25 de junho de 2012

Crenças Céticas XIX - Como refutar qualquer coisa (Texto de Daniel Drasin) 1


"...insista sempre que a ciência consiste simplesmente na aplicação pura e simples da dúvida." D. Drasin.

Na sequência de posts "Como refutar qualquer coisa" que se inicia neste post, é feita uma tradução adaptada e comentada do excelente texto de Daniel Drasin "Zen ... and the Art of Debunkery". Já discutimos anteriormente em vários posts da série "Crenças Céticas" o comportamento de céticos e auto-proclamados defensores da razão que se colocam contra a ocorrência de fenômenos considerados anômalos. Dentre esses, fatos psíquicos e mediúnicos estão frequentemente sob ataque, razão porque achamos instrutivo ler o que Drasin já afirmou sobre o assunto. De forma geral, porém, os "contra-conselhos" de Drasin também podem ser usados em vários outros contextos.

Como sempre, o que está em azul é a tradução do texto apresentado. Meus comentários estão referenciados  abaixo.

A. Preparando o palco
  1. Antes de começar a refutar, prepare o equipamento. O que é necessário: uma cadeira (a1);
  2. Arranje a cara certa. Cultive uma face condescendente que dê a impressão de que suas opiniões pessoais estão totalmente embasadas na postura mais correta de todas. Adotar uma cara de desprezo, do tipo 'ar superior' é opcional, mas altamente recomendado;
  3. Empregue termos vagos, subjetivos e enganadores como 'ridículo', 'trivial', 'idiotice' ou 'enganação' de forma que tenham força de autoridade científica (a3);
  4. Mantenha sua argumentação a mais abstrata e teórica possível. Isso dará a impressão que as teorias aceitas são tão superiores que nenhuma evidência as poderá invalidar e, portanto, que não vale a pena examinar evidência alguma;
  5. Faça transparecer de todas as formas possíveis que a ciência é impotente para se defender sozinha contra a fraude e erros dos ignorantes e que, portanto, você foi escalado voluntariamente para a tarefa (a5);
  6. Projete suas opiniões debaixo do manto da mais ostensiva objetividade. Sempre descreva afirmações não ortodoxas como 'suposições' que são 'apregoadas', enquanto que as suas próprias ideias são 'fatos bem estabelecidos'.
B. Redefina a ciência
  1. Não descreva  a ciência como um processo aberto de descobertas, mas como uma guerra santa contra hordas de ignorantes e fanáticos medievais (b1). Como em uma guerra 'os fins justificam os meios', você pode falsear, modificar ou violar qualquer método da ciência, ou mesmo omiti-lo totalmente, em nome da ciência;
  2. Torne equivalente alguns elementos estreitos e críticos da ciência com a ciência toda, ao mesmo tempo em que descarte sumariamente o valor da pesquisa, da exploração e da descoberta;
  3. Ainda que a negatividade mais obtusa não possa ser igualada à própria ciência, da mesma forma que um freio de carro não é o próprio carro, insista sempre que a ciência consiste simplesmente na aplicação pura e simples da dúvida (b3). Caso alguém se oponha a isso, acuse seu oponente de manter uma visão confusa, subjetiva ou 'mística' da ciência;
  4. Embora seja ridículo querer igualar um automóvel ao destino para onde ele se dirige, declare que a 'ciência é equivalente ao corpo de suas conclusões científicas';
  5. Reforçe a crença popular de que certas áreas de pesquisa são inerentemente não científicas. Em outras palavras, deliberadamente confunda o processo de se fazer ciência com o conteúdo da ciência (b5). Se alguém ousa afirmar que a ciência deve ser neutra no que diz respeito ao seu objeto de estudo e que somente o processo investigativo pode ter falhas, descarte prontamente isso usando o método empregado por gerações de políticos: simplesmente diga que 'não existe contradição aqui';
  6. Embora insistindo de um lado que o método científico é universal em sua aplicação e que deve ser aplicado ao qualquer coisa, por outro lado, insista também que ele não se aplica a temas considerados 'não populares' (não científicos). Sempre afirme, de forma bem conservadora, que 'não há licença de liberdade' e que 'certas questões são de interesse apenas de teólogos';
  7. Declare que o progresso da ciência depende de explicar o desconhecido em termo do conhecido. Em outras palavras, que a ciência é igual ao reducionismo (b7). Você pode aplicar livremente a abordagem reducionista em qualquer situação simplesmente descartando mais e mais evidências até que o que sobre possa ser totalmente explicado em termos do conhecimento aceito;
  8. Torne desimportante o fato de que a livre pesquisa e o desacordo legítimo são parte normal da ciência;
  9. Sempre insista que a ciência ocidental é completamente objetiva e que ela nunca se influenciou por crenças ocultas, assunções intestáveis, tendências ideológicas, pressão política ou interesses comerciais. Se um fenômeno não familiar ou desconhecido acontecer de ser considerado verdadeiro ou útil por qualquer sociedade ou grupo não ocidental, você pode descartar isso imediatamente como uma 'bobagem anedótica', 'confusão de ignorante', 'superstição medieval' ou simplesmente 'conto de fadas' (b9);
  10. Declare que o temperamento individual, tipo de personalidade ou emoções humanas nunca exerceram nenhuma influência na objetividade de cientistas 'reais'. Ignore o fato de que emoções, preconceitos, idiossincrasias ou simplesmente insegurança humana pode exercer influência poderosa sobre empreendimentos científicos, frequentemente com resultados risíveis e pouco científicos;
  11. Evite tecer paralelos históricos entre a emergência da ciência e da democracia, ambas originalmente fundamentadas sob conceitos revolucionários como o pensamento independente, livre inquirição, trânsito livre de informações e questionamento da autoridade estabelecida;
  12. Reforce a ficção popular de que nosso conhecimento científico é completo e acabado. Faça isso afirmando simplesmente "Se essa ou aquela descoberta fosse legítima, então certamente já saberíamos disso!"  (b12);
  13. Afirme que nada pode estar acima da formulação Newtoniana do século 17 das leis físicas. Se alguém lembrar a você que o século 17 não tem mais a última palavra em física, mude o assunto o mais rápido possível;
  14. Caracterize qualquer pesquisa de fenômenos misteriosos e genuínos como algo 'indiscriminado', ao mesmo tempo em que sumariamente descarte a crença em ideias não ortodoxas como uma 'discriminação inteligente';
  15. Se alguém se lembrar que em ciência 'um ponto de vista precisa de tanta prova como o ponto de vista contrário', invoque o truísmo irrelevante de que 'crenças ortodoxas já foram provadas!";
  16. Asserte categoricamente que o não-convencional pode ser descartado como, no máximo, uma má interpretação do convencional (b16);
  17. Se pressionado a respeito de qualquer nova interpretação do método científico, declare que a 'integridade intelectual é um problema sutil!";
  18. Em qualquer oportunidade, exalte as virtudes do 'pensamento crítico', ao mesmo tempo em que você deve se comportar como se isso nada mais fosse do que negação pura e simples. Evite explicar que o pensamento crítico pressupõe desejo de examinar todos os lados de uma questão com igual rigor.
Comentários e referências

(a1) Um 'crítico de cadeira' ou de 'sofá' é alguém que maneja a retórica para negar ou refutar fenômenos que ele considera inexistentes. Ele jamais dá-se o trabalho de pesquisar ou conhecer os fatos. A imensa maioria dos céticos pode ser assim considerado.

(a3) Muitas vezes a força da argumentação cética não passa de mera retórica pelo uso de palavras que denigrem a argumentação contrária.

(a5) Ponto muito interessante. Muitos céticos pretendem defender a ciência das investidas da ignorância ou do recrudescimento do misticismo. Para eles, a ciência é como uma princesa indefesa que deve ser protegida a todo custo naturalmente por eles.

(b1) Ver comentário a5.

(b3) Ponto importante destacado por Drasin que é frequentemente visto na retórica do ceticismo.  Muitos acreditam que o ceticismo como negação pura e simples 'faz parte da mentalidade científica'.

(b5) Outro ponto muito importante. Céticos, em geral, tem dificuldade em separar essas duas coisas e simplesmente negam, por uma questão de fé própria, a validade da pesquisa do que não aceitam (como no caso da fenomenologia dos fatos psíquicos ou mediúnicos).

(b7) Ou também conhecido como redução a uma 'explicação naturalista'. Para o caso da mediunidade ostensiva, por exemplo, a explicação naturalista mais acreditada é a hipótese ou assunção de fraude. Em uma primeira tentativa, recorre-se a explicações mais sofisticadas (do tipo, 'coincidência' ou exacerbamento dos sentidos das testemunhas). Se isso não funciona, a tática da explicação pela fraude implementa facilmente o reducionismo. Drasin também chama atenção para a tática cética de desqualificação das evidências até o ponto em que o que sobre possa ser facilmente reduzido ao que é conhecido.

(b9) A crença na reencarnação em algumas sociedades orientais é um exemplo.

(b12) Isso constitui um dos fundamentos do indutivismo ingênuo.

(b16) Isso é uma outra maneira de se implementar o reducionismo ou 'explicar o desconhecido pelo conhecido'.

No próximo post: Relaxando as regras das evidências.

Outros

17 de junho de 2012

Reflexões sobre um texto de David Hume

"O sábio, respirando esse ar sereno, olha para baixo, com um prazer misturado de compaixão, para os erros dos mortais iludidos, que cegamente procuram o verdadeiro caminho da vida, e buscam a riqueza, a nobreza, a honra e o poder, em vez da verdadeira felicidade. Vê que a maioria é desapontada em suas mais caras aspirações. Alguns lamentam que, tendo uma vez possuído o objeto de seus desejos, ele lhes tenha sido arrebatado pela fortuna invejosa. E todos se queixam que mesmo a satisfação de suas próprias aspirações seria incapaz de dar-lhes a felicidade, ou de aliviar a ansiedade de seus espíritos confundidos". (D. Hume, 'O Estóico', I.XVI.12)

Este texto complementa o artigo "A recompensa da Virtude" publicado na revista Reformador, Abril de 2012. Editado pela Federação Espírita Brasileira.

Qual seria a recompensa da Virtude? 

Essa é a questão proposta por David Hume (1711-1776) em seu texto 'O Estóico' (1). No que segue, o que está em azul são transcrições desse texto de Hume. Questão de gigantesca importância em nossa época em que o ceticismo e o hedonismo nulificaram as virtudes humanas, nivelando as consequências dos atos do homem correto e bem aos de um corrupto ou criminoso. 'Não há recompensa alguma nos atos de virtude, portanto, que tenha livre curso a corrupção de todos os atos', tal é a regra do dia.  

Hume é conhecido como um dos maiores filósofos do ocidente, sendo que é particularmente reverenciados pelos céticos. Entretanto, o ceticismo de Hume é de uma qualidade e caráter bem diferente do ceticismo vulgar de muitos que duvidam apenas pelo gosto de duvidar. Seus ensaios foram muito influentes, inclusive sobre a constituição dos Estados Unidos da América. Para começar, Hume não deixa de se surpreender em 'O Estóico' com as diferenças que existem entre os vários estágios da evolução humana que ele classifica em três:
  1. A do homem incivilizado, que usa de 'paus e pedras como defesa contra as rapaces feras do deserto';
  2. A do home civilizado 'que goza sob a proteção das leis todas as vantagens inventadas pelo trabalho';
  3. A do 'homem virtuoso', 'verdadeiro filósofo, que comanda seus apetites, subjuga suas paixões, e a quem a razão ensinou a atribuir um justo valor a todo objeto do desejo'. (grifos nossos)
Para Hume essa diferença demonstra que, se a humanidade hoje pode ser tomada como estagiando no segundo nível, não existem escusas para que cada um se esforce para alcançar o último:
Mas, ao mesmo tempo que ambiciosamente aspiras ao aperfeiçoamento de tuas faculdades e poderes corpóreos, serias capaz de mesquinhamente desprezar teu espírito, e com despropositada preguiça deixá-lo no mesmo estado rude e inculto com que veio das mãos da natureza? (1, XVI.4)
Há 2000 anos, diria Jesus: 'Sede pois vós outros, perfeitos como vosso Pai celestial' (Mateus, Cap. 5: 48). Qual seria a necessidade de perfeição diante de um paraíso fácil concedido pela imensa maioria das doutrinas cristãs que vieram depois que tais palavras foram proferidas? Pois a perfeição, assim como a ascensão ao último estágio do nível descrito por Hume não é imediata, não é no intervalo de uma única existência que se atinge a condição de 'verdadeiro filósofo' ou 'patriota desinteressado' nas palavras desse famoso filósofo empirista. Entretanto, Hume não deixa de ser profundamente otimista em relação à personalidade humana em geral, pois pondera que o homem pode aspirar a sentir o prazer que para ele seria o único verdadeiro, o de se perceber melhor a cada dia:
E que o mesmo esforço pode tornar o cultivo de nosso espírito, a moderação de nossas paixões e o esclarecimento da razão uma ocupação agradável, quando a cada dia tomamos consciência de nosso progresso e vemos nossos traços e atitudes interiores cada vez brilhando mais com novos encantos? (1, I.XVI.8)
Para Hume bastaria que o homem se 'curasse dessa letárgica indolência' (1, I.XVI.8) que o impede de ascender moralmente. Querer que o homem, de forma geral, se cure dos vícios morais (responsáveis por tantos crimes que enxameiam o noticiário da atualidade) no intervalo de apenas uma existência é o mesmo que querer vislumbrar toda a vida de um indivíduo tão só pela análise de algumas fotografias. Por outro lado, a ideia de uma única existência torna difícil esse esforço, assim como a falta de perspectiva de uma vida futura (como ocorre com as doutrinas materialistas) é suficiente para torná-lo inútil. 

Resposta

A solução? Ela está sinteticamente representada pela resposta à questão #167 de 'O Livro dos Espíritos' (2):
167. Qual o fim objetivado com a reencarnação?
“Expiação, melhoria progressiva da Humanidade. Sem isto, onde a justiça?”
Portanto, a ascensão na escala de Hume ocorre em tempo muito mais dilatado através das vidas sucessivas. Por tal doutrina é que compreendemos como, operacionalmente, se dá esse progresso moral. Hume não seria assim 'otimista demais', nem estaria equivocado, o prazer que ele afirmar ser possível em se perceber melhor a cada dia virá inexoravelmente com o passar dos séculos em todos as almas. Não há nenhuma outra doutrina filosófica ou religiosa que permita tamanha concordância entre afirmações nascidas em épocas tão diferentes, a de um evangelista (texto de Marcos, Cap. 5:48) e de um filósofo cético empirista do século 18... 

Como se pode então reconhecer o verdadeiro progresso? Ele é a própria recompensa da virtude, a libertação final de todo os males:
Que encantos encontramos na harmonia dos espíritos, e numa amizade baseada na mútua estima e gratidão! Que satisfação em socorrer os aflitos, em reconfortar os infelizes, em levantar os caídos, e em deter a carreira da cruel fortuna, ou do homem ainda mais cruel, em seus insultos aos bons e virtuosos! Mas que alegria mais sublime é possível, nas vitórias sobre o vício e sobre a miséria, do que quando pelo virtuoso exemplo ou a sábia exortação nossos semelhantes são ensinados a dominar suas paixões, a renunciar a seus vícios, a subjulgar seus piores inimigos, que habitam dentro de seu próprio peito? (3,I.XVI.16)

Embora separados por séculos e culturas diferentes, não é esse o quadro que melhor descreve a personalidade de um Francisco de Assis, Madre Teresa ou Chico Xavier no final de suas existências? A única vitória possível, a fonte da recompensa imperecível de toda e qualquer virtude é a vitória de si próprio. Hume não deixa de reconhecer em seu texto  que esse estágio também corresponde ao nível de uma nova beleza, a 'beleza moral':
No verdadeiro sábio e patriota se reúne tudo o que pode enobrecer a natureza humana, elevando o homem mortal a uma certa semelhança com a Divindade. A mais suave benevolência, a mais indômita resolução, os mais ternos sentimentos, o mais sublime amor da virtude, tudo isso vai sucessivamente animando seu arrebatado coração. Que satisfação, quando ele olha para dentro de si mesmo e vê as mais turbulentas paixões harmonizadas numa justa concórdia, banindo todo som discordante nessa música encantadora! Se a contemplação da beleza, mesmo inanimada, é tão deliciosa, se ela entusiasma os sentidos, mesmo quando a bela forma nos é estranha, quais não devem ser os efeitos da beleza moral? (4, I.XVI.18,grifos nossos)
 Já 'O homem de bem' ("Evangelho segundo o Espiritismo", 5)
Encontra satisfação nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, no fazer ditosos os outros, nas lágrimas que enxuga, nas consolações que prodigaliza aos aflitos. Seu primeiro impulso é para pensar nos outros, antes de pensar em si, é para cuidar dos interesses dos outros antes do seu próprio interesse. O egoísta, ao contrário, calcula os proventos e as perdas decorrentes de toda ação generosa.
o que está em perfeita harmonia com o texto de Hume de 'O Estóico'.  Utopias das utopias, esse estado de perene exaltação do bem na personalidade do virtuoso por excelência existe e é real, assim o provam as vidas de personalidades como as que citamos acima. O passar dos milênios se encarregará de consolidá-lo na vida de todos, pois essa é a lei.

Referências

(1) D. Hume, O Estóico em Ensaios morais, políticos e literários, Ed. Nova cultura, São Paulo (2000). O original em inglês está disponível online.

(2) A. Kardec. 'O Livro dos Espíritos'. Texto segundo www.ipeak.com.br.

(3) Ref. 1. Original em inglês: What charms are there in the harmony of minds, and in a friendship founded on mutual esteem and gratitude! What satisfaction in relieving the distressed, in comforting the afflicted, in raising the fallen, and in stopping the career of cruel fortune, or of more cruel man, in their insults over the good and virtuous! But what supreme joy in the victories over vice as well as misery, when, by virtuous example or wise exhortation, our fellow-creatures are taught to govern their passions, reform their vices, and subdue their worst enemies, which inhabit within their own bosoms?

(4) Ref. 1. Original em inglês: In the true sage and patriot are united whatever can distinguish human nature, or elevate mortal man to a resemblance with the divinity. The softest benevolence, the most undaunted resolution, the tenderest sentiments, the most sublime love of virtue, all these animate successively his transported bosom. What satisfaction, when he looks within, to find the most turbulent passions tuned to just harmony and concord, and every jarring sound banished from this enchanting music! If the contemplation, even of inanimate beauty, is so delightful; if it ravishes the senses, even when the fair form is foreign to us: What must be the effects of moral beauty? 

(5) A. Kardec. "O Evangelho Segundo o Espiritismo", Cap. 17, 'Sede Perfeitos'. Texto segundo www.ipeak.com.br .


10 de junho de 2012

Um médico descobre a mediunidade

Médiuns receitistas: têm a especialidade de servirem mais facilmente de intérpretes aos Espíritos para as prescrições médicas. (A. Kardec, "O Livro dos médiuns", Cap. 16, II Parte, Das manifestações espíritas, dos médiuns especiais).

O que aconteceria se os praticantes da medicina finalmente levassem em conta o conhecimento transcendente, o da Vida Maior no exercício de suas profissões? E se a mediunidade fosse incorporada de alguma forma e intensidade à prática médica? Podemos prever uma grande mudança nos tratamentos com perspectivas nunca antes imaginadas. Em particular, com aqueles profissionais que trabalham com as doenças mais diretamente ligadas à relação entre o Espírito e a matéria, certamente o impacto seria maior. 

O Dr. Ian Rubenstein é um exemplo desse tipo de mudança. Médico inglês que trabalha em Enfield no norte de Londres, ele passou a se interessar diretamente pela fenomenologia mediúnica. Em um recente artigo "A medium in the Doctor's Office" ("um médium no consultório") que foi publicado na edição de Junho deste ano da revista EdgeScience (1), ele descreve um pouco suas experiências com a mediunidade e o começo de seu interesse pelo assunto:
"...meu interesse no assunto começou quando uma paciente que visitei afirmou estar em contato com meu falecido bisavô. Ela me deu informações muito precisas dele. Isso chamou minha atenção e, depois de uma série de eventos extraordinários e de coincidências misteriosas, comecei a participar de reuniões com médiuns bem treinados e a iniciar o contato com o 'outro lado'."
Admite ele que isso foi uma mudança radical no seu ponto de vista, já que, como médico e na idade de 48 anos, ele não tinha a menor pretensão de começar a receber treinamento como médium. A partir de então ele "teve que aprender a entrar em contato com a parte mais sutil e intuitiva da mente, em um esforço de contato com uma forma de existência espiritual".

Do contato que teve com vários médiuns, ele pode perceber a vantagem prática que tinham com as fenômenos mediúnicos. Em um gesto de grande humildade, ao menos por certo tempo, decidiu suspender seu 'julgamento cético' a respeito do assunto, pelo menos durante as sessões. E, então, passou a receber, como diz, 'informações do nada'. De nomes nunca ouvidos que faziam sentido para membros do grupo até descrições precisas de alguém que havia falecido. Tais ocorrências fizeram com que ele suspendesse sua trégua contra os fenômenos, imaginando tratar-se de um mistura de 'leitura fria' (2) ou de memórias inconscientes proferidas por pacientes a ele durante os anos. Sua impressão final, porém, foi de que, embora isso pudesse fazer parte de uma explicação, não se encaixava absolutamente ao que ele havia experimentado. Havia fatos demais que não se explicavam de forma natural. Então, ele mesmo se surpreendeu ao começar a ter intuições sobre seus pacientes, fatos que ele jamais poderia saber de forma ordinária:
Por exemplo, quando Lucy me procurou em um estado terrível de depressão, não tinha ideia alguma que seu pai havia sido assassinado e que isso tinha sido há 38 anos atrás. Eu estava para prescrever a ela um antidepressivo quando senti um impacto na parte de trás de minha cabeça e ouvi uma voz que me pediu perguntasse a Lucy sobre seu pai, além de ver uma forma espectral de um homem que ditava uma resposta sobre os ombro esquerdo de Lucy. 
Isso pareceu muito espetacular, mas mais importante e útil foi saber de Lucy que ela sempre sentia a presença de seu pai ao redor dela. Depois que confirmei isso, ela me disse se sentir muito melhor e que, de fato, não mais precisaria do antidepressivo.
Dr. Rubenstein.
Portanto, o Dr. Rubenstein passou a ser auxiliado durante seu trabalho com informes que ele não sabia de onde estavam vindo, mas que eram resultado direto de seu interesse em se desenvolver como médium (3). Para ele o contato dá-se de forma totalmente inesperada: na maioria das vezes quando ele está com seus pacientes:
Começa frequentemente com uma imagem mental clara que eu prontamente reconheço como sendo algo que preciso dizer ao paciente. Essas imagens são bastante persistentes. A menos que esforço deliberado seja feito para apagá-las, elas não vão embora enquanto eu não comunico o paciente do que se trata.  

Classicamente isso é conhecido como 'fazendo o contato'. Parece que funciona desse jeito: uma vez que uma imagem ou mensagem inicial se mostra útil ao recipiente (paciente), fica mais fácil  que mais informações sejam conseguidas. Se o recipiente conseguir 'compreender' o que lhe passo, recebo então uma serie de outras imagens que preciso usar de forma a fazer sentido.
Dr. Rubenstein descreve então duas variedades de percepções mediúnicas das quais ele apenas tem a última:
Mensagens visuais e auditivas podem ser subdivididas em formas subjetivas e objetivas. As mensagens subjetivas são percebidas com os olhos da mente ou ouvidas como uma especie de voz interior. As mensagens objetivas são vistas ou ouvidas como que emanando do mundo físico. Algumas vezes é uma mistura estranha das duas formas. 
E, mais a frente:
Recebo na maioria das vezes imagens. Algumas vezes elas parecem óbvias. Em outros casos parecem vir na forma de símbolos para a situação que o paciente está passando. Algumas vezes essas imagens parecem embaralhadas como se fosse um pedaço de informação que tivesse sido depositado na minha mente. Então tenho que desembarçar camada a camada, imagem a imagem 
Ocasionalmente, sinto ou vejo pessoas que estão associadas aos pacientes que estão em consulta. Quando isso acontece, existe frequentemente informação quanto à posição associada ao comunicante.
Obviamente, ele também sente a pressão da censura por seu comportamento tão peculiar durante as consultas. Interessantemente, seus pacientes aceitam sua capacidade melhor do que ele próprio. E, dessa forma, ele se permite utilizar frequentemente dessa habilidade. Segundo ele, 'se a situação está difícil, seria bobagem recusar ajuda, mesmo dos desencarnados'. 

Notas e referências

(1) Rubenstein I. (2012). A medium in the doctor´s office, Seção 'The Observatory', EdgeScience, 11. Publicado pela Society for Scietific Exploration;

(2) 'Leitura fria', em inglês, 'cold reading' é uma hipótese cética usada para supostamente explicar a possibilidade de médiuns obterem informações. Por meio de grande habilidade, médiuns tirariam 'informação do nada' a partir da leitura cuidadosa da maneira como pessoas do 'círculo' se sentam, como mexem os olhos, as mãos etc.

(3) Rubenstein, I. (2011). Consulting Spirit: A Doctor’s Experience with Practical Mediumship (Anomalist Books)


3 de junho de 2012

O que se deve entender por 'fenômenos espirituais'.


Exemplo de 'música psicográfica' por Rosemary Brown atribuído ao Espírito de F. Chopin. Este é um exemplo genuíno de 'fenômeno espiritual' que demonstra a possibilidade de intercâmbio entre dois mundos.  

Em um post anterior (1), discutimos com algum detalhe as dificuldades que existem na compreensão de palavras relacionadas a Espírito, perispírito, aura e 'corpo bioplasmático'. Por razões didáticas, é interessante detalhar ainda mais as questões semânticas, a fim de que fique claro o que seria o objeto de estudo de interesse principal da ciência espírita.

Também vimos em (2), obstáculos comuns que se impõem à pesquisa da realidade da sobrevivência e da existência do Espírito. Dentre eles estão as tentativas de se 'detectar' ou 'medir' o Espírito. Em que pese a possibilidade de se encontrar rastros materiais para o terceiro corpo que forma a individualidade humana, há que se considerar que o Espírito, por definição, não pode ser observado diretamente pelos sentidos e, portanto, não está sujeito, para sua apreensão, às dificuldades inerentes do elemento material. Esse ponto crítico está na raiz do desenvolvimento das ciências psíquicas e no reconhecimento do Espírito como um princípio independente da matéria.

Por outro lado, como devemos interpretar isso diante de inúmeros 'efeitos físicos' que são apresentados como evidências de 'fenômenos espirituais'? Seria isso um erro? Aqui temos uma dificuldade inerentemente conceitual e ilustramos isso por meio de um exemplo.

Escrita direta e psicografia

As manifestações mediúnicas que se tornaram conhecidas desde o fenômeno de Hydesville em 1840 apresentaram-se sempre como processos de comunicação par excellence. Dentre elas, a escrita direta e a psicografia destacam-se como método através do qual mensagens de variado conteúdo são transmitidas por meio de médiuns sejam de efeitos físicos em um caso (escrita direta) ou de efeitos intelectuais (psicógrafos) em outro.  

Já apresentamos um exemplo de escrita direta feita por Tom Harrison (3) através da médium de materializações Minnie Harrison. Por meio desse fenômeno um lápis, caneta ou giz é movimentado no ar (seja no interior de uma caixa ou de forma livre) escrevendo mensagens. No início das manifestações, o fenômeno era obtido também quando o lápis era preso a uma cesta (4). A escrita direta também foi chamada de pneumatografia por A. Kardec (5)

Já o fenômeno de psicografia representa uma evolução do processo de comunicação (4) que se iniciou pela tiptologia simples ou a linguagem das pancadas ('raps'). Na psicografia, o médium escreve diretamente a mensagem sob influência de um Espírito. Embora as diferenças marcantes no processo de obtenção da mensagem, está claro que se trata de um processo de comunicação através do qual uma mensagem (então inexistente) é transmitida ao meio de sua recepção.

Exemplo

Diante da possibilidade de se obter mensagens tanto por meio da escrita direta como por meio da psicografia, podemos nos perguntar: qual a diferença do ponto de vista de quantidade de informação entre um processo e outro? Imaginemos dois médiuns, um de efeitos físicos e outro psicógrafo que transmitem sucessivamente frases em determinada ordem que, juntas formam um texto. O conteúdo 'espiritual' da mensagem estará no contexto da mensagem, nas suas várias características linguísticas: idioma em que é produzida (o que implica em uma sintaxe e numa semântica específica desse idioma), de sua pragmática (significados dependentes do contexto extralinguístico) e  intenção (muito mais que uma mensagem, mas a representação de um ato linguístico).






Porém, muitos se deixaram levar pelo caráter 'espetacular' (6) e desprezaram a espiritualidade também presente nas  manifestações puramente físicas (ver nossas conclusões abaixo). O que queremos dizer é que há que se separar os dois aspectos do fenômeno: i) o caráter espiritual ligado à proferência de um conteúdo semântico que revela sentimentos, intenções e informações de seu emissor (o Espírito) e ii) o fenômeno físico que ocorre por ação de forças que - embora 'invisíveis' tem origem física (e, portanto, na matéria). Podemos certamente afirmar a origem física dessas forças porque elas operam sobre a matéria (o lápis ou o giz).

A mensagem musical que apresentamos no início deste texto, Ballade in D-flat Major psicografada por Rosemary Brown (7) e atribuída a Frederic Chopin, também não teria seu conteúdo estético reduzido, a menos de  diferenças na performance do pianista - caso fosse executada diretamente por um piano que 'tocasse sozinho' (8) - ou por qualquer outro pianista minimamente capacitado. Seria um erro desprezar o conteúdo musical dessa peça para se interessar tão somente pelo aspecto físico do instrumento que toca aparentemente sozinho. Também aqui percebemos que podemos separar a aparência do fenômeno, o que impressiona a vista e os ouvidos do conteúdo musical e estético que tem sua origem na fonte de informação, o Espírito.

Conclusões

É fácil ver que a dificuldade em se separar esses dois aspectos é um dos obstáculos à pesquisa da sobrevivência e reconhecimento da realidade do Espírito. Os que confundiram efeitos físicos com manifestações espirituais falharam em perceber a diferença. Cientistas como W. Crookes e outros sábios da SPR de Londres (Society of Psychic Research), além de toda 'escola' da Metapsíquica, insistiram em  tratar eventos psíquicos como se fossem experimentos de bancada de Física ou Química (Fig. 1). A mesma tendência se viu nos desenvolvimentos da Parapsicologia. Com isso, o conteúdo de informação que esses fenômenos traziam foi desprezado em detrimento de aspectos puramente físicos. Por outro lado, a insistência de céticos em 'provar' que tais fenômenos são fraudulentos ou ilusórios é um ataque inapropriado ao aspecto espiritual deles, justamente porque desprezam o conteúdo de informação que transcende ao que é concebível nos círculos em que são produzidos.
Fig. 1 O médium D. D. Home e o experimento de Crookes do acordeon que toca sozinho, ref. (8). A supervalorização de aspectos físicos de fenômenos como esse tem sido feita pelas diversas 'ciências psíquicas' em detrimento do conteúdo de informação que traziam.
Assim, seriam os 'efeitos físicos' fenômenos espirituais? Se eles contribuem para transmitir uma mensagem e revelar uma intenção transcendente ao meio de sua produção, certamente o são. O lado espiritual está no caráter inteligente da mensagem que ele transmite, caráter que revela uma causa inteligente independente, como bem observou Kardec.

Notas e Referências

(1) Sobre fotos Kirlian e o corpo bioplasmático dos soviéticos.
(2) Doze obstáculos ao estudo científico da sobrevivência e à compreensão da realidade do Espírito.
(3) Vídeo III - 'Visitantes da outra margem' - Fenômenos de Materializações descritos por Tom Harrison (Inglaterra)
(4) A. Kardec.(1858) 'Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas',  Capítulo 4, Diferentes modos de comunicação:Psicografia.
(5) A. Kardec. (1861) 'O Livro dos Médiums', 2a Parte, "Das manifetações espíritas, Capítulo 12: Da pneumatografia ou escrita direta". Referência: IPEAK. 146: "A pneumatografia é a escrita produzida diretamente pelo Espírito, sem intermediário algum; difere da psicografia, por ser esta a transmissão do pensamento do Espírito, mediante a escrita feita com a mão do médium".
(6) Não podemos deixar de concordar que, do ponto de vista físico, um lápis que escreve aparentemente 'sozinho' não deixa de ser um fenômeno não só anômalo, mas mais interessante que alguém que o segure e escreva a mensagem com a mão.
(8) Não são raras descrições desses casos na literatura psíquica. Um exemplo de teste conduzido por W. Crookes com o médium D. D. Home demonstrou a execução de uma música por um acordeon que tocava 'sozinho' (Fig. 1). Crookes não se interessou pelo tipo ou natureza da música produzida. Ver: Crookes W. (1874), Researches in the phenomena of spiritualism. London: Lowe and Brydone, 1953. Ver também: 
Estudando o Invisível (por Juliana M. Hidalgo Ferreira)