado a formulá-la como uma hipótese fundamental da teoria. Note a imprecisão e inconsistência da teoria ao perceber que as propriedades da matéria psi de 1) a 5), que foram postuladas no começo do cap. V, não decorrem somente da hipótese de que as psipartículas são quadridimensionais. Essas propriedades dependem diretamente dessas hipóteses adicionais feitas por Hernani.
Na mesma seção, Hernani apresenta sua oitava hipótese (pág. 103):
Ilustração do 'psi-átomo' proposto
por Hernani G. Andrade.
Quando associados às estruturas psiatômicas, os bíons fazem parte das camadas externas dos átomos psi. Ali, eles se distribuem em regiões discretas, ocupando órbitas bem definidas, caso escolhamos um modelo para o psiátomo, semelhante ao de “Rutherford-Bohr”, a fim de descrevê-lo.” 
Novamente, sem poder realizar qualquer experimento a respeito da estrutura atômica do psiátomo, o autor apresenta sua oitava hipótese como um postulado, que é a de que o psiátomo possui estrutura similar à de um átomo material. Ele faz a ressalva de que essa estrutura é quadridimensional. Porém, até o presente momento, Hernani ainda não afirma o que ele considera ser a quarta dimensão, se o tempo ou uma outra dimensão espacial. Se for espacial, antes de levar adiante a teoria, seria interessante verificar a existência de soluções da equação de onda da Mecânica Quântica para um sistema quadridimensional. Como deveria ser a interação de Coulomb para determinar os auto-estados do sistema? Como são os orbitais, e que valores teriam os momentos angulares? Na literatura acadêmica, há estudos que tentam descobrir os efeitos de se considerar mais uma dimensão do espaço (ver, por exemplo, artigo da Ref. [10]). Para que tudo ficasse consistente com o que é conhecido na matéria, seria necessário que houvesse um potencial 'infinito' que reduzisse a influência da 4a dimensão. A existência desse potencial ainda está para ser verificada, pois resultaria em efeitos bem definidos na matéria ordinária.
A nona hipótese da teoria do Psi Quântico (pág. 103) é:
Na condição de correntes biônicas, os bíons produzem um campo de natureza magnética. É o campo biomagnético, semelhante ao campo magnético gerado por um ou mais elétrons em movimento. O campo biomagnético tem um papel proeminente no fenômeno da vivificação da matéria orgânica.” 
Na incapacidade experimental de verificar a existência dos bíons e de seus campos magnéticos, eles têm que ser postulados. Isso mostra a insuficiência do primeiro postulado da teoria de Hernani que diz que a capacidade de vivificar a matéria, decorre apenas do aumento do número de dimensões. Isso é um exemplo de incoerência interna da teoria.

A décima hipótese da teoria (pág. 103): 
Postulamos, mais adiante, que os eléctrons, nas órbitas electrônicas do átomo físico, também podem gerar um campo biomagnético (CBM) dirigido para o hiperespaço. Desse modo se estabelece a interação entre os átomos físicos e os psiátomos.” 
De novo, sem poder constatar experimentalmente a existência de bíons e a interação com elétrons, o autor introduz isso como mais um postulado. Se o elétron não puder interagir com o campo biomagnético, não haverá interação entre psiátomos e átomos.

O percepton é proposto de modo semelhante ao que foi apresentado na Teoria Corpuscular do Espírito. Porém, na descrição do Psi Quântico, encontramos mais uma hipótese colocada à mão (pág. 105), a décima primeira  hipótese
O percepton teria também implicações com a função psi-gamma, ou seja, a percepção extra-sensorial (ESP).
Para acomodar a teoria às novas observações da Parapsicologia, Hernani não consegue fugir ao artifício de acrescentar à mão mais propriedades que não pode mensurar.
Há um comentário no mínimo estranho, feito na pág. 106: 
O percepton deve ser receptivo a qualquer estímulo. Por isso, sua natureza energética precisa ser neutra. Em outras palavras, o percepton isoladamente é bioenergeticamente neutro.” 
O que a neutralidade energética teria a ver com ser receptivo a qualquer estímulo? Acreditamos que o autor inverteu a lógica das coisas: pois um bom sensor é aquele capaz de interagir com qualquer tipo de estímulo externo, o que significa que o sensor é energeticamente ativo e influenciável. Um bom sensor tem que ser capaz de alterar seu estado físico para registrar a diferença devido ao registro do estímulo. Logo, ele não deve ser energeticamente neutro.
Ainda na seção sobre o percepton, na pág. 106, a décima segunda hipótese é apresentada: 
No entanto, devemos postular que ele possa ligar-se ao intelecton, para compor o núcleo do psiátomo. Esta ligação será análoga à que ocorre entre o nêutron e o próton ao formarem os núcleos dos átomos físicos.
 Se o percepton tem que ser bioenergeticamente neutro, então como ele pode interagir com o intelecton, que é bioenergeticamente ativo? (Ele tem carga bioenergetica positiva que atrai o bíon.) Essa é outra inconsistência interna não explicada nem resolvida pela teoria.
Na seção intitulada “O Intelecton”, pág. 106, vemos a décima terceira hipótese: “Postulamos atribuir ao intelecton uma carga bioenergética positiva.” Novamente, essa hipótese é introduzida à mão por falta de experimentos que revelem tanto a existência quanto as propriedades dos intelectons.
Incoerência de conceitos físicos
Na pág. 107, ao falar do “Modelo do Psiátomo”, Hernani diz que:
As diferenças entre as psipartículas e as partículas físicas resultam sobretudo das propriedades oriundas do número de dimensões das mesmas. Essencialmente falando, a natureza íntima de todas as duas categorias de partículas é a mesma, ou seja, energia simplesmente. (...) Ao adquirir quatro dimensões, uma estrutura energética assume propriedades as mais inusitadas, entre as quais conhecemos algumas atribuídas aos objetos vivos, aos corpos espirituais, ou as observadas nos fenômenos paranormais.
(Grifo em negrito, meu)
Se “essencialmente falando”, a natureza íntima de psipartículas e partículas é a mesma, então não deveria haver diferenças, ou as diferenças deveriam ser explicadas apenas em termos das energias ou dos possíveis estados de energia de cada partícula. Porém, não há nenhuma explicação em termos de energia, somente a afirmação de que “uma estrutura energética assume propriedades as mais inusitadas” ao se considerar mais dimensões. De um lado, essa afirmação pode ser verdade, porém, ao dizer que “conhecemos” essas propriedades inusitadas como sendo decorrentes da quarta dimensão, há um equívoco de informação. A única coisa que temos são indícios, através de fenômenos de materialização e de transporte, de que talvez exista uma quarta dimensão espacial que pode ser usada pelos Espíritos para executar esses fenômenos. Mas não sabemos o que acontece com as propriedades de um objeto físico quando se considera que ele é quadridimensional. Aliás, o fato de os Espíritos poderem mover um corpo através da quarta dimensão, provaria que qualquer objeto é, na verdade, quadridimensional e que apenas não é ordinariamente movido através da quarta dimensão.
Campo biomagnético - Décima quarta hipótese
Na seção intitulada “Conceito de Campo Biomagnético”, do cap. VI, na pág. 123 é dito que:
 “Como explicamos no início deste subcapítulo, a principal característica do CBM é a sua possibilidade de transitar do espaço físico para o hiperespaço e, vice-versa, do hiperespaço para o espaço físico. Esta condição faz pressupor que o CBM possa ser também gerado pelos átomos da matéria física. Podemos postular esta circunstância, estabelecendo, portanto, que todos os átomos materiais possuem um campo de natureza magnética dirigido para o hiperespaço.” (Grifo em negrito, meu).
Mais uma hipótese colocada à mão. Interessante destacar aqui o comentário de Hernani a respeito da teoria de campos “M” e “B” de Wassermann. Iniciando na pág. 121, o autor comenta que: 
Enquanto Wassermann tenta aplicar os campos “M” e “B” a fenômenos puramente biológicos, ele parece estar razoavelmente correto. Mas as dificuldades surgem justamente quando se abordam os fenômenos psi. A aplicação da teoria torna-se difícil, exigindo um número muito grande de hipóteses ad hoc.” (Grifos em negrito, meus). 
Aqui, o autor critica exatamente o que ele próprio faz ao apresentar uma série de hipóteses à mão. O termo ad hoc é uma expressão latina cuja tradução literal é "para isto" ou "para esta finalidade". Logo, uma hipótese ad hoc é uma hipótese colocada à mão para alguma finalidade explicativa.
Erros de Física 1: Força centrífuga
Na seção intitulada “O Magnetismo na Matéria”, do cap. VII, na pág. 134, Hernani afirma que:
Focalizemos, agora, exclusivamente os átomos físicos, constituintes da nossa matéria física. Raciocinemos apoiados no modelo de Bohr. Neste modelo, os elétrons gravitam ao redor do núcleo. O núcleo tem cargas positivas que atraem os eléctrons. Estes se mantém afastados do núcleo; não caem sobre ele porque estão em movimento circular, mantendo-se em suas órbitas, como ocorre com os planetas, devido à força centrífuga.”(Grifos em negrito, meus).
Em nenhuma parte do modelo de Bohr, encontramos a afirmativa de que os elétrons não caem sobre os núcleos por causa de forças centrífugas. No caso de planetas, eles não se mantêm em suas órbitas por causa de forças centrífugas, mas por causa da resultante das forças gravitacionais serem do tipo centrípetas [11].

Erros de Física 2: Tensionamento do átomo

Na seção intitulada “O CBM da Matéria”, Hernani afirma na pág. 139 que:
 “Os eléctrons circulando ao redor do núcleo, equivalem a uma bobina esférica. Isto deverá provocar uma espécie de “pressão” magnética tensionando o átomo, de dentro para fora. O campo gerado  nestas condições deverá achar-se no hiperespaço contíguo ao átomo. Nós não podemos detectar diretamente o referido campo, mas é provável que ele exista. O campo acima aludido está dirigido para a quarta dimensão e tem natureza magnética.” (Grifo em negrito, meu)
Elétrons circulando ao redor do núcleo não equivalem a uma bobina esférica. Isso porque, numa bobina esférica macroscópica, muitas cargas (elétrons) nela se movimentam, enquanto que um orbital eletrônico pode conter apenas dois elétrons (de spins diferentes). Cada elétron não pode gerar força sobre sua própria trajetória, pois, segundo a Mecânica Quântica, o auto-estado do elétron ou seu nível eletrônico depende do hamiltoniano do sistema completo formado por prótons e elétrons. O correto teria sido utilizar a análise oriunda da teoria quântica para momentos angulares, para descrever o magnetismo eletrônico. Nisso reside a falta de consistência na formulação da teoria de Hernani, pois se a quantização da vida foi uma proposta conveniente para a teoria, a aplicação da teoria quântica na descrição da dinâmica dessas partículas não deveria ter sido esquecida. 
Dentre os possíveis estados quânticos devido ao movimento angular dos elétrons, existem quatro tipos de orbitais representados pelas letras s, p, d e f. O orbital tipo s é o mais simples e tem forma esférica. O orbital tipo p tem orientação ao longo de uma das direções do espaço, e os orbitais d e f possuem formas ainda mais complicadas. O orbital tipo s, por ter simetria esférica, corresponde a um valor total de momento angular nulo e, consequentemente, momento de dipolo magnético nulo. Os outros orbitais possuem momento total não nulo, mas se uma camada atômica estiver totalmente preenchida, a somatória vetorial dos momentos angulares será nula. Por isso que o campo magnético resultante da maioria dos elementos é nula.

É oportuno, aqui, mencionar algo a respeito da história do famoso experimento de Stern-Gerlach que é ensinado nos cursos de Física como aquele que demonstra a existência do spin do elétron [4]. Isso é correto, porém, na verdade, Stern e Gerlach não pretenderam demonstrar a existência do spin, já que isso não era conhecimento na época do experimento, dentre 1921 e 1922 [12]. Eles usaram feixes formados por átomos de prata na intenção de, no fundo, demonstrar o modelo atômico de Bohr que postulava a quantização do momento angular e, consequentemente, esperavam que o feixe de átomos de prata se dividisse em dois, como de fato ocorreu [12]. O que eles não sabiam, e que ficou claro posteriormente, é que, na verdade, o feixe de átomos de prata se dividiu em dois por causa do magnetismo associado ao spin do elétron de valência do mesmo. O átomo de prata possui 47 elétrons, de onde 46 formam camadas fechadas e completas, o que implica num momento angular total nulo. O último elétron que é o de valência, está no orbital 5s que, como dito acima, por ter simetria esférica, tem momento angular nulo. Logo, os efeitos magnéticos sobre os átomos de prata não podiam decorrer do magnetismo orbital, mas apenas do spin deste elétron. Isso mostra como não se pode inferir consequências sem uma análise completa de todas as propriedades e características do sistema físico em questão, e reforça o comentário de que sem levar em conta a quantização do momento angular, a análise das propriedades magnéticas de átomos materiais e espirituais da teoria de Hernani se torna incapaz de descrever a realidade.   

Assim como os estados eletrônicos são soluções possíveis da equação de onda de Schrödinger [4], esses orbitais são todos estáveis e os elétrons, nesses estados, estão em equilíbrio, não se sentindo tensionados, nem implicando em tensionamento do espaço.

Concepção artística moderna das zonas de probabilidade de se encontrar um elétron ao redor do núcleo de um átomo (um exemplo de 'órbital atômico'. Essas 'núvens de probabilidade' nada tem a ver com órbitas definidas ao redor do núcleo que foram usadas em 'psi-quântico'.
Portanto, a analogia entre o campo gerado na terceira dimensão por uma espira de corrente no mundo bidimensional e o campo gerado na quarta dimensão por elétrons circulando ao redor do núcleo não é correta, nem serve de base para considerarmos a existência dos campos biomagnéticos. A única forma de comprovar isso seria medir a existência de campos biomagnéticos sem causa material, mas o próprio autor  afirma que “nós não podemos detectar diretamente o referido campo”. Na falta de uma comprovação, mesmo que indireta, essa proposta teórica não tem utilidade.
Conceito 5. "Massa" do Espírito
No cap. VIII, na seção intitulada “Polarização Magnética da Psimatéria”, encontramos uma análise curiosa da densidade da psimatéria. Hernani, na pág. 148, estima valores dessa densidade com base em informações antigas de experimentos de pesagem de Espíritos durante o desencarne [13]. Ele encontrou valores da ordem de ~ 9 x 10-4 g/cm3, 10 vezes maior, portanto, que a densidade do hidrogênio, estimada em ~ 9 x 10-5 g/cm3.
Se a matéria psi tiver essa densidade, então independente da sua evolução, jamais um Espírito desencarnado pode se aproximar de uma estrela como o Sol, pois será capturado e preso pela sua enorme atração gravitacional. Essa ideia é mais um exemplo da diferença entre a teoria de Hernani e os princípios espíritas, que sustentam a independência entre o mundo espírita e o material.

Conclusões

O espaço não permite analisar todos os detalhes críticos de ambas as teorias, porém, citamos algumas que destacam a incapacidade dessas teorias para descrever a realidade espiritual do ser. Os pontos falhos são apenas com relação à teoria, enquanto que Hernani, autor das mesmas, continuará sempre merecendo nosso maior e profundo respeito pelo enorme trabalho de divulgação dos fenômenos espíritas, bem como na investigação de diversos deles.

Apenas frisamos que, se de um lado constatamos que as críticas ao Espiritismo carregam vieses pessoais e oriundos de visões materialistas da natureza, precisamos saber reconhecer os erros de teorias que saem às vezes de mãos e mentes espíritas, para que possamos dar um testemunho legítimo de fé raciocinada, isto é, de uma fé que tem consciência naquilo que crê e que é capaz de “encarar a razão, face a face, em todas as épocas da Humanidade”.

Referências:

[1] H. G. Andrade, A Teoria Corpuscular do Espírito, re-impresso pela Editora DIDIER, Votuporanga, (2007). 
[2] H. G. Andrade, Psi Quântico - Uma extensão dos conceitos quânticos e atômicos à ideia do Espirito, 3ª edição, Editora Pensamento LTDA, São Paulo (1991). 
[3] S. S. Chibeni, “O Espiritismo em seu tríplice aspecto: científico, filosófico e religioso”, Reformador Agosto, p. 37 (2003); Setembro, p. 38 (2003); Outubro, p. 39 (2003). 
[4] R. Eisberg e R. Resnick, Física Quântica – Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas, Editora Campus, 21a. Reimpressão (1979). 
[5] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, FEB, 1ª. edição, Rio de Janeiro (2006). 
[6] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos da Física – Volume 3 – Eletromagnetismo, Editora LTC, 8a. Edição (2009). 
[7] I. Prigogine, Introduction to Thermodynamics of Irreversible Processes. 3rd edition, Wiley Interscience, New York (1967). 
[8] L. J. Norrby, "Why is mercury liquid? Or, why do relativistic effects not get into chemistry textbooks?" Journal of Chemical Education, 68, 110 (1991). 
[9] A. Kardec, O Que É O Espiritismo, Ed. FEB, 1ª Edição de bolso, Rio de Janeiro (2008). 
[10] F. H. J. Cornish, "The hydrogen atom and the four-dimensional harmonic oscillator", Journal of Physics A: Mathematical and General, 17, 323 (1984). 
[11] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos da Física – Volume 1 – Mecânica, Editora LTC, 8a. Edição (2009). 
[12] G. G. Gomes e M. Pietrocola, “O experimento de Stern-Gerlach e o spin do elétron: um exemplo de quasi-história”, Revista Brasileira de Ensino de Física, 33, 2604 (2011). 
[13] D. MacDougall, “Hypothesis Concerning Soul Substance, Together with Experimental Evidence of the Existence of Such Substance”, Journal of the American Society for Psychical Research, May (1907).

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